Economia

Restaurantes cariocas mudam cardápio para driblar alta no preço dos alimentos

Diminuir quantidade ou trocar ingredientes e deixar de fazer alguns pratos durante a semana estão entre alternativas adotadas

No restaurante Santo Scenarium, gastos com compras de alimentos básicos superam 40% (foto)
Foto: Divulgação
No restaurante Santo Scenarium, gastos com compras de alimentos básicos superam 40% (foto) Foto: Divulgação

RIO - Quem frequenta as feiras e os supermercados está assustado com a escalada dos preços dos alimentos. A variação acumulada mostra que quase 70% dos produtos mais utilizados nas refeições brasileiras ficaram mais caros, segundo o IPCA, índice oficial de inflação. Os aumentos estão tirando o sono também de proprietários de restaurantes e bares do Rio de Janeiro, que vêm lançando mão de vários recursos para evitar o repasse aos clientes. Diminuir ingredientes, trocar produtos e até mesmo deixar de fazer pratos tradicionais do cardápio durante alguns dias da semana estão entre as alternativas adotadas.

A tradicional cantina Nello’s, em São Paulo, levantou a polêmica na semana passada, ao banir o essencial tomate de seu cardápio. Já no restaurante Carmelo, no Flamengo, a dor de cabeça tem mais três culpados, além do tomate: o pimentão, o caju e o morango. Em alguns dias da semana, o proprietário Marcos Alvim passou a utilizar pera, normalmente bem mais cara, em pratos em que tradicionalmente usava o caju. Segundo ele, em dois meses, a bandeja do fruto com quatro unidades passou de R$ 4,50 para R$ 10. É alta de 122%.

— O tomate é agora o vilão da história mas muitos outros alimentos estão pesando no nosso bolso. O pimentão e o caju usamos muito no cardápio. O caju tem dia que eu troco por pera. Já o pimentão eu diminui as porções em alguns pratos. No caso do tomate, um dia eu coloco tomate com palmito no outro com brócolis. Tomate todo mundo sente falta, não posso tirar das refeições.

O cardápio variado, apesar da influência da culinária italiana, ajudou na solução, mas a mesma alternativa foi inviável com o morango. A prática de incluir musse de morango no bufê como mimo aos clientes foi abolida. No lugar, oferece musse de limão ou doce de banana. Segundo ele, a variação dos preços chegou a 111%. A caixa — também com quatro bandejas –, antes negociada a R$ 9, passou a R$ 19 em poucos meses.

O grupo Alimentação e Bebidas subiu 13,48% nos 12 meses encerrados em março de 2013, segundo o IBGE, resultado bem acima dos 6,59% registrados no mesmo período pelo IPCA. A inflação superou o teto da meta perseguida pelo governo, que é de 6,5%.

Já no Cugine, no Recreio dos Bandeirantes, e no Maccherone, em Jacarepaguá, a explosão no preço do tomate diminuiu fortemente a margem de lucro dos dois restaurantes, afirma o proprietário Deusdete Vieira.

— Dessa vez a alta foi assustadora. A gente está pagando, em média, R$ 6 o quilo mas chegou a pagar R$ 8. Eu preferi perder grande parte do lucro do que repassar aos clientes. As hortaliças e as verduras também ficaram muito caras. O brócolis, a cebola, a batata, tudo aumentou.

Custos semanais em alta

Por semana, os restaurantes Rio Scenarium, Mangue Seco e Santo Scenarium, todos da mesma rede, compram 60 quilos de batata, 70 quilos de batata-baroa, cem quilos de cebola, 30 quilos de cenoura, 50 unidades de brócolis e 200 unidades de abacaxi. Antes de os preços dispararem, de acordo com Francine Froes, gerente de compras do grupo, os gastos semanais somente com estes itens somavam R$ 1.468. Segundo ela, a diferença com a inflação dos alimentos bate os R$ 627, o que eleva os custos com a aquisição destes itens em 42%.

— Não estamos repassando os custos para os clientes, estamos absorvendo este prejuízo nas margens de lucro enquanto der. Já conhecíamos a alta dos preços no período pós chuvas, mas há meses os preços só sobem e a culpa dessa vez não é só da chuva. No momento, já trocamos o molho de tomate por molho branco e algumas saladas que iam batata-baroa estamos usando outras hortaliças e verduras.

Segundo Plínio Quintão Froes, sócio da rede, a batata passou de R$ 2,80 para R$ 3,69 (alta de 31,7%), a batata-baroa foi de R$ 3,20 para R$ 4,20 (31,25%), a cebola de R$ 1,80 para R$ 3,39 (88,3%), a cenoura R$ de R$ 1,70 para R$ 2,79 (64,1%), o brócolis americano R$ 2,90 para RS$ 3,99 (37,58%) e o abacaxi de R$ 3,50 para R$ 4,79 (36,85%).

— Só não sei até quando consigo segurar, com os preços crescendo neste patamar — reitera.

Em São Paulo, para fugir da sazonalidade nos preços dos alimentos ao longo dos últimos 12 meses, o tradicional Obá, no Jardim Paulista, fez dois aumentos de preços em 2012. Em maio, o proprietário Hugo Delgado decidiu aumentar todo o cardápio em 5%, mas já em setembro percebeu que a pressão inflacionária já havia cortado grande parte da sua margem e fez novo reajuste de 3%.

— Até hoje não fizemos nenhuma alteração nos ingredientes porque seria inviável fazer mudanças prato a prato todas as semanas, mas a gente acompanha a flutuação de preços bem de perto. Pela primeira vez, tive que fazer dois reajustes no mesmo ano — afirmou Delgado.

Na cantina Nello’s, os fregueses foram orientados a trocar o filé a parmegiana pelo filé ao molho de uvas e o macarrão ao sugo pelo espaguete com camarões ou legumes.

Preços tendem a cair

Os preços dos alimentos são fortemente sazonais em virtude do clima. Os períodos mais críticos são o quarto e o primeiro trimestres do ano, respectivamente, pois, nesse período, a variação do grupo Alimentação e Bebidas do IPCA chega a ficar 36% a 16% maior que a média do ano inteiro.

Segundo Alex Agostini, economista chefe da consultoria Austin Rating, pela análise histórica de comportamento deste grupo, a expectativa é que os preços entrem em processo de declínio, em particular, por conta do fim da temporada de chuva e respectiva regularidade da oferta.

— Porém, em virtude da manutenção do nível de emprego e o aumento real da renda nos últimos anos, o recuo padrão observado nos anos anteriores, que é da ordem de 5% em relação à média no segundo trimestre e de 45% no terceiro trimestre, neste ano poderá ser mais brando. Em alguns casos, como o tomate, o recuo será maior, porém amenizado por uma queda menor em outros legumes e hortaliças.

De acordo com o IPCA, o tomate ficou 122% mais caro nos 12 meses terminados em março. Já a Federação da Agricultura e Pecuária em Goiás (Faeg), estado líder na produção do alimento, informa que o preço teve variação superior a 150%.