Coluna
Cora Rónai A colunista escreve às quintas
Cora Rónai Foto: Agência O Globo

Democracia, a palavra mágica

Quero ouvir a voz do meu país denunciando ditaduras, e não compactuando com elas

Amigos petistas (sim, ainda tenho alguns) dizem que votam no PT por causa das suas políticas sociais. É um bom argumento: não há pessoa com um mínimo de sensibilidade e compaixão que possa ser contra políticas de inclusão social, especialmente num país tão desigual quanto o nosso.

A questão é que ele parte do princípio de que o PT detém o monopólio das boas intenções sociais, e aí entramos na área da desqualificação do adversário, da qual o partido tanto entende. Que eu me lembre, em momento algum Aécio ou o PSDB afirmaram que pretendem mudar o que, a duras penas, já se conquistou; mas a propaganda do PT insiste nisso e pronto, basta a palavra do marqueteiro João Santana para transformar o que jamais foi dito em verdade sacramentada.

Outro problema com esse argumento é que, por melhores que sejam as intenções sociais de quem quer que seja, elas não existem fora de um contexto mais amplo. Sem dinheiro não se faz nada, nem bom ensino, nem boa saúde, nem distribuição de renda. Simplesmente não há política social que consiga se manter, a médio ou longo prazo, diante de uma economia desastrosa como a do governo Dilma.

Eu até poderia dizer, parafraseando os meus amigos petistas, que não voto no PT justamente porque prezo as conquistas sociais do país, e não quero que elas desapareçam levadas por uma política econômica que vai de mal a pior.

Mas não é só isso.

Entre outros incontáveis motivos, não voto no PT porque tenho vergonha do papel que o meu país está fazendo no cenário internacional, abraçando ditaduras obsoletas, financiando tiranos e dando apoio a terroristas.

Ao contrário de tanta gente que prestigia o partido, eu não acho que democracia seja essencial para nós, brasileiros, mas desnecessária para iranianos, cubanos ou venezuelanos. Eu quero que todo mundo tenha as mesmas prerrogativas que eu tenho, quero que todas as pessoas do mundo possam viver e respirar em ambientes de liberdade, dizendo o que têm vontade de dizer sem risco de ir para a cadeia no dia seguinte.

Eu quero ouvir a voz do meu país denunciando ditaduras, e não compactuando com elas.

Passei vários anos da minha vida brigando por liberdade no Brasil e pedindo uma imprensa livre. Na minha cabeça, não faz o menor sentido votar, agora, num governo que apoia regimes que perseguem seus cidadãos por crimes de opinião — e que, vira e mexe, fala em “democratizar” a mídia.

Eu vi esse filme há muito, muito tempo, e não gostei.

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O país está dividido e envenenado; as redes sociais, por tabela, também estão. Frequento a internet desde sempre e nunca vi tanto rancor, tanta grosseria, tanta agressividade. Postei uma primeira versão deste texto no Facebook. Mesmo sabendo como andam as coisas, fiquei impressionada — ou “estarrecida”, para usar uma palavra da moda — com o nível de ódio da militância.

De ontem para hoje, não tenho feito outra coisa a não ser capinar a área de comentários, subitamente invadida por pessoas que não são minhas amigas, não têm conhecidos em comum comigo, não seguem a minha página e jamais apareceram sequer para dar like numa foto de gato — e agora vêm, cheias de fúria, dirigir ofensas a mim e aos que concordam comigo.

Esse comportamento antidemocrático está acontecendo dos dois lados.

Espero que o próximo presidente, seja quem for, tenha a humildade de reconhecer o quanto é rejeitado, ou rejeitada, pela metade da nação — e dedique-se, com afinco, à sua reunificação.

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Enquanto isso, aqui no Rio, cidade onde as árvores são, significativamente, podadas pela empresa que cuida do lixo, mais uma vida centenária foi ceifada. Quem conta é Valeria Martins:

“Na Rua Voluntários da Pátria, em frente ao nº 98, havia um enorme ficus cuja copa sombreava os dois lados da rua. Seu tronco, com aqueles cipós e raízes, guardava o formato de um muro que já não existia mais. O muro deve ter tido aquele formato bonito dos muros antigos, que não eram retos em cima. A árvore cresceu envolvendo o muro e guardou sua forma, como um molde, uma memória física do passado. Eu passo todo dia por esse caminho, de casa para o trabalho e de volta para casa. Eu gostava de ver a bela árvore, com o muro antigo nela gravado.

“No último dia 30, passei pela rua e vi o crime: a árvore havia sido podada, ou melhor, mutilada, esquartejada, destruída. Do jeito que a Comlurb tem feito com dezenas de árvores.

“Revoltada, tirei duas fotos, para mandar para o jornal, reclamando. Mas demorei muito, e a Comlurb foi mais rápida do que eu. No dia 14 passei por lá e a árvore havia sido assassinada. Restou apenas um toco, um imenso pedaço de tronco, triste, sem formato de muro, sem memória, sem vida, sem nada.

“Como alguém pode ser tão estúpido? Como alguém pode fazer isso sem ser detido? Quem autoriza esses massacres? São crimes ambientais, crimes contra o patrimônio da cidade, nossa memória! Aquela árvore tinha mais direito de permanecer do que o imbecil que mandou cortá-la!

“Se você for solidária com minha revolta, por favor, grite, mande e-mails, rogue pragas, comece uma campanha, faça uma denúncia, comece uma ação... sei lá. Qualquer coisa que faça mais barulho do que a tristeza doída que vou sentir todos os dias, de casa para o trabalho e de volta para casa.”

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