RIO - Aos pés da Ladeira dos Tabajaras, um cheiro irresistível aponta o caminho do restaurante Fino Paladar, cantinho que abriga o talento de Vera Lúcia Mendes, ou Tia Vera, como é conhecida na comunidade. Na laje com vista para o Cristo Redentor, Vera está às voltas com três grandes panelas em uma cozinha improvisada. Recebe a equipe do GLOBO de braços abertos e avisa:
— Hoje é dia de carne assada com batatas coradas. Também temos fritada de bacalhau, o cliente pode escolher.
O movimento cresceu depois que o Fino Paladar foi incluído no Guia Gastronômico das Favelas do Rio, do pesquisador e diretor cinematográfico Sérgio Bloch. No livro, ele selecionou 22 estabelecimentos, entre restaurantes, bares, biroscas e terraços caseiros em oito comunidades do Rio.
Por alguns minutos, Vera passa o bastão para Claudinha, sua ajudante fiel. O espaço é improvisado, mas o sabor não fica atrás do de um restaurante cinco estrelas. O grande dia é sexta-feira, quando há feijoada e bobó de camarão com aipim.
— Até 2006 eu nunca havia entrado em uma comunidade. Morava em Copacabana e vendia quentinhas. Chegando aqui, me surpreendi muito. Você não tem vizinhos, tem irmãos. Cheguei aqui sem nada e percebi que eles fazem, do nada, tudo — conta, emocionada.
É o que Bloch pretendia com seu guia gastronômico: encontrar pessoas e lugares diferentes, que encantassem os moradores e servissem de pretexto para qualquer carioca subir favelas e experimentar um pouco da culinária de cada lugar.
— Eu estava gravando um documentário sobre as Unidades de Polícia Pacificadoras e tive de descobrir lugares para almoçar todos os dias, em diversas comunidades, com minha equipe. Difícil foi selecionar os estabelecimentos — diz Bloch.
Com textos de Ines Garçoni e fotos de Marcos Pinto, o guia mostra um pouco de tudo, passando pelo cachorro-quente do Henricão, no Vidigal, até a Pizza da Silvania, no Complexo do Alemão.
Já Ana Márcia Bomfim, de 46 anos, toca a Barraca das Baianas. Ela conseguiu realizar o sonho de ter uma cozinha industrial para servir almoço diariamente:
— As pessoas pensam que eu faço acarajé, mas não é isso. A comida é normal, arroz, feijão, frango com legumes e até vaca atolada, que é carne com aipim. O tempero, sim, é baiano, e isso faz toda a diferença — garante Ana, que vende um prato bem servido por R$ 10 e uma porção menor, a R$ 7. — Esta é para as mulheres, que comem menos.
O guia, que custa R$ 70, será lançado no dia 6 de abril, às 16h, na Livraria Cultura do Centro. No evento, os chefs de cada estabelecimento vão preparar um prato especial.