Cultura

Lenine lança 'Chão', unindo ruídos como os batimentos cardíacos do filho e coro de cigarras

Lenine lança seu décimo disco
Lenine lança seu décimo disco

RIO - Lenine está com seu novo CD nas mãos pela primeira vez. Afundado no sofá da sua casa na Urca, ele olha o encarte de "Chão" e sorri. Tateia, abre, pega o disquinho com as pontas dos dedos... O álbum havia chegado da gravadora (Universal) no momento em que o cantor recebia a equipe do GLOBO para uma entrevista, na sexta-feira passada. Sua mulher, Anna Barroso, elogia a impressão da foto de capa, que mostra o primeiro neto do artista, na época um bebê recém-nascido, deitado de bruços na barriga do avô.

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- O neném gosta de ficar assim por dois motivos. Tem a coisa de ouvir os sons do corpo, que lembram o útero da mãe. Mas também alivia cólica - diz Lenine, ele mesmo pai de três marmanjos (o neto da capa é Tom, filho do também músico João Cavalcanti) e, agora, de dez álbuns. - É meu disco mais íntimo. Tudo aqui é muito pessoal.

A própria foto da capa foi feita por Anna na casa deles, num dia de família reunida há coisa de dois anos, quando nem se pensava em "Chão". Mais tarde, já durante a gravação, o canário belga da sogra de Lenine cismou de cantar no meio das faixas. A turma reclamou no início, mas os solos do passarinho acenderam uma luz na cabeça de Bruno Giorgi. Produtor do álbum (junto a Lenine e JR Tostoi) e filho do cantor, ele teve a ideia de criar no CD um diálogo com a música concreta. Por isso, nove das dez faixas carregam o som de algo presente no universo pessoal de Lenine. Para o artista de 53 anos, chão é isso: "Tudo o que me sustenta".

Os batimentos cardíacos de Bruno, por exemplo, costuram a faixa "Se não for amor, eu cegue", as cigarras da Urca fazem coro em "Malvadeza" e o canário, que, a propósito, se cha$Frederico VI, brilha na música de trabalho, "Amor é pra quem ama". Tudo amarrado a belas melodias e refrãos às vezes autobiográficos, como "Envergo mas não quebro".

- Ao mesmo tempo em que ouço no CD ecos de Pierre Henry e Pierre Schaeffer (franceses pioneiros da música concreta), ouço influências de Pink Floyd e do compositor Siri, que lançou um disco de sons uterinos - diz o pernambucano, que há 30 anos mora no Rio, onde gravou seu primeiro disco, "Baque Solto", em 1983, com Lula Queiroga.

Essa "ruidagem" - para usar uma palavra do artista -aparece no trabalho dele há tempos. A música "No pano da jangada", do CD "Falange canibal" (2002), por exemplo, traz o cantor imitando sons mecânicos com a boca. Mas o elemento concreto nunca esteve tão presente quanto nos 28 minutos de "Chão". Logo na abertura, a faixa-título começa com o som de passos no piso de brita do orquidário de Lenine, em Araras. Não é a primeira vez que o cantor dá espaço à sua paixão por orquídeas. Os vocais do disco anterior, "Labiata" (2008), foram gravados no orquidário. Na época, a brita foi forrada com tapetes, para não interferir na captação. Agora, a ordem era deixar o chão falar.

- O grande diferencial do álbum é que os ruídos não foram editados. O piso de brita foi percorrido (pela artista visual Sofia Cesar) da maneira como está lá. Por isso, digo que é um disco eletrônico, orgânico e concreto - explica o compositor.

Lenine, Bruno e Tostoi tocam em todas as faixas e, na turnê que deve começar ainda neste ano, só os três estarão no palco. Nos ambientes fechados, o cantor quer espalhar caixas emitindo sons descolados.

- O coração do Bruno, por exemplo, sairia de uma caixa diferente, para criar uma espacialidade e fazer uma brincadeira sensorial com o público - diz Lenine.

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