05/03/2013 19h08 - Atualizado em 05/03/2013 19h51

Governo Chávez melhorou PIB, mas aumentou dependência do petróleo

Dados mostram PIB e desemprego melhores na Venezuela de Chávez.
Dependência do petróleo, no entanto, desestimulou investimentos.

Anay CuryDo G1, em São Paulo

Em seus 14 anos de governo, o presidente venezuelano Hugo Chávez, que morreu nesta terça-feira (5), conseguiu diminuir as desigualdades da população por meio da distribuição de renda e estimulou um crescimento vertiginoso do Produto Interno Bruto (PIB), e viu assim melhorarem sensivelmente os indicadores econômicos do país: o desemprego caiu de 14,5% para 8%, enquanto o PIB per capita (por pessoa) cresceu de US$ 8,2 mil para US$ 13,2 mil.

Chávez lutava contra um câncer desde junho de 2011 e, após realizar um tratamento em Cuba contra a doença, havia voltado ao país natal em fevereiro deste ano. Ele morreu aos 58 anos, na capital Caracas, segundo o vice-presidente Nicolás Maduro, herdeiro político de Chávez, que fez o anúncio em um pronunciamento ao vivo na TV.

A melhora econômica conseguida na gestão Chávez, no entanto, veio a um preço: o governo permitiu que o país ficasse cada vez mais dependente do petróleo, mais controlado pelo estado e registrasse uma dívida pública que representa mais da metade da soma de todas as riquezas produzidas no país.

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, fala debaixo de chuva em comício em Caracas. (Foto: Jorge Silva/Reuters)O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, fala debaixo de chuva em comício em Caracas. (Foto: Jorge Silva/Reuters)

"Os indicadores de pobreza melhoraram. No entanto, é alarmante que 96% das exportações da Venezuela venham do petróleo e que a alimentação dependa em mais de 60% das importações quando se considera bens finais e matérias-primas. Isso se agravou no governo Chávez", disse o economista Pedro Guerra, professor da Escola de Economia da Universidade Central da Venezuela e ex-diretor do Banco Central da Venezuela (BCV).

A Venezuela enfrentou período de grande instabilidade desde que o presidente reeleito Hugo Chávez começou a luta contra um câncer na região abdominal, em 2011. O sucessor de Chávez terá como desafio corrigir esses desequilíbrios econômicos, vividos desde ele assumiu a presidência, em 1999.

Economia da Venezuela antes e depois de Chávez (Foto: Edioria de arte/G1)Economia da Venezuela antes e depois de Chávez
(Foto: Edioria de arte/G1)

Desequilíbrios
Os desequilíbrios na economia venezuelana são visíveis nos dados da balança comercial: de US$ 22,3 bilhões em exportações feitas pelo país em 1999, o volume passou para US$ 67,5 bilhões em 2010, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), um aumento de 66%. Quanto às importações, o avanço foi de 61% no mesmo período (de US$ 18,7 bilhões para US$ 49,2 bilhões).

Uma das raízes do problema – e que em princípio deveria ser uma solução – está no petróleo: em 2011, a Opep certificou em 2011 que a Venezuela tinha as maiores reservas mundiais de petróleo, com 296,5 bilhões de barris, acima das da Arábia Saudita, o país com maior capacidade de refino. Em março de 2012, as autoridades venezuelanas informaram que esta cifra aumentou para 297,57 bilhões de barris.

Aliado à abundância natural do petróleo em solo venezuelano está o elevado patamar de cotação do barril, que torna a exploração ainda mais lucrativa. "O preço (patamar mínimo) histórico do petróleo é de US$ 11. Em 1999, quando o Chávez assumiu o poder, a cotação chegou a US$ 9. Passados perto de 14 anos, o preço está quase dez vezes acima do valor de quando assumiu o governo”," afirmou Freitas.

Isso permitiu que Hugo Chávez devolvesse em 2012 um PIB com crescimento de quase 6%  – variação muito maior da que encontrou quando passou a presidente da Venezuela, em 1999, ano em que o PIB registrara queda de 6%.

Por outro lado, fez com que, com o aumento da entrada de dólares no país, vindos das vendas ao exterior, principalmente para China e Estados Unidos, ficasse mais barato, no curto prazo, importar produtos industriais e agrícolas do que investir em um polo produtivo nacional, segundo o sociólogo Flávio Mendes, autor do livro “Hugo Chávez em seu labirinto”, da Universidade de Campinas (Unicamp). Segundo o especialistas, Chávez e seus ministros tinham consciência desse problema, "mas superá-lo não é fácil. Os avanços nesse campo ainda são tímidos."

O próprio parque industrial da Petróleos da Venezuela (PDVSA), mesmo sendo a grande riqueza da Venezuela e controlada pelo governo, é mal utilizado, porque faltam investimentos do governo, refletindo no volume de produção de petróleo, que vem registrando recuos nos últimos meses, de acordo com Marcus Vinícius de Freitas, coordenador de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap).

Apesar do aumento das exportações e da cotação elevada dos barris de petróleo e, consequentemente, do aparente avanço da economia, o país sofre com a falta de incentivos e convive com a impressão ilusória de que o país "vai bem", segundo Denilde Holzhacker, coordenadora de Relações Internacionais das Faculdades Rio Branco, especialista em América Latina.

Programas sociais e inflação
Ainda que não tenha investido em incentivos econômicos para o próprio país, Chávez não economizou nos programas sociais, que vêm contribuindo para a redução da pobreza, do analfabetismo e das falhas nas áreas de saúde e de habitação, por exemplo, nos últimos anos.

"A elevação da renda petroleira permitiu a criação de uma rede de programas sociais abrangentes e a recuperação do crescimento econômico", avalia Mendes, da Unicamp. Exemplo disso é o aumento do PIB per capita, que de US$ 8.223,3 em 1999, chegou a US$ 13.241,8, no ano passado.

Diante do aumento do poder de compra da população venezuelana, que soma 30,4 milhões de habitantes, segundo dados do FMI, e da falta de investimentos domésticos, que gera desabastecimento, o país convive com uma taxa de inflação que ronda 30% ao ano desde 2008. No Brasil, por exemplo, a inflação chega perto de 6% ao ano.

Para Denilde, essa variação de preços acaba diminuindo todos os impactos positivos da política de Chávez, que permitiram à população o acesso à moradia, à saúde e a trabalho, ainda que a maioria dos trabalhadores venezuelanos ocupe postos na própria estatal petroleira.

Investimentos
Ainda que a Venezuela apresente crescimento maior que seus vizinhos, como o Brasil, cujo PIB avançou menos de 3% em 2011, e indicadores sociais positivos, o grau de dependência da economia ao petróleo, a inflação crônica e o avanço desenfreado dos gastos públicos tornam o país vulnerável aos olhos dos investidores.

“A Venezuela é percebida, lamentavelmente, como um país onde não se respeitam os contratos nem as leis, e isso afugenta os investimentos. Além disso, com as expropriações, essa percepção se agravou”, disse o ex-diretor do Banco Central da Venezuela.

Apesar das críticas, Flávio Mendes, da Unicamp, pondera que os problemas ainda são enormes, mas que "houve uma nítida mudança de rumos a partir de 1999". "Na área social, as heranças são bem maiores. Há também uma herança política importante: a população venezuelana tem, hoje, consciência da importância da política social promovida pelo Estado. Há uma cultura de direitos, uma cobrança constante, algo que ficará para além do governo”.

Nesta foto de 10 de janeiro, militantes do presidente da Venezuela Hugo Chávez carregam bandeiras com o desenho do presidente com vestimentas militares e com a imagem de Simon Bolivar durante a posse simbólica de Chávez, em Caracas (Foto: AP Photo/Fernando Llano, File)Nesta foto de 10 de janeiro, militantes do presidente da Venezuela Hugo Chávez carregam bandeiras com o desenho do presidente com vestimentas militares e com a imagem de Simon Bolivar durante a posse simbólica de Chávez, em Caracas (Foto: AP Photo/Fernando Llano, File)

E o futuro?
Sobre o futuro da Venezuela e de seu chavismo, as perspectivas dos especialistas ouvidos pelo G1 são parecidas – o cenário é incerto e a continuidade dessa política vigente depende de quem suceder Chávez.

“Se for do grupo de Chávez, deve haver continuidade da política chavista. Se for alguém da oposição, há perspectiva de mudança para um plano mais aberto”, afirmou Denilde, das Faculdades Rio Branco.

No entanto, o processo de “deschavinização” levará muito tempo para ser concluído, na opinião do especialista da Faap.

A avaliação de Mendes é diferente: “o chavismo deve permanecer no poder. Nicolás Maduro, seu sucessor predileto, tem um perfil conciliador e ocupa lugar mais ao centro entre as forças políticas que compõem o PSUV [Partido Socialista Unido da Venezuela]. Terá a missão, bem executada até hoje por Chávez, de manter unidos grupos muito diferentes, que vão da extrema-esquerda ao nacionalismo militar. O apoio que Maduro tem recebido revela que a aposta da maioria dessas forças ainda é na continuidade do modelo proposto por Chávez”, analisou o sociólogo.

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