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Americano dá voz no Twitter a revolucionários da Líbia e do Egito

RIO - Nos bastidores da crise na Líbia, o estudante americano John Scott-Railton, de 27 anos, é uma personalidade. Doutorando da faculdade de Public Affairs na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, ele atende ligações de jornalistas o dia inteiro. Desde 27 de janeiro, teve apenas duas tardes de descanso, tantos são os seus compromissos. O seu trabalho? Dar voz aos revolucionários do Oriente Médio. É ele o homem que, por trás do projeto Voices, dono dos perfis @Feb17voices , com 5.822 seguidores, e @Jan25voices , com 8.883 - relativos às revoluções da Líbia e do Egito, respectivamente - mais tem contatos na Líbia.

Quando o ex-presidente egípcio Hosni Mubarak cortou a internet da população como forma de conter a revolução que ameaçava lhe tirar o poder , Railton, que já se acostumara a acompanhar de perto os acontecimentos pelo Twitter, não gostou do silêncio. De repente, aquilo que estava ao alcance do teclado passou a estar a milhares de quilômetros de distância. Amigo de muitos egípcios, por ter morado no país por alguns meses, ele decidiu que podia fazer alguma coisa. Pegou o telefone, ligou para seus amigos e tuitou as informações que recebeu. Foi então que nasceu o projeto Voices.

- Eu senti que silenciar as vozes das pessoas é desumano e um tipo de violação de seus direitos humanos. Minha decisão foi tentar devolver ao Twitter a função de oferecer informação ao mundo sobre os acontecimentos no Egito - conta o estudante ao GLOBO.

Com uma conta de telefone que muitas vezes chega a quatro dígitos, John banca tudo de seu bolso e faz malabarismo entre quatro operadoras para tentar economizar o máximo possível. O projeto, junto com seu doutorado, toma "200% do dia". Atualmente a infraestrutura com que conta são: um laptop emprestado do irmão - o seu quebrou - e a internet do vizinho. Muito simpático, ele conta que não tem tempo para a vida social e que também já morou no Brasil, quando era criança. O único português que lhe restou, entretanto, foi "sorvete de morango" Falar com estrangeiros é perigoso na Líbia

Começar o projeto na Líbia veio naturalmente. Assim que Mubarak caiu , Railton percebeu que os conflitos na Líbia o chamavam para um novo desafio. Sem abandonar seu projeto no Egito, ele começou a procurar líbios que viviam nos Estados Unidos e podiam lhe ajudar em um novo front na Líbia, tanto para dar os contatos, quanto para fazer as dezenas de ligações realizadas pelo Feb17voices por dia. Railton fala apenas um árabe rudimentar. Hoje o Feb17voices é publicado por uma "equipe" de duas pessoas: ele e a líbia-americana Sarah Abdurrahman. Contudo, os dois têm o apoio de vários líbios, tanto na Líbia quanto nos Estados Unidos.

- Trabalhar no contexto líbio é difícil porque partes do país são agora uma zona de conflito e a paranóia que as pessoas têm, especialmente no oeste, perto de Trípoli, é maior.

Por mais que as pessoas com quem trabalha nos EUA tenham parentes e amigos na Líbia, o ativista diz que normalmente não recorre a eles, porque isso "os colocaria em perigo especial, já que eles poderiam ser rastreados pelo governo". Mas Railton garante que já falou com pessoas confiáveis em todas as cidades mais importantes do país norte-africano. No áudio abaixo, homem relata a Railton morte do filho em Ajdabiya (em inglês)

(Leia o depoimento)

Com voz embargada, Railton conta que dois de seus informantes já foram mortos. Em ambos os casos, ele acredita, as mortes não tiveram relação com o projeto. Um dos rapazes teria sido alvejado em zona de conflito e não há certeza se está morto, ou se apenas foi levado pelas forças do ditador Muamar Kadafi após ser ferido. No segundo caso, só se sabe sobre sua morte.

Como consolo, Railton informa que ambas as fatalidades foram amplamente noticiadas pela mídia, já que os dois rapazes eram fontes de grandes meios de comunicação, como a CNN, que recorrem ao Voices por contatos todos os dias. 'Não falei com nenhum líbio que não esteja agradecido pela intervenção'

Com a prerrogativa de, muito provavelmente, ser o americano que mais conversa com líbios hoje, Railton conta que, desde que as forças de coalizão começaram o ataque aéreo, no dia 19 de março, os líbios ficaram mais felizes. Ele afirma que não conversou com nenhum líbio que não esteja extremamente agradecido e feliz com a intervenção estrangeira.

- Eu não falei com nenhum líbio que não esteja agradecido pela intervenção. Essa é uma surpresa, especialmente para o Oriente Médio, para a África, que uma população encoraje tanto uma intervenção estrangeira e mostra o quanto o Kadafi aterrorizou seu povo.

Segundo ele, o único lugar em que isso não ocorre é a capital, Trípoli, já que lá, diz, as pessoas sabem que seus telefones podem estar grampeados e o governo vigiando.

- A cobertura em Trípoli pode parecer um pouco confusa porque tudo o que se vê é que as coisas estão em grande parte calmas e de repente tem uma manifestação de adeptos de Kadafi, que é orquestrada. Eu acho que, na verdade, nos corações e mentes das pessoas em Trípoli, as pessoas estão simplesmente com muito, muito medo e reconhecem que qualquer ação representa risco imediato para si e para suas famílias. Então, elas estão esperando.

Em meio a tanto trabalho, Railton não sabe exatamente como o projeto impactou sua vida e nem se vai continuá-lo com outros países, como Iêmen, Síria e Bahrein. Só sabe que um dia quer voltar ao Egito e ir à Líbia conhecer as pessoas com quem fala todos os dias.

- É uma conexão muito emocionante. Com certeza mudou minha vida. Eu diria que me fez valorizar muito mais as preocupações que indivíduos têm por outras pessoas em lugares distantes e o poder que as mídias sociais têm em ajudar a criar uma ponte entre duas populações que querem muito saber o que os outros pensam e sentem.