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Friburgo tem 60% dos imóveis ilegais; um deles, vizinho a encosta que deslizou, tem 10 andares

Friburgo. Local: Bairro Tingly. Construções irregulares (Foto: Marcelo Piu Agência O Globo)
Friburgo. Local: Bairro Tingly. Construções irregulares (Foto: Marcelo Piu Agência O Globo)

RIO - Com boa parte de seus prédios e casas encravados nas encostas, a cidade de Nova Friburgo tem cerca 50 mil de seus 83 mil imóveis em situação irregular (60% do total). A estimativa é de técnicos da Secretaria de Meio Ambiente do município, que conta com apenas quatro fiscais - um deles de licença médica porque quebrou o braço - para detectar as irregularidades. Sem respeitar a legislação, os proprietários construíram "puxadinhos" ou tocaram obras sem licença nas áreas formais e informais da cidade, o que pode ter contribuído para aumentar a extensão da tragédia da semana passada, que deixou 785 mortos na Região Serrana, sendo 381 só em Friburgo, 316 em Teresópolis, 66 em Petrópolis e 22 em Sumidouro.

( Vídeo: deslizamentos em áreas de risco causam mortes no bairro de Tingly )

O bairro do Tingly, perto do Centro, é um retrato do que acontece na cidade. Nas partes mais baixas, foram construídas casas de bom padrão, que não foram atingidas por deslizamentos. No trecho mais alto do Tingly, que tem alguns de seus acessos bloqueados por escombros, existem as versões serranas do "Empire State" e do "Minhocão" da Rocinha - o prédio de 11 andares sem elevador e o de dois andares com 22 quitinetes, como mostrou O GLOBO em 2005 e 2009, respectivamente. O "Espigão" de Friburgo é um amontoado de casas (duas das quais são imóveis duplex) que sobem encosta acima. Em duas casas, na parte mais baixa da encosta, moravam seis pessoas que morreram soterradas na semana passada.

Na parte mais alta, a menos de 50 metros do "Espigão", fica o "Minhocão", um prédio de dois pavimentos construído irregularmente, onde 25 famílias vivem de aluguel, segundo vizinhos. A Defesa Civil está avaliando se há risco de o imóvel desabar sobre outras casas. O prédio foi construído por um morador conhecido como "Zé do Morro", que desde a semana passada não aparece no bairro.

- A legislação de Friburgo libera apenas 10% da área total dos terrenos para edificações. Nos 90% restantes devem ser preservadas a vegetação e construídos muros de contenção. Só que nem sempre esta regra é cumprida. Nós advertimos e multamos, mas os proprietários quase sempre responsabilizam terceiros - disse o fiscal da Secretaria municipal de Meio Ambiente Peter Filot da Silva.

( Veja as imagens da destruição no caminho do reassentamento )

No caso do "Minhocão", Peter contou que Zé do Morro deu entrada na prefeitura num pedido para licenciar um prédio na área, mas jamais apresentou planta. Num esforço para tentar ordenar o espaço urbano, uma lei de mais valia foi aprovada no fim do ano passado. Peter explicou que a ideia da prefeitura é tentar regularizar o que for possível e exigir que seja demolido o que não for.

- A lei autorizou que as multas passassem a ser cobradas junto com o IPTU - disse Peter.

( Há três anos, MP entrou com uma ação para demolir as construções em áreas de risco no Caleme, em Teresópolis )

Há 17 anos na fiscalização, Peter conta que as ocupações irregulares se intensificaram nas últimas décadas. Em 2007 a prefeitura chegou a ter 26 fiscais, mas 22 eram terceirizados e não tiveram os contratos renovados por ser vetada a terceirização de mão de obra no serviço público. O secretário de Meio Ambiente, Eduardo de Vries, não foi encontrado.

Na parte alta do Tingly, os riscos de desabamentos assustam moradores como a diarista Elizabeth Inácio, de 57 anos. Ela mora no último andar do "Espigão" e disse desconhecer qualquer irregularidade na construção:

- Eu pago IPTU. Meu pai veio morar aqui no fim da década de 60. Não entendo como seja irregular.

Jorge Araújo Anecetto, de 57 anos, primo de Elizabeth que também mora no "Espigão", disse não compreender por que a varanda de sua casa caiu na semana passada:

- Eu acho que o prédio foi aprovado na prefeitura. Mas meu irmão perdeu a memória e não sabe onde guardou os documentos.

Logo abaixo do "Minhocão" vive a família da aposentada Maria José Rodrigues, de 62 anos, em três casas. Segundo ela, dois filhos, noras e netos deixaram suas casas. Ela e o marido ficam durante o dia em casa, mas passam a noite em abrigos públicos:

- Eu tenho medo, mas deixaram construir. O que a gente quer é uma solução para não vivermos sempre tensos quando chove.

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