01/04/2011 19h14 - Atualizado em 06/04/2011 14h48

Tudo está sendo 'coisificado', diz psicóloga sobre abandono de bebê

Pais não quiseram levar uma das trigêmeas para casa, mas perderam todos.
O MP pediu à Justiça que os bebês fossem para o Conselho Tutelar.

Vinícius SgarbeDo G1 PR

Especialistas em comportamento ouvidos pelo G1 classificaram o abandono de um das trigêmeas por um casal que esperava dois filhos como “tratar seres humanos como coisas” e “questão maquiavélica”.

Nascida no último dia 24 de janeiro, depois de um tratamento de fertilização, uma das três gêmeas teria sido rejeitada pelo pai – o homem queria deixar a bebê na maternidade, mas foi impedido. As informações são de funcionários do hospital. O médico responsável pelo tratamento, o geneticista Karan Abou Saab, disse nunca ter visto algo assim em 36 anos de profissão.

A maternidade não quis se pronunciar sobre o assunto, mas foi a responsável em informar o Ministério Público. As três crianças, por determinação da Justiça, foram levadas pelo Conselho Tutelar. A ação está protegida pelo segredo de justiça.

A psicóloga Clodete Azzolin considera que essa rejeição “é fruto de uma sociedade movida pelo excesso de racionalidade, onde tudo está sendo coisificado, inclusive o ser humano”. Ela diz ainda que “agindo assim, o ser humano se afasta cada vez mais de sua natureza, comprometendo inclusive a manutenção dos instintos naturais”.

Ao explicar o que é “coisificar”, Clodete faz alusão à compra de vasos de flor para a sacada: “Se o entregador chega com três, tenho de mandar um de volta para a loja. Não tem espaço para três, só para dois”.

Nos 30 anos de profissão, o psicólogo Guilherme Falcão repete a história de Saab: “Nunca vi nada assim, nem parecido. Vi, na verdade, bem o contrário. O casal fez tratamento para engravidar, mas o bebê morreu ao nascer. Então eles adotaram duas crianças”.

Para ele, “a questão é muito mais de caráter do que de doença. (...) Mas de qualquer forma o Ministério Público tinha ainda que obrigar esses pais a um tratamento psicológico e psiquiátrico. (...) Alguém tinha que tentar descobrir que coisa é essa de ter obsessão em ter filhos, ao ponto de fazer um tratamento tão caro, e depois abandonar”.

Falcão ressalta que “ninguém sabe os detalhes da história, mas foi uma maneira de descartar um ser humano que não pediu para nascer. Se alguém pode sustentar dois [filhos], pode sustentar três”.

A advogada dos pais das trigêmeas informou, por telefone, que o casal teria se arrependido e tentaria reaver a guarda das crianças na Justiça.