inaugurado. (Foto: Divulgação / Pripyat.com)
Pripyat fica no norte da Ucrânia, a duas horas de carro da capital Kiev e bem próxima da fronteira com a Bielorrússia. Tem um hotel de seis andares, um grande centro comercial, um centro cultural com salas de teatro e cinema, um parque de diversões e uma piscina olímpica coberta com área para saltos ornamentais. O que Pripyat não tem são moradores. Há 25 anos, todos os 50 mil foram evacuados às pressas. Não faziam ideia do perigo que corriam com o acidente ocorrido um dia antes no reator 4 da central nuclear de Chernobyl que, de tão próxima, podia ser vista do topo dos edifícios onde viviam. Achavam que estariam de volta dentro de alguns dias e que assistiriam à inauguração do estádio de futebol da cidade. Viraram os primeiros refugiados de um acidente nuclear da história.
Quase uma década depois do acidente alguns moradores foram autorizados a voltar a Pripyat caso quisessem recuperar seus pertences. A maioria nunca pisou lá novamente. A cidade fantasma virou cenário de jogos de videogame, objeto de estudos científicos e ponto turístico. Entra-se lá apenas acompanhado de guias autorizados, que seguem de perto os passos dos visitantes para evitar a retirada de objetos contaminados pela radioatividade e atos de vandalismo, como os que danificaram bastante o interior dos prédios.
GALERIA DE FOTOS: imagens da cidade fantasma de Pripyat
Hoje quem circula pela principal praça da cidade, antigo cartão postal de Pripyat com o centro cultural e o Hotel Polissya, são pequenas cobras que se escondem na vegetação contaminada. É difícil vê-las entre as raízes das árvores, até que a presença dos seres humanos faz com que se agitem e dispersem em busca de abrigo. Esse é o caminho até o ginásio central de Pripyat, localizado atrás do centro cultural. Na quadra, as balizas ainda estão no lugar para uma partida de handebol que ou foi interrompida ou nunca chegou a ser disputada.
O esporte mais popular ali, porém, era outro. As paredes de um dos lados da quadra, entre as portas dos vestiários, têm molduras cobertas com dezenas de fotos e recortes de jornais e revistas sobre jogos de vôlei. São imagens empalidecidas, faltando pedaços, em sua maioria registros de partidas da seleção da União Soviética. Numa é possível identificar que se trata dos então ainda recentes Jogos Olímpicos de Moscou, em 1980, em que os soviéticos conquistaram a medalha de ouro nos torneios masculino e feminino.
Do lado oposto da quadra, pelas janelas sem vidraça do ginásio central, surge a roda gigante que não se move desde 1986 e que virou marca da cidade abandonada. Logo atas dela vê-se os postes dos refletores do estádio de Pripyat, que estava em fase final de construção. Parque de diversões e estádio seriam inaugurados oficialmente no feriado de 1º de maio, Dia do Trabalhador e uma das mais importantes celebrações do período comunista. Cinco dias antes o reator 4 de Chernobyl explodiu espalhando resíduos radoativos pelo ar.
O estádio onde a bola nunca rolou seria a maior praça de esportes da região, com arquibancada central coberta e uma pista de atletismo ao redor do gramado. Até então havia apenas um pequeno campo nos arredores da cidade, com arquibancadas de madeira. Após o acidente, o novo estádio de Pripyat virou base para helicópteros de transporte dos soldados que arriscavam a vida despejando areia e chumbo para tentar conter o incêndio no reator. Eram medidas desesperadas contra um acidente sem precedentes, causado por uma falha no que deveria ter sido um teste de segurança. O estádio também foi usado como pista de pouso para retirada de doentes e feridos. Por isso, ainda é um dos locais com níveis de radiação mais altos da cidade.
Pripyat começou a ser construída em 1970, batizada com o nome do rio que corta a região e que motivou a escolha do local para a instalação do complexo de Chernobyl, a apenas 3 km de distância dali. Era uma das "atomograd", as "cidades nucleares" projetadas para os funcionários das usinas e seus familiares, exemplos de modernidade e do sucesso do programa energético da antiga União Soviética. Pripyat foi elevada à categoria de município em 1979. A maior parte de seus moradores viveu menos de uma década lá.
Há sete anos, alguns deles resolveram criar uma comunidade virtual, o site Pripyat.com, que acabou virando um ponto de encontro dos que foram obrigados a abandonar suas casas em toda a área de exclusão de 30 km criada após o acidente nuclear. Os responsáveis pelo site tentam manter viva a história de Pripyat e lutam para que a cidade seja preservada como um museu ao ar livre, protegida contra invasores e com limites para atividades turísticas. Um dos idealizadores do movimento, o fotógrafo e ex-morador de Pripyat Alexander Sirota escreveu certa vez sobre o lugar de onde veio:
(Foto: Divulgação / Rafael Maranhão)
- No sábado do acidente, eu e meus amigos brincávamos na beira do Rio Pripyat, como de hábito. Eu ainda não tinha completado dez anos de idade. Para nós, crianças, a operação de evacuação no dia seguinte parecia uma brincadeira, a única diferença é que havia helicópteros militares e gente vestida de farda com máscaras de gás. Nós não sabíamos e não podíamos entender que estávamos deixando nossa cidade para sempre. Por muitos anos, eu pude apenas sonhar sobre a minha cidade. Até o dia em que voltei lá pela primeira vez, em 1994, e entendi que viver novamente em Pripyat seria impossível.
O número de vítimas do acidente de Chernobyl é até hoje motivo de discussão. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) diz que quatro mil pessoas "eventualmente" morreram por causa da exposição à radiação e "menos de 50" em relação direta com o desastre, como os chamados liquidadores. Este foi o nome dado ao meio milhão de homens de diferentes repúblicas soviéticas enviados a Chernobyl para controlar o incêndio e construir o sarcófago que até hoje contem a radiação liberada pela explosão do reator. A organização ecológica Greenpeace contesta os números da AIEA e afirma que mais de 90 mil pessoas podem ter morrido de câncer em consequência da contaminação por radioatividade.
Montado às pressas em 1986, o sarcófago do reator 4 teve sua vida útil estimada entre 20 e 30 anos, tempo que acreditava-se suficiente para a construção de uma nova unidade de confinamento. Os trabalhos no novo sarcófago, porém, ainda estão muito atrasados. O plano é que ele tenha capacidade de conter a radiação no interior do reator 4 por pelo menos mais cem anos. As outras três usinas da central de Chernobyl continuaram em funcionamento mesmo após o acidente. A última unidade a ser desligada, no ano 2000, foi a número 3, a mais próxima do reator que explodiu.