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Cidade fantasma ao lado de Chernobyl tem estádio onde a bola nunca rolou

Construída para os funcionários da usina e tida como modelo, Pripyat foi evacuada às pressas no dia seguinte ao acidente nuclear ocorrido há 25 anos

Por Direto de Pripyat, Ucrânia

Arquibancada do estádio de Pripyat, que nunca foi inaugurado. (Foto: Divulgação / Rafael Maranhão)Arquibancada do estádio de Pripyat, que nunca foi
inaugurado. (Foto: Divulgação / Pripyat.com)

Pripyat fica no norte da Ucrânia, a duas horas de carro da capital Kiev e bem próxima da fronteira com a Bielorrússia. Tem um hotel de seis andares, um grande centro comercial, um centro cultural com salas de teatro e cinema, um parque de diversões e uma piscina olímpica coberta com área para saltos ornamentais. O que Pripyat não tem são moradores. Há 25 anos, todos os 50 mil foram evacuados às pressas. Não faziam ideia do perigo que corriam com o acidente ocorrido um dia antes no reator 4 da central nuclear de Chernobyl que, de tão próxima, podia ser vista do topo dos edifícios onde viviam. Achavam que estariam de volta dentro de alguns dias e que assistiriam à inauguração do estádio de futebol da cidade. Viraram os primeiros refugiados de um acidente nuclear da história.

Quase uma década depois do acidente alguns moradores foram autorizados a voltar a Pripyat caso quisessem recuperar seus pertences. A maioria nunca pisou lá novamente. A cidade fantasma virou cenário de jogos de videogame, objeto de estudos científicos e ponto turístico. Entra-se lá apenas acompanhado de guias autorizados, que seguem de perto os passos dos visitantes para evitar a retirada de objetos contaminados pela radioatividade e atos de vandalismo, como os que danificaram bastante o interior dos prédios.

GALERIA DE FOTOS: imagens da cidade fantasma de Pripyat

Hoje quem circula pela principal praça da cidade, antigo cartão postal de Pripyat com o centro cultural e o Hotel Polissya, são pequenas cobras que se escondem na vegetação contaminada. É difícil vê-las entre as raízes das árvores, até que a presença dos seres humanos faz com que se agitem e dispersem em busca de abrigo. Esse é o caminho até o ginásio central de Pripyat, localizado atrás do centro cultural. Na quadra, as balizas ainda estão no lugar para uma partida de handebol que ou foi interrompida ou nunca chegou a ser disputada.

Chernobyl Pripyat (Foto: Divulgação / Rafael Maranhão)Monumento em Pripyat (Foto: Divulgação / Rafael Maranhão)

 

 

O esporte mais popular ali, porém, era outro. As paredes de um dos lados da quadra, entre as portas dos vestiários, têm molduras cobertas com dezenas de fotos e recortes de jornais e revistas sobre jogos de vôlei. São imagens empalidecidas, faltando pedaços, em sua maioria registros de partidas da seleção da União Soviética. Numa é possível identificar que se trata dos então ainda recentes Jogos Olímpicos de Moscou, em 1980, em que os soviéticos conquistaram a medalha de ouro nos torneios masculino e feminino.

Do lado oposto da quadra, pelas janelas sem vidraça do ginásio central, surge a roda gigante que não se move desde 1986 e que virou marca da cidade abandonada. Logo atas dela vê-se os postes dos refletores do estádio de Pripyat, que estava em fase final de construção. Parque de diversões e estádio seriam inaugurados oficialmente no feriado de 1º de maio, Dia do Trabalhador e uma das mais importantes celebrações do período comunista. Cinco dias antes o reator 4 de Chernobyl explodiu espalhando resíduos radoativos pelo ar.

O estádio onde a bola nunca rolou seria a maior praça de esportes da região, com arquibancada central coberta e uma pista de atletismo ao redor do gramado. Até então havia apenas um pequeno campo nos arredores da cidade, com arquibancadas de madeira. Após o acidente, o novo estádio de Pripyat virou base para helicópteros de transporte dos soldados que arriscavam a vida despejando areia e chumbo para tentar conter o incêndio no reator. Eram medidas desesperadas contra um acidente sem precedentes, causado por uma falha no que deveria ter sido um teste de segurança. O estádio também foi usado como pista de pouso para retirada de doentes e feridos. Por isso, ainda é um dos locais com níveis de radiação mais altos da cidade.

Pripyat começou a ser construída em 1970, batizada com o nome do rio que corta a região e que motivou a escolha do local para a instalação do complexo de Chernobyl, a apenas 3 km de distância dali. Era uma das "atomograd", as "cidades nucleares" projetadas para os funcionários das usinas e seus familiares, exemplos de modernidade e do sucesso do programa energético da antiga União Soviética. Pripyat foi elevada à categoria de município em 1979. A maior parte de seus moradores viveu menos de uma década lá.

Há sete anos, alguns deles resolveram criar uma comunidade virtual, o site Pripyat.com, que acabou virando um ponto de encontro dos que foram obrigados a abandonar suas casas em toda a área de exclusão de 30 km criada após o acidente nuclear. Os responsáveis pelo site tentam manter viva a história de Pripyat e lutam para que a cidade seja preservada como um museu ao ar livre, protegida contra invasores e com limites para atividades turísticas. Um dos idealizadores do movimento, o fotógrafo e ex-morador de Pripyat Alexander Sirota escreveu certa vez sobre o lugar de onde veio:

Chernobyl Pripyat (Foto: Divulgação / Rafael Maranhão)Parque de diversão abandonado
(Foto: Divulgação / Rafael Maranhão)

- No sábado do acidente, eu e meus amigos brincávamos na beira do Rio Pripyat, como de hábito. Eu ainda não tinha completado dez anos de idade. Para nós, crianças, a operação de evacuação no dia seguinte parecia uma brincadeira, a única diferença é que havia helicópteros militares e gente vestida de farda com máscaras de gás. Nós não sabíamos e não podíamos entender que estávamos deixando nossa cidade para sempre. Por muitos anos, eu pude apenas sonhar sobre a minha cidade. Até o dia em que voltei lá pela primeira vez, em 1994, e entendi que viver novamente em Pripyat seria impossível.

O número de vítimas do acidente de Chernobyl é até hoje motivo de discussão. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) diz que quatro mil pessoas "eventualmente" morreram por causa da exposição à radiação e "menos de 50" em relação direta com o desastre, como os chamados liquidadores. Este foi o nome dado ao meio milhão de homens de diferentes repúblicas soviéticas enviados a Chernobyl para controlar o incêndio e construir o sarcófago que até hoje contem a radiação liberada pela explosão do reator. A organização ecológica Greenpeace contesta os números da AIEA e afirma que mais de 90 mil pessoas podem ter morrido de câncer em consequência da contaminação por radioatividade.

Montado às pressas em 1986, o sarcófago do reator 4 teve sua vida útil estimada entre 20 e 30 anos, tempo que acreditava-se suficiente para a construção de uma nova unidade de confinamento. Os trabalhos no novo sarcófago, porém, ainda estão muito atrasados. O plano é que ele tenha capacidade de conter a radiação no interior do reator 4 por pelo menos mais cem anos. As outras três usinas da central de Chernobyl continuaram em funcionamento mesmo após o acidente. A última unidade a ser desligada, no ano 2000, foi a número 3, a mais próxima do reator que explodiu.