Defesa psicológica e estratégia política, o esquecimento pode sair pela culatra
RIO - Apagar memórias traumáticas é um impulso de defesa bem humano. Muitos sobreviventes do Holocausto passaram décadas sem contar até mesmo às próprias famílias os tormentos vividos nos campos da morte de Hitler. Melhor deixar quieto e seguir em frente. Isso não significa esquecer — e muito menos perdoar — o mal sofrido no passado. É apenas uma estratégia, consciente ou inconsciente, de tocar a vida olhando para frente, e não para trás.
No caso de países, a estratégia deixa de ser uma atitude de defesa psicológica para transformar-se num bem-pensado ato político. Quando os EUA jogaram o corpo de Bin Laden no mar, alegaram querer evitar que seu túmulo se transformasse num local de culto de extremistas. Quando caiu o Muro de Berlim, em 1989, as onipresentes avenidas Lenin, praças Revolução de Outubro e ruas Karl Marx que pontuavam a paisagem urbana da Europa Oriental deram lugar a nomes que distanciassem os novos governos das décadas de opressão comunista.
Outros países optaram por processos mais suaves de acertar contas com o passado. Na Espanha, a última estátua pública de Francisco Franco foi retirada em Madri em 2005, 30 anos após a morte do generalísimo.
No Brasil, até hoje a ponte que liga o Rio de Janeiro a Niterói tem o nome oficial de Presidente Costa e Silva, o ditador que assinou o AI-5, mergulhando o país em sua pior fase de repressão política. Um sinal de que a anistia serviu também para os nomes de logradouros públicos, deixados como estão independentemente da biografia por trás deles.
Qualquer que seja o caminho seguido, não custa lembrar que o efeito nem sempre é o desejado. Às vezes, o que desaparece ou se apaga torna-se ainda mais vivo justamente por isso. Morto nas areias do Marrocos em 1578 e nunca encontrado, o rei português D. Sebastião deu origem a um culto messiânico que dificilmente teria nascido sem seu desaparecimento. Se o mesmo vai ocorrer com Bin Laden, por exemplo, só o futuro — e não o passado — dirá.
Defesa psicológica e estratégia política, o esquecimento pode sair pela culatra
Fechar comentários