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Brasil Afora: Democrata de Sete Lagoas não consegue jogar em casa

Arena do Jacaré é usada por Cruzeiro e Galo e não tem data para o clube, que, na base, lançou os goleiros Gomes e Bruno. Hoje, está na série C mineira

Por Belo Horizonte

Reprodução do pôster do time vice-campeão mineiro de 1957, fazendo gozação com os outros times (Foto: Valeska Silva / Globoesporte.com)Reprodução do pôster do time vice-campeão
(Fotos: Valeska Silva / Globoesporte.com)

Com o Mineirão e o Independência, que ficam em Belo Horizonte, em obras para a Copa do Mundo de 2014, a Arena do Jacaré, estádio localizado em Sete Lagoas, a cerca de 70 quilômetros da capital mineira, se tornou o principal palco de jogos do estado. Desde o ano passado, por lá têm jogado os times mineiros, os grandes nomes do futebol nacional e, até mesmo, equipes do exterior - como os adversários do Cruzeiro na Libertadores.

Algo que poderia orgulhar os sete-lagoanos... Mas não é o que acontece. Afinal, em nenhuma das partidas disputadas neste ano no estádio um time da cidade entrou em campo.

O Democrata, única equipe profissional de Sete Lagoas, foi vice-campeão mineiro em 1963, quando perdeu para o Atlético-MG, na decisão. Naquela temporada, a equipe alvirrubra enfrentou o Galo duas vezes. No primeiro jogo, perdeu por 1 a 0, mas, no segundo, fez 2 a 1. Porém, mesmo assim, o título ficou em Belo Horizonte.

O Jacaré disputa o torneio que equivale à terceira divisão do Campeonato Mineiro. O torneio somente terá início no segundo semestre. A última vez que jogou na Arena do Jacaré foi em dezembro do ano passado, quando brigava por uma vaga no Módulo II do Estadual. O Jacaré, como é chamada carinhosamente a equipe da cidade, deve voltar a atuar por lá somente em agosto, quando a competição deste ano começar.

E quase que poderia nunca mais defender as cores branca e vermelha do clube no estádio. O Democrata de Sete Lagoas esteve muito próximo do fim. Sem patrocínio, sem verbas, sede social abandonada e com muitos credores, o futuro do clube era sombrio. Até que um grupo de torcedores abnegados, das mais diversas profissões e nenhum ligado profissionalmente ao futebol, se uniu para salvar a história quase centenária.

Renato Paiva e Ângelo Gonçalves, torcedores integrantes da Associação Amigos do Democrata (Foto: Valeska Silva / Globoesporte.com)Renato Paiva e Ângelo Gonçalves, torcedores
integrantes da Associação Amigos do Democrata

Em outubro de 2007, foi criada a Associação Amigos do Democrata, que hoje tem cerca de 60 integrantes que se esforçam para recuperar o patrimônio e a dignidade do clube que revelou o goleiro Gomes, ex-Cruzeiro e hoje no Tottenham, da Inglaterra e o ex-zagueiro João Carlos - filho da terra que ganhou fama vestindo as camisas do Cruzeiro e do Corinthians. O goleiro Bruno (Atlético-MG e Flamengo), atualmente detido por suspeita no desaparecimento de Eliza Samudio, teve passagens pelas categorias de base do Jacaré.

Os apaixonados torcedores se empenharam para apurar denúncias de irregularidades em gestões passadas. Dirigentes renunciaram. Quem entrou na barca – que poderia ser considerada furada – foi por amor ao clube e ao futebol. Caso do contador e advogado Renato Paiva, bisneto de José Duarte Paiva, falecido torcedor que doou o terreno para o construção do estádio do Democrata, que levava seu nome – até ser demolido para a construção de um supermercado.

- O Democrata perdeu a credibilidade na cidade por administrações passadas. Ninguém queria vender e nem prestar serviços para o clube. Foram momentos difíceis. Nosso objetivo era ajudar o Democrata não só nas arquibancadas, mas administrativamente, para que o clube consiga se reerguer – conta Renato, que guarda camisas e fotos antigas do clube que tantas alegrias deu à família Paiva.

Outro democratense de carteirinha, e também integrante da associação é o professor aposentado Ângelo Gonçalves, que faz questão de declarar a paixão única pelo time da cidade.

- Não sou Galo nem Cruzeiro nem América. Muita gente torce para o Democrata e para outro clube. Eu não. Sou só Democrata. Tenho muita esperança de que nosso time volte a ser grande, consiga subir até chegar à divisão principal, ao lado dos grandes, de onde não deveria ter saído. 

Flávio Reis, presidente do Democrata-SL na Arena do Jacaré (Foto: Valeska Silva / Globoesporte.com)O empresário Flávio Reis assumiu Democrata-SL e dívida de R$ 3,5 milhões. Ainda por cima, não consegue ver o time jogar no estádio Arena do Jacaré, em Sete Lagoas

Dívidas

Para muitos, o que o empresário Flávio Reis fez poderia ser considerado loucura. De uma família de torcedores do Bela Vista, principal adversário do Democrata no passado das duas equipes (e que hoje já não disputa torneios profissionais), o atual presidente do Jacaré assumiu o clube com uma dívida hoje calculada em R$ 3,5 milhões e sem imaginar de onde tiraria dinheiro para quitá-la.

A decadência era iminente e o time corria sério risco de nem participar do Campeonato Mineiro do ano passado. Até que uma parceria com o Atlético-MG foi assinada. E acabou se tornando a salvação do Jacaré, que teve jogadores e comissão técnica emprestados pelo clube da capital.

- Gosto de futebol e queria contribuir de alguma maneira. Mas nunca imaginei que chegaria a presidente. Estamos conseguindo reerguer o clube. Não passa um dia sem que meu telefone toque e, do outro lado da linha, alguém cobre dívidas antigas. Assino penhora quase toda semana!

As únicas receitas do clube atualmente são 70% da arrecadação do estacionamento da Arena do Jacaré. O estádio está emprestado sob administração da Ademg, e todo valor arrecadado é dividido com o clube mandante.

Joaquim Nogueira, doou o terreno onde foi construída a Arena do Jacaré, estádio do Democrata (Foto: Valeska Silva / Globoesporte.com)Fazendeiro Joaquim Nogueira, que doou o terreno
para a construção da Arena do Jacaré

Memória viva

O nome oficial da Arena do Jacaré é Joaquim Henrique Nogueira, homenagem ao fazendeiro que doou parte de suas terras para a construção do estádio. Aos 92 anos, ele se lembra dos tempos em que vestia a camisa vermelha e branca, lá na década de 40, quando o time ainda era amador.

Assim como o senhor Joaquim, outros dois ex-jogadores, que guardam vivas na lembrança momentos de glória da camisa alvirrubra, sonham ver o Democrata revivendo momentos importantes na história do futebol mineiro: Antônio Marques, 76 anos, volante da equipe vice-campeã mineira de 1957 (melhor colocação do Democrata em todas as participações no campeonato estadual), e Jadir Duraes Rabelo, lateral na década de 1940, época em que o time ainda era amador.

- Sou muito apaixonado pelo Democrata, mas me afastei durante muito tempo por tristeza de ver o clube na situação que está – contou Jadir, que tinha um enorme acervo histórico do clube, perdido depois que um incêndio destruiu parte da casa onde mora.

Antônio ainda está ligado ao clube. É massagista na escolinha que o Democrata reabriu após ter ficado cerca de 10 anos fechada. Ele se emociona ao lembrar dos tempos em que defendia as cores do Jacaré.

- Já fiquei meses sem receber, mas nunca abandonei o Democrata. Ajudo com o que posso. Não podem destruir o Democrata da maneira que estava ocorrendo. É um clube de muitas glórias e que precisa de ajuda. Dá até vontade de chorar quando me lembro da falta de dinheiro, das dificuldades. Ainda tenho esperanças de ver o Democrata lá em cima de novo.

Jadir Durães, Antônio Marques e João Carlos: três gerações do Democrata-SL (Foto: Valeska Silva / Globoesporte.com)Jadir Durães, Antônio Marques e João Carlos: três
gerações torcendo pelo renascimento do clube

Centenário

O clube completa 100 anos em 2014, ano da Copa do Mundo. E o ano promete ser especial também para os torcedores do Democrata. O empolgadíssimo professor Ângelo faz planos bem ousados: quer comemorar o centenário em Dubai, disputando o Mundial Interclubes. O ex-zagueiro João Carlos é bem mais modesto.

- Meu sonho é ver o Democrata, no ano do centenário, disputando uma partida de competição importante, como a Copa do Brasil, na Arena do Jacaré. Seria, realmente, muito emocionante para mim e para todos que amam o Democrata.