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Investimento na base: o segredo do sucesso do atletismo da Jamaica

'SporTV Repórter' foi ao país para entender as razões que o levam a formar tantos velocistas e acompanhou a competição que revelou Bolt

Por Rio de Janeiro

O músico Bob Marley tornou o reggae um ritmo mundial nos anos 70 e transformou a Jamaica em sinônimo deste estilo de música. Trinta anos após a sua morte, o país caribenho continua a trazer orgulho para seus moradores, mas por um outro motivo: tem os homens e mulheres mais velozes do mundo. Nomes com Usain Bolt, Asafa Powell e Shelly-Ann Fraser são resultado de um programa que incentiva as crianças desde cedo a entrar no mundo do atletismo. O "SporTV Repórter" viajou para a Jamaica em busca dos segredos destes esportistas e do país que os revela.

Nas escolas ou nas praias, a correria jamaicana está em todas as partes. Mas o caminho é um só: começa como uma brincadeira no colégio – durante as aulas de educação física -, fica mais sério na escola secundária – onde estudantes participam de grandes competições - e afunila nos clubes, no qual só os mais rápidos têm vez.

O resultado deste incentivo na base é uma tradição de 63 anos de bons resultados nas pistas. Desde 1948, a Jamaica conquistou 55 medalhas nas histórias das Olimpíadas. Cinquenta e quatro delas no atletismo. Quem mais contribuiu para este número expressivo foi uma mulher. Com 51 anos e ainda na ativa, Merlene Ottey tem sete Olimpíadas no currículo e o mais que triplo de medalhas em grandes competições: 23 (nove em Olimpíadas e 14 em Mundiais). Ottey, assim como Arthur Wint e Herbert McKenley, os primeiros medalhistas do país, estão imortalizados na entrada do principal estádio do país, o Nacional de Kingston, capital do país. Em pouco tempo, estas lendas terão a companhia de outras.

Os últimos resultados da Jamaica impressionam. Nas Olimpíadas de Pequim, em 2008, e no Mundial de Atletismo em Berlim, em 2009, foram 24 medalhas em prova de tiro curto. Recordista mundial dos 100m durante três anos, Asafa Powell explica o motivo para o sucesso dos conterrâneos.

- O tipo de mentalidade do jamaicano é trabalhar sempre para ser o melhor. É como são os jamaicanos. Somos dedicados, sempre... Precisamos trabalhar muito pelo que queremos, então damos muito duro.

SporTV Repórter SporTV Jamaica Atletismo Usain Bolt 5 (Foto: Divulgação SporTV)Usain Bolt prestigiou a mais importante competição escolar da Jamaica (Foto: Divulgação SporTV)

Usain Bolt, atual recordista mundial e campeão olímpico e mundial, também credita o sucesso à determinação dos atletas.

- Somos um povo muito determinado e orgulhoso como raça. Queremos nos sair bem. Então, a gente dá duro.

Usain Bolt, Asafa Powell e Shelly-Ann Fraser, os novos “Bob Marleys” da Jamaica, hoje são celebridades. Mas o caminho para o estrelato não foi fácil. Os recursos eram escassos e as condições ruins, mas nunca faltou o fundamental: o incentivo na base.

O corredor jamaicano se forma na escola. Desde muito jovens eles correm nas milhares de pistas espalhadas pelos colégios do país e, ainda adolescentes, se acostumam à pressão das competições escolares. Na escola de Shortwood, em Kingston, a corrida é a atividade extracurricular mais procurada. A pista, que é de grama, tem marcações de terra feitas pelos pés das crianças, que correm o mesmo caminho todos os dias.

O próximo Usain Bolt, Asafa Powell ou Sherone Simpson pode sair daqui"
Roberto Clark, técnico de uma escola jamaicana

- Estamos dando a eles escolhas para que se tornem alguém. O próximo Usain Bolt, Asafa Powell ou Sherone Simpson pode sair daqui, entende? O nosso papel é facilitar para eles, identificando os seus talentos. As atividades extracurriculares os mantêm envolvidos em algo significativo. Se alguns não estivessem aqui, talvez estivessem nas ruas, se metendo em confusão – afirmou Roberto Clark, técnico da escola.

Criado há 101 anos, o campeonato local "Boys and Girls Championships” reúne atualmente cerca de 3 mil crianças de 100 escolas, que disputam as principais provas sob os olhares de 40 mil pessoas que lotam o Estádio Nacional de Kingston. Transmitido ao vivo para todo o país, é a hora das revelações aparecerem para as câmeras.

Jaqueline Stewart, diretora do museu do Bob Marley, relembra o impacto que a competição tem anualmente no país.

- O estádio fica completamente lotado, e não só de alunos, mas de adultos e representantes de todas as associações de meninos e meninas. Todos prestam atenção, porque é de onde sabemos que vem a nossa próxima geração de atletas. Portanto, é um grande evento. Para mim, é uma das razões de termos atletas tão bons.

SporTV Repórter SporTV Jamaica Atletismo Shelly Ann Fraser 3 (Foto: Divulgação SporTV) Shelly Ann Fraser se diz orgulhosa da escola que
defendeu nas competições (Foto: Divulgação)

Todos medalhistas olímpicos e mundiais da Jamaica, sem exceção, passaram por esse vestibular das pistas e relembram o amor à escola que defendiam.

- Eu amo muito a minha escola. Eu me sinto orgulhosa e privilegiada por ser da Wolmer. Ser da Wolmer é quase como pertencer a uma linhagem 'crème de la crème', a nata. Eu estou sempre apoiando a minha escola e faço sempre questão de dizer: "Eu passei pela melhor escola de garotas do mundo” – afirmou, orgulhosa, Shelly-Ann Fraser, medalha de ouro nos 100m rasos nas Olimpíadas de Pequim-2008 e no Mundial de Berlim-2009.

Bolt relembra a pressão que sentia durante o campeonato e reconhece a importância do torneio em seu amadurecimento como atleta.

- Quando você vê o Champs, ele nos ajuda, quando somos jovens, a chegar ao cenário mundial. Lutamos muito e desde cedo já sofremos muita pressão para irmos bem no Champs e ganharmos uma medalha de ouro. É como uma Olimpíada ou um Mundial para os mais jovens. E era assim que eu me sentia.

Medalha de prata em Seul-88 e mãe de uma competidora do campeonato nacional, Grace Jackson reconhece a noção de esportividade ensinada às crianças.

- O importante não é vencer sempre, e sim participar e auxiliar na jornada, ajudar as pessoas a sentir que elas têm um lugar no mundo. Nos fortalecemos e podemos ajudar os outros a subir na vida.

Depois do campeonato, uma minoria segue a carreira dos sonhos de milhares de jamaicanos: se tornar um profissional de atletismo e continuar morando no país. Estudar e treinar em universidades americanas é coisa do passado. Atualmente, a Jamaica está pronta para segurar todos os velocistas de alto nível.

Um dos fundadores do clube MVP, onde treinam Asafa Powell e Shelly-Ann Fraser, entre outros, Bruce James afirma que viu a possibilidade de manter os velocistas no país e dar as mesmas condições de treinamento que tinham no exterior.

Sabemos que podemos fazer dos atletas jamaicanos os melhores do mundo"
Bruce James, fundador do clube MVP

- No ano de 1999, dissemos que queríamos dar aos atletas jamaicanos a opção de treinar na Jamaica com treinadores e diretores locais. Na época, nós acreditávamos e agora sabemos que podemos fazer dos atletas daqui os melhores do mundo. Bem aqui. Sem precisar de bolsa para uma universidade nos Estados Unidos.

Acostumadas à pressão desde pequenas, as crianças se espelham nos ídolos e levam a corrida a sério para tentar ser o novo Bolt das pistas. O maior herói nacional de todos os tempos acredita que estes sonhos podem se tornar realidade, já que a estrutura existente é capaz de criar outros grandes velocistas como ele.

- Eu queria ser o melhor, ganhar a medalha de ouro. Então, eu trabalhei duro, e é assim que o talento aparece. Quando dizemos: "Esse garoto pode ser bom"... Quando se vê todo o talento você só precisa nutrir esse talento para conseguir ser alguém como eu.