Série ASérie BEuropa

- Atualizado em

Bilhete em vestiário expõe suposto 'homem-bomba' do Palmeiras

Conselheiro Gilto Avallone ganha 'fama' depois de bilhete alertando atletas sobre sua relação com a imprensa. 'Vou continuar denunciando', diz ele

Por São Paulo

Gilto Avallone, conselheiro do Palmeiras (Foto: Diego Ribeiro / Globoesporte.com)Gilto Avallone, em seu escritório em São Paulo
(Foto: Diego Ribeiro / Globoesporte.com)

Acostumado a ser fonte de jornalistas, um conselheiro do Palmeiras virou personagem de reportagens durante a última semana. Gilto Avallone, 72 anos, 34 deles como membro do Conselho do clube, se tornou “persona non grata” – expressão em latim para a pessoa que, digamos, andou pisando feio na bola num determinado ciclo de amigos. Ou “ex-amigos”, como o próprio Gilto diz.

Uma folha de papel sulfite pendurada no vestiário da Academia de Futebol, na Barra Funda, recomenda cuidado ao grupo de jogadores com o conselheiro, chamado de “espião”, “informante” e “fofoqueiro” por seus detratores. Diz o recado: “Gilto Avallone recebe notícias privilegiadas de dentro do Palmeiras. Cuidado no vestiário.”

Ninguém assumiu a autoria do novo “atentado terrorista” contra Gilto – ele diz ter sido alvo de “vários outros atentados” e que “é comum receber ameaças de morte.”

Frizzo é meu ex-amigo. Não quero mais nada com ele. Aliás, escreve aí: o Tirone é outro sem caráter!"
Gilto Avallone,
conselheiro do Palmeiras

Como o CT é de responsabilidade do vice-presidente de futebol, Roberto Frizzo, Gilto logo deduziu de quem foi a ideia. Frizzo nega.

- O Frizzo é meu ex-amigo. Não quero mais nada com ele. Essa placa no vestiário mostra o caráter dele. Aliás, escreve aí: o Tirone (Arnaldo Tirone, presidente do Palmeiras) é outro sem caráter! - diz Gilto.

A ofensa é grave, o tom é alto. Nada muito diferente do que se vê numa reunião do Conselho do Palmeiras. Gilto diz que é comum ver adversários políticos no Verdão se ofenderem, se provocarem mutuamente, apenas por divergências de opinião. Ele afirma ser um dos mais atacados, justamente pela fama de ser uma das principais fontes dos jornalistas para assuntos internos do clube.

- Eu prefiro falar com jornalistas, que passam frio e fome atrás da notícia, no intuito de crescerem profissionalmente na vida, a me misturar com muito dirigente esportivo – diz Gilto.

Sim, ele não esconde que “adora” ser fonte de reportagens. Membro do COF (Conselho de Orientação e Fiscalização), Gilto é o principal responsável por divulgar documentos como os balancetes mensais do clube. Na hora de reproduzir o material, que chega sempre por fax, retoca-se a imagem com um borrão no lugar onde vem escrito o nome do remetente e pronto: um documento interno da instituição é reproduzido nas páginas de um jornal ou de um site da internet. Coisa rara de se ver nos rivais Corinthians, Santos e São Paulo.

- Faço isso porque é preciso ter transparência. O maior problema no Palmeiras é esse: falta transparência.

Gilto Avallone, conselheiro do Palmeiras (Foto: Diego Ribeiro / globoesporte.com)Gilto diz que dedica boa parte do seu dia ao clube
(Foto: Diego Ribeiro / globoesporte.com)

Gilto talvez seja o primeiro caso de fonte que prefere aparecer a ficar no anonimato. O filme “Todos os Homens do Presidente”, com Dustin Hoffmann e Robert Redford, consagrou, nos anos 70, a figura da fonte com seus relatos em “off” – a expressão vem de “off the record”, ou seja, uma entrevista que não é para ser gravada porque o teor, altamente confidencial, pode se voltar contra a própria fonte. O filme trata de um assunto “um pouco” mais importante do que aquilo que acontece no vestiário do Palmeiras: o caso Watergate, que resultou na renúncia do presidente norte-americano Richard Nixon. Gilto não quer derrubar Tirone, mas se arrepende de ter ajudado-o a se eleger.

- Ele está cometendo o mesmo erro da administração anterior: dando espaço demais para empresário e gastando o que tem e o que não tem. O que eu quero é uma explicação para como a dívida do clube chegou a mais de 150 milhões.

Trocas políticas
Gilto é sócio do Palmeiras desde 1958 e conselheiro desde 1977. De lá pra cá, mudou várias vezes de lado na política alviverde. Diz ter passado “mais de 20 anos” sem falar com o ex-presidente Mustafá Contursi e afirma ter sido um dos inventores do grupo “Muda Palmeiras”, que tem como expoentes Luiz Gonzaga Belluzzo e Gilberto Cipullo. Hoje, é o inverso. Tornou-e aliado de Mustafá (“tive a humildade de reconhecer que ele tem razão em muitos aspectos”) e desafeto de Belluzzo, a quem processou por calúnia e difamação. Gilto ganhou a ação, e Belluzzo teve de doar o equivalente a dez salários mínimos a uma instituição de caridade.

Pode colocar aviso no vestiário, pode me criticar, pode fazer o que for: eu nunca vou deixar de denunciar aquilo que eu vejo de errado dentro do clube"
Gilto Avallone

- Ele me chamou de “energúmeno” e outras coisas. Não deixei barato e lasquei um processo nele – diz Gilto, que é advogado das áreas cível, trabalhista e comercial.

O racha com a dupla Tirone e Frizzo é recente, e Gilto não sabe explicar ao certo como se deu. Até pouco tempo atrás, ambos frequentavam os jantares no apartamento de Gilto, no bairro do Paraíso, em São Paulo – antes de Tirone ser eleito, em janeiro, era comum jornalistas serem convidados a essas reuniões. No dia em que o “alerta” foi pendurado no vestiário, na semana passada, Gilto e Tirone jantavam juntos num restaurante da região central da capital paulista.

- E ele (Tirone) ainda tem a cara de pau de me dizer que não sabia de nada!

Apesar do racha com o presidente e o vice de futebol, Gilto continua bem informado – e divulgando assuntos internos do Palmeiras. Ele até criou seu próprio site (www.nossopalmeiras.com.br) para contar, quase que diariamente, o que se passa no Verdão. A página é, obviamente, muito acessada pelos jornalistas que cobrem o clube. Nela, o internauta fica sabendo, por exemplo, que o atacante Ewerthon, dispensado no início do ano, move uma ação trabalhista contra o Palmeiras. E fica sabendo também que a delegação do Verdão, em viagens do Campeonato Brasileiro, costuma ser formada por até 38 pessoas, todas com despesas custeadas pelo clube – “Eta boca boa”, como define Gilto.

- Gasto pelo menos duas horas do meu dia abastecendo o site. Isso sem contar o tempo que fico no telefone com os jornalistas. Ou seja, boa parte do meu dia é dedicada ao Palmeiras. E ninguém vai tirar isso de mim! Pode colocar aviso em vestiário, pode me criticar, pode fazer o que for: eu nunca vou deixar de denunciar aquilo que eu vejo de errado dentro do clube! – diz o conselheiro, quase aos prantos.

quem é Gilto Avallone
  • Advogado das áreas cível, comercial e trabalhista,
    é sócio do clube desde 1958 e conselheiro desde 1977. Hoje, faz parte do COF (Conselho de Orientação e Fiscalização). Diz não ter nenhuma vontade de atuar no departamento de futebol e que sua prioridade é descobrir como a dívida chegou a cerca de R$ 150 milhões para, então, tentar equacioná-la. Já foi desafeto declarado de Mustafá Contursi, como aliado de Luiz Gonzaga Belluzzo e Gilberto Cipullo. Mudou de lado há alguns anos. Ajudou na campanha de Arnaldo Tirone e Roberto Frizzo, mas agora os classifica como "ex-amigos".

Esse lado emotivo faz com que Gilto, muitas vezes, se exceda nas “denúncias” e abasteça jornalistas com notícias inverídicas. Um exemplo foi a acusação de que Belluzzo havia turbinado sua formação acadêmica em seu “site na internet”. Ocorre que o tal “site” era uma página da Wikipedia, a chamada “enciclopédia virtual”, que pode ser editada por qualquer pessoa – ou seja, Belluzzo não havia “inventado” nada, já que o verbete na Wikipedia não foi editado por ele.

Outra bola fora de Gilto foi o pedido de expulsão do ex-diretor de marketing Rogério Dezembro do quadro de associados do clube por ele ter sido contratado para trabalhar na WTorre, a empresa que faz a reforma do Palestra – no estatuto do clube, nada impede que um ex-dirigente, não remunerado, seja contratado por uma empresa que presta serviços para o Palmeiras.

Assim, atirando para todos os lados, Gilto vai colecionando inimigos no clube.

- Não ligo. Minha paixão pelo Palmeiras está acima de tudo.

O outro lado
Tirone e Frizzo, que tiveram o caráter colocado em xeque por Gilto na entrevista, trataram de colocar panos quentes nas declarações do conselheiro. Ambos disseram não saber como o bilhete foi parar no vestiário do CT – Frizzo lembrou, inclusive, que estava na Argentina, para o sorteio dos confrontos da Copa Sul-Americana, quando o alerta contra Gilto foi fixado no mural de avisos da Academia.

Não fui eu que coloquei (placa no vestiário). Deve ter sido alguma ratazana"
Roberto Frizzo, vice de futebol

- Apesar das acusações, o Gilto é um conselheiro do Palmeiras e tem de ser tratado com respeito. Vamos apurar como é que aquele bilhete entrou no vestiário. E não podiam ter deixado isto vazar. Se eu estou no vestiário, resolvo no ato e nada iria vazar. É uma situação chata, não vou me alongar nesse assunto – disse Tirone.

- Conheço o Gilto há muito tempo, somos amigos apesar de algumas divergências. Isso (o alerta contra Gilto) ocorreu quando eu estava fora, viajando. Não fui eu que coloquei, deve ter sido alguma ratazana, e estamos atrás dela. Tem muita gente querendo o mal do Palmeiras. É hora de nos fecharmos e evitar que esse tipo de coisa continue vazando. Se ele acha que eu tenho algo contra ele, está enganado. Só não pode fomentar por aí o que é errado – emendou Frizzo.