Rio

Minuta de edital prevê remoção de favela Vila Autódromo até 2013 para obras do Parque Olímpico

Movimentação de moradores da Vila Autódromo (Foto: Márcia Foletto Agência O Globo)
Movimentação de moradores da Vila Autódromo (Foto: Márcia Foletto Agência O Globo)

RIO - Situada numa área valorizada da Barra, no coração dos Jogos Olímpicos de 2016 e vizinha à Cidade do Rock, a Vila Autódromo - uma antiga colônia de pescadores que virou favela na década de 70 - será removida até 2013. O fim da comunidade está previsto na minuta do edital da parceria público-privada (PPP) que a prefeitura lançou para consulta pública. O município busca investidores para arcar com parte dos custos, estimados em R$ 1,3 bilhão, da construção do futuro Parque Olímpico, na área ocupada hoje pelo Autódromo Nelson Piquet. O destino dos moradores está sendo traçado pela Secretaria de Habitação, que pretende reassentar as famílias comprovadamente de baixa renda num conjunto do programa Minha Casa, Minha Vida, batizado de Residencial Parque Carioca, a ser erguido em 2012 na Estrada dos Bandeirantes, em Jacarepaguá. O terreno, comprado pela prefeitura por R$ 19,9 milhões em agosto, fica a um quilômetro da favela.

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A decisão de acabar com a comunidade promete causar polêmica nos movimentos sociais que elegeram a Vila Autódromo como uma espécie de símbolo da resistência a remoções necessárias às obras para a Copa e das Olimpíadas. Somente na região, quatro favelas do Recreio foram removidas total ou parcialmente para permitir a conclusão da duplicação da Avenida das Américas e implantar o BRT Transoeste (corredor expresso para ônibus articulados ligando a Barra a Campo Grande e Santa Cruz).

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Tentativas de remoção desde 93

Desde 1993, ainda no governo Cesar Maia, a prefeitura move ação na Justiça para tentar remover a Vila Autódromo. Em fevereiro deste ano, a Justiça autorizou a retirada parcial da favela. A sentença, em primeira instância, vale só para casas a uma distância de até 25 metros da Lagoa de Jacarepaguá. Moradores entraram com recursos, que, no entanto, não têm o poder de alterar a sentença.

Na comunidade, não há unanimidade sobre como agir. O presidente da associação comunitária, Altair Guimarães, é contra a mudança. Ele lembrou que a proposta vencedora do concurso para o plano de ocupação do Parque Olímpico previa a manutenção da favela. As regras, porém, têm uma brecha: um artigo do concurso permite adaptação no projeto final.

- A comunidade não tem interesse de sair apenas para atender à especulação imobiliária, porque a área se valorizou ainda mais com as Olimpíadas. Aqui é o nosso lar - disse Altair.

O vigia Lourival da Silva, de 51 anos, que há 20 vive na Vila Autódromo, tem outra opinião. Ele mora num lote de 300 metros quadrados onde foram construídas quatro casas e vivem nove pessoas. Segundo ele, todas concordam em se mudar:

- Devido à briga com a prefeitura, a comunidade nunca recebeu investimentos em infraestrutura. Com a possibilidade de remoção, nos sentimos inseguros, não sabemos se devemos reformar as casas.

Conforme a minuta do edital, a Vila Autódromo tem 236 famílias e 939 moradores. A associação afirma que são quase mil casas. O secretário municipal de Habitação, Jorge Bittar, informou que fará um novo cadastro. Para convencer os moradores a se mudarem, Bittar convidará a comunidade a conhecer, no domingo, o terreno escolhido para o reassentamento. A área mede 85,3 mil metros quadrados, e as futuras residências terão vista para o Morro Dois Irmãos - não o do Leblon, mas o de Curicica. O projeto prevê ampla arborização das vias de acesso. No Parque Carioca, será possível construir até 920 apartamentos em prédios de cinco andares. As famílias que não concordarem com a mudança serão indenizadas com base em laudos de avaliação das casas.

- A resistência à remoção na Vila Autódromo é histórica, porque provavelmente no passado a metodologia adotada para reassentamentos era outra. Estamos oferecendo um projeto de qualidade. E ninguém terá que deixar sua casa e viver de aluguel social. A remoção só ocorrerá após a conclusão do Parque Carioca - disse o secretário.

De acordo com Bittar, os apartamentos terão dois ou três quartos, com área mínima de 40 metros quadrados. A Caixa Econômica arcará integralmente com os custos das unidades de dois quartos (R$ 64 mil). A concessionária que vencer a PPP arcará com a diferença entre os R$ 64 mil e o custo do imóvel de três quartos. Os moradores receberão as novas casas gratuitamente, mas todos terão que se comprometer a não vendê-las nos próximos nove anos. No lugar, hotéis e condomínios

A arquiteta Raquel Rolnik, relatora especial da ONU para a moradia adequada, disse que está acompanhado o caso da Vila Autódromo e outros decorrentes de obras para a Copa e as Olimpíadas. Para ela, não há motivos técnicos para a remoção:

- Todo reassentamento é traumático. Ali me parece mais uma questão econômica, de não se querer uma favela em área valorizada.

A minuta prevê que a empresa vencedora será a que prever o menor gasto público para a implantação do Parque Olímpico e propor a melhor solução técnica. Em troca das obras e também por arcar com os custos de manutenção por 15 anos, a prefeitura vai transferir para os investidores a propriedade das áreas que, após o evento, não forem aproveitadas pelo Comitê Olímpico Brasileiro, que implantará um centro de treinamento no local. Da área total do Autódromo, 1,2 milhão de metros quadrados (75%) poderão ser usados pela iniciativa privada para erguer condomínios residenciais, comerciais e hotéis.

Ao todo, o Parque Olímpico receberá 15 modalidades esportivas. As instalações poderão ser permanentes ou temporárias. Na lista de construções definitivas que ficarão para o COB, estão quatro ginásios poliesportivos, uma pista de atletismo, um laboratório de medicina esportiva e um alojamento de atletas. Na relação de instalações provisórias estão um parque aquático e um centro de tênis.