Rio

Rocinha descobre o preço da regularização

Moradores já sentem no bolso a formalização de serviços como luz, água e TV a cabo
 O chaveiro Roberto Carvalho procurou a Light para instalar um medidor Foto: Agência O Globo / Marcelo Piu
O chaveiro Roberto Carvalho procurou a Light para instalar um medidor Foto: Agência O Globo / Marcelo Piu

RIO - Tudo tem seu custo, inclusive as melhorias. E no caso da ocupação da Rocinha, os cerca de cem mil moradores vão pagar a conta. A regularização de serviços deve integrá-los ao resto da cidade, mas obrigará famílias a repensarem seus orçamentos. A Light prevê aumentar o faturamento na favela de R$ 3,2 milhões anuais para R$ 24 milhões, quando os "gatos" derem lugar à regularização dos clientes. A Cedae também espera elevar os ganhos por lá, de R$ 360 mil para mais de R$ 3 milhões anuais.

A população da Rocinha reconhece que ligações clandestinas são regra por lá. Basta um rápido passeio pela comunidade para ver emaranhados de fios nos postes. Silene do Nascimento, 46 anos, viveu por muito tempo à base do "miau", como ela diz, quando morava na Rua 4. A via passou por obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2010. A casa em que Silene morava foi demolida e ela, reassentada, para um apartamento construído num terreno do governo do estado.

— No primeiro mês, chegou a conta de luz: R$ 80. Com o "miau", cheguei a pagar R$ 5 — diz Silene, que não se arrepende de ter abandonado os gatos. — Como não pagávamos, a gente esbanjava. Depois, passei a economizar tirando tudo da tomada. Não lavo todas as roupas na máquina e hoje pago R$ 30.

A renda familiar de Silene, que vive com a filha e a mãe, é de pouco mais de R$ 1 mil. Desde $a TV a cabo pirata foi cortada na favela, a televisão só transmite chiados. Silene pagava R$ 30 pelo serviço clandestino e ainda está avaliando se vai contratar um legalizado. Ela não paga pela água, mas não vê a hora de passar a receber a conta:

— Às vezes, fico dez dias sem água e não posso reclamar.

Segundo a Cedae, 90% da favela têm água, mas só 1.686 clientes pagam conta. A expectativa é que esse número chegue a 25 mil após a regularização completa, que deve ocorrer em 36 meses. A elevatória da Rocinha costuma apresentar problemas e não tem bomba reserva. $, um novo equipamento está sendo construído.

A tarifa social que será cobrada dos moradores da Rocinha será de R$ 18,16 — independentemente do consumo. Mesmo assim, a Cedae planeja uma série de ações educativas para que as famílias evitem o desperdício.

Há quem lute há tempos para se regularizar, em vão. O chaveiro João Roberto Carvalho já procurou a Light, instalou o relógio para medição do consumo no início do ano, coleciona protocolos de atendimento e, ainda assim, só consegue realizar os serviços em sua banca com um gato. Ele tem autorização da prefeitura pra tra$, mas depende da luz para colocar as máquinas que moldam as chaves para funcionar.

— Quero estar dentro da lei, como manda o figurino, para poder dormir tranquilo. Fico preocupado de alguém querer fechar meu negócio por causa disso (gato).

Segundo Mario Guilherme Romano, superintendente da Light, técnicos da concessionária estão percorrendo a favela para reparar danos e tentar identificar as demandas. Há ainda 30 funcionários atuando na parte educativa para que o consumo per capita seja reduzido.

— Damos dicas de como fa$o teste da borracha da geladeira, colocando uma folha de papel na porta. Ao fechá-la, se for fácil puxar o papel, a borracha está fraca e há desperdício. Vamos abrir uma agência na comunidade — adiantou.

Não será fácil para os moradores arcarem com novos gastos. Para balancear o aumento dos custos, a estratégia de oferecer tarifas sociais e descontos tem apoio do mestre em Ciência Política, Eduardo Tomazine:

— Acredito ser interessante para prestadores de serviços terem milhões de clientes de baixa renda. Mais vale receber milhões de vezes pouco do que não rece$nada, ou ter perdas com o uso clandestino.

Para Roberto Zentgraf, coordenador do MBA em finanças do Ibmec-RJ e colunista da seção Você Investe do GLOBO, é preciso que a cobrança pelos serviços seja instalada gradativamente, para os moradores conseguirem reequilibrar o orçamento. Ao mesmo tempo, pagar pelos serviços, na opinião do especialista, põe fim ao conceito de "cidadão de segunda categoria":

— Provavelmente, essas pessoas vão buscar novas fontes de renda e cortar gastos. É importante o estado facilitar a vida para quem quer empreender.