03/12/2011 06h18 - Atualizado em 03/12/2011 08h55

A obra 'Principia' eleva Isaac Newton à categoria de gênio da Ciência

Dividido em três livros, tratado do matemático inglês revela leis do movimento

Eduardo (Foto: Divulgação)Eduardo Barra, professor da Universidade
Federal do Paraná (Foto: Divulgação)

Após ser publicada em 1687, a obra "Principia" (Princípios Matemáticos da Filosofia Natural), de Isaac Newton, criou um divisor de águas na Ciência da época. Do cálculo diferencial ao estudo do movimento dos corpos, incluindo conceitos sobre as trajetórias dos planetas, Newton revela em "Principia", que é dividido em três livros, as suas principais leis do movimento, incluindo estudos sobre a Teoria da Gravitação Universal. Em busca de saber mais sobre a importância da obra para o seu tempo, o site do Globo Ciência conversou com o professor Eduardo Barra, do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre e doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), Eduardo também é membro associação Scientiae Studia de São Paulo.

O que o livro 'Principia' trouxe de inovador para a ciência da época?
- "Principia" é interessante por vários aspectos, principalmente porque interagiu conhecimentos diferentes que estavam dispersos em obras de autores como René Descartes, Johannes Kepler e Galileu Galilei. Nesse caso, Newton articulou as teorias desses três autores com base em cálculos matemáticos, visto que nenhum outro havia aproximado o trabalho desses filósofos dessa maneira. O que Newton recolhe de Descartes são as leis do movimento, principalmente a primeira: a Lei da Inércia. De Galileu, ele analisa os estudos das quedas dos corpos. Já com relação a Kepler, Newton aborda as três leis do movimento planetário: lei das elipses, das áreas e a Lei Harmônica.

Como "Principia" é dividida?
- "Principia" é divida em três partes: a primeira, "Fundamentos da Mecânica", aborda a mecânica com base em raciocínios matemáticos. O segundo livro, sobre a mecânica dos fluídos, é menos importante e acabou não tendo uma historia tão rica como a do primeiro e a do terceiro, cujo título é "Sistema do Mundo" e abordou a Teoria da Gravitação Universal para os planetas, em que ele se volta para problemas referentes à mecânica celeste. Na verdade, Newton faz uso de todo recurso matemático desenvolvido no primeiro livro e o associa a uma série de informações empíricas referentes aos movimentos planetários, reunindo uma quantidade fantástica de informações. Ele, de forma muito talentosa e criativa, desenvolve um raciocínio baseados nos dados astronômicos de Kepler. Entretanto, se "Principia" tivesse terminado logo no primeiro livro, já seria uma obra fenomenal pelo fato de Newton aproximar, de forma matemática, elementos de naturezas totalmente diferentes.

Em "Principia", como Newton relacionou a Teoria da Gravitação Universal com o movimento dos planetas?
- Do primeiro livro, Newton retorna a Lei do Quadrado Inverso da Distância para calcular a força gravitacional nos planetas. Ele descreve que todo corpo que se move em uma elipse deve ser atraído pelo seu centro por uma força inversamente proporcional ao quadrado dessa distância, criando, assim, a Lei do Inverso do Quadrado da Distância. Além disso, ele começa a considerar a massa dos planetas, surgindo a segunda parte da Lei da Gravitação Universal. Ou seja, as massas também influenciam a atração gravitacional. O surpreendente disso tudo, é que a Lei da Gravitação Universal explicou não somente o movimento planetário, mas deu razão a outros fenômenos que eram atribuídos a essa lei. Antes de Newton, a ideia de gravidade vem de Aristóteles. A grande novidade está em introduzir o conceito de gravitação a partir da relação entre os corpos, e não da qualidade da matéria, como era baseada a teoria aristotélica.
 

Livro Principia (Foto: Divulgação)Capa do obra 'Principia', do matemático Isaac
Newton, publicado em 1687 (Foto: Divulgação)

Como "Principia" foi recebida pela comunidade científica da época?
- Poucos da época estavam preparados para receber essa obra. Para ler "Principia", era preciso ter domínio da matemática com alguns conhecimentos de cálculo diferencial e de astronomia, incluindo, por exemplo, a trajetória dos corpos celestes. Era muito raro ter alguém com esses conhecimentos mútuos no século 17I. Um público imediatamente preparado para ler "Principia" era composto por filósofos oriundos da tradição cartesiana. Dois foram importantes: W. Leibniz e C. Huygenz, autores mais bem preparados para compreender "Principia". Entretanto, a recepção dos dois no inicio foi muito frustrante. Eles se recusaram a admitir a teoria em virtude da suspeita de que Newton estivesse reabilitando as antigas doutrinas aristotélicas. Newton tinha muita expectativa referente à reação deles.

A partir de quando esse quadro mudou e a recepção à obra foi maior?
- Uma nova ideia científica demora muito a ser aceita. Muitas pessoas acham que isso acontece de forma instantânea, mas não é. O episódio da aceitação da teoria newtoniana é uma prova disso, já que o primeiro movimento foi de recusa. Entretanto, na Inglaterra, houve uma melhor recepção devido a um ambiente intelectual anticartesiano. Newton era um sujeito pouco social, não fazia marketing pessoal, mas quem o ajudou muito a se colocar em um plano de destaque na Royal Society (comunidade científica inglesa) foi o então astrônomo Edmund Halley, presidente da associação. O cometa Halley tem seu nome porque ele, com base na teoria de Newton, descobriu a sua trajetória. Até então, havia muitas teorias sobre o movimento dos cometas, mas nenhuma delas conseguia explicar o fato de uma trajetória periódica. Com Edmund Halley, que foi o editor de "Principia", Newton ganha maior destaque.

Qual é a relevância do livro hoje?
- A teoria da gravitação newtoniana, como foi apresentada, já está totalmente superada. Ela não está mais no campo das condições de uma teoria que tenha aceitação da comunidade científica como a melhor explicação para o fenômeno de que trata. As teorias de Einstein, por exemplo, já superaram as de Newton nesse aspecto como uma melhor explicação, com fatos que a teoria newtoniana não pode explicar. Hoje não é mais um livro de consulta, e sim um documento histórico. É preciso ter em mente que uma conquista da Ciência é resultado do trabalho de gerações. Em "Principia", quando lemos prestando atenção em suas fontes, em cada parte das teorias, percebemos a presença de tradições de cientistas diferentes. Newton observou como esses conhecimentos poderiam estar lado a lado, convergindo em algo inesperado.

Qual foi o alcance da obra de Newton na época?
- "Principia" foi publicado em Londres, mas chegou a circular pela Europa. O grande divulgador de Newton na Europa foi Voltaire. Apesar de ele ser cartesiano, o filósofo adere à obra de Newton, destacando que "Principia" era o grande recurso intelectual para se contrapor à hegemonia cartesiana na França. Voltaire aborda as teorias de Newton no livro “Ensaio da filosofia newtoniana”, que populariza a história da maçã como o insight para a descoberta da Lei da Gravidade Universal.
 

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