Na história da Ciência, 1666 é considerado o annus mirabilis, ou, em português, “ano miraculoso”, denominação dada quando ocorre um grande feito, que muda os paradigmas vigentes, nesse caso os da Física. Devido às descobertas de Isaac Newton, principalmente com relação à Teoria da Gravitação Universal, somente publicada em 1687 na obra "Principia", o mundo da ciência deu um grande salto, ingressando definitivamente na era do Iluminismo. Aproximadamente dois séculos e meio após suas descobertas, em 1905, o cientista alemão Albert Einstein repetiria outro ano miraculoso, considerado o segundo na história da Ciência, com a apresentação de quatro artigos científicos de grande relevância, sendo os principais deles sobre a Teoria da Relatividade e o Efeito Fotoelétrico.
Filosofia da UFPR (Foto: Divulgação)
Voltando ao ano de 1666, devido à falta de provas documentais, o historiador Eduardo Barra, professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), coloca em xeque a autenticidade da data como sendo o ano no qual Newton realmente formula a Teoria da Gravitação Universal.
“Os manuscritos conservados de Newton, datados de 1666, mostram que ele ainda não pensava em gravitação. É certo que nesse ano ele desenvolveu estudos importantes, como o Teorema Fundamental do Cálculo, mas não a Teoria da Gravitação Universal, contradizendo autores como Voltaire, um dos seus maiores divulgadores na França, que reforçaram histórias conhecidas como a da maçã”, destaca Eduardo.
Segundo o professor, o annus mirabillis de 1666 é instaurado a partir da descoberta da Lei da Gravidade, capitaneada muito por Voltaire como parte da construção do mito em torno de Newton. Eduardo lembra que o livro “Ensaio da filosofia newtoniana”, de Voltaire, populariza a história da maçã como o início para a descoberta da Lei da Gravidade Universal. “Segundo documentos históricos, o matemático só pensaria na Lei da Gravitação Universal por volta de 1685. Essa é uma teoria de poucos meses, criada ente 1685 e 1686, e Newton a publica em 1687, em sua obra 'Principia'. Aí sim, para tudo isso, há manuscritos que comprovam”, aponta.
Aceitação das ideias de Newton
(Foto: Divulgação)
Polêmicas à parte, mesmo que 1666 seja marcado como o ano miraculoso da Ciência, a Teoria da Gravitação Universal demorou a ser aceita, conforme explica o professor de Física Fernando Lang, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Como costuma acontecer com as grandes ideias, a Teoria da Gravitação de Newton foi ao mesmo tempo aceita entusiasticamente por alguns, mas muito criticada por outros. Em particular na Inglaterra, sua terra natal, diversos cientistas foram de imediato receptivos às suas idéias, mas lá também houve críticas”, pontua Lang.
Segundo ele, o próprio Newton, dado o conhecimento que tinha da Ciência de sua época, antecipou as restrições que os cartesianos efetivamente vieram a manifestar em relação às suas ideias. “Quando Newton lançou em 1687 sua monumental obra 'Principia', havia, tanto no continente europeu, quanto na Inglaterra, uma ‘nova física’ compatível com o copernicanismo e com as ideias de Galileu: era a Física de Descartes, ou Física Cartesiana. Essa Física somente admitia a interação entre os corpos por meio de ‘forças de contato’, excluindo a possibilidade de um corpo agir sobre outro ‘à distância’”, explica.
Lang aponta que a Lei da Gravitação Universal de Newton sofreu extensa e persistente objeção dos cartesianos nos cinquenta anos subsequentes ao lançamento de "Principia", obra considerada por eles como um “monstro metafísico”, pois a gravidade newtoniana expressava uma forma de ação à distância. “Assim fica evidenciado que as ideias de Newton, apesar de bem recebidas por muitos cientistas, padeceram de sérias objeções, algumas somente superadas cerca de meio século após o lançamento do 'Principia', a obra fundamental de Newton”, conclui o professor.