Rio

‘Missão impossível’ não prende chefões do bicho

Polícia usa até helicóptero e rapel, mas só captura um contraventor
Policiais descem de rapel na cobertura do bicheiro Aniz Abrãao David, o Anísio, na Avenida Atlântica, em Copacabana Foto: Fernando Quevedo / O Globo
Policiais descem de rapel na cobertura do bicheiro Aniz Abrãao David, o Anísio, na Avenida Atlântica, em Copacabana Foto: Fernando Quevedo / O Globo

RIO - A contravenção no Rio sofreu nesta quinta-feira um duro golpe com uma operação da Polícia Civil e do Ministério Público estadual que prendeu 44 pessoas e teve direito a cenas de cinema: para chegar à cobertura do bicheiro Aniz Abraão David, o Anísio, patrono da escola de samba Beija-Flor, em plena Avenida Atlântica, em Copacabana, policiais desceram de helicóptero fazendo rapel. Os presos foram pegos em municípios fluminenses e também em Recife, Salvador e São Luís. Entre eles, estão o ex-prefeito de Teresópolis Mário de Oliveira Tricano, dois policiais militares e um guarda municipal.

Estão foragidos os bicheiros Anísio, que não estava em sua cobertura, Luiz Pacheco Drummond (o Luizinho Drummond) e Hélio Ribeiro de Oliveira (o Helinho da Grande Rio). O objetivo da operação Dedo de Deus, segundo a chefe de Polícia Civil, Martha Rocha, foi desarticular uma quadrilha de contraventores que, para melhorar os negócios, investiu em tecnologia, utilizando máquinas de anotação eletrônica do jogo do bicho.

Máquinas são manipuladas para evitar muitos vencedores

Participavam do esquema, segundo investigações da Corregedoria de Polícia Civil, empresas de Bahia, Pernambuco e Maranhão. A firma baiana, por exemplo, fornecia chips para as máquinas de apuração on-line, o sistema operacional e uma espécie de teleatendimento que dava assistência técnica. Já a empresa pernambucana era responsável por toda a parte de gráfica da contravenção e a maranhense lavava o dinheiro do bicho.

De acordo com a promotora Angélica Glioche, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP, responsável pela ação junto com a Polícia Civil, as máquinas de apuração eletrônica são similares às usadas para cartões de crédito e débito, informando na hora aos apostadores o resultado do jogo. Ainda segundo ela, muitos desses equipamentos são manipulados para evitar que haja um grande número de vencedores e a quebra da banca do bicho:

— O jogo do bicho há muito tempo não é mais um jogo inocente. Movimenta bilhões e tem por trás de si vários crimes de quadrilhas armadas, como homicídio, lavagem de dinheiro e corrupção. Os resultados são manipulados. Não existe mais a máxima do “vale o escrito”.

Segundo o corregedor da Polícia Civil, Gilson Emiliano Soares, as investigações começaram em março deste ano em Teresópolis, a partir de informações de que policiais do município estavam sendo corrompidos pelo jogo do bicho. Escutas telefônicas foram feitas para tentar prender esses agentes.

Para levar à cadeia os chefões do bicho, foram expedidos para a operação de ontem mandados de prisão para os chefes de quatro células da contravenção que funcionavam em Teresópolis, Petrópolis, Nilópolis, Duque de Caxias, São João de Meriti e no Rio de Janeiro. À frente das células, comparadas a uma máfia pelo corregedor, estão os bicheiros Mário Tricano, Anísio, Luiz Drummond, Hélio Ribeiro e Yuri Reis Soares (filho do bicheiro Jaider Soares). Yuri também está entre os presos.

A promotora Angélica Glioche disse que todos os acusados com mandados de prisão já foram denunciados. Eles responderão a processo por formação de quadrilha armada, corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Somadas, as penas podem chegar a 45 anos de reclusão.

A operação, que mobilizou cem delegados e 700 policiais civis, começou  por volta das 6h. De acordo com o delegado corregedor Glaudiston Galeano Lessa, foi preciso usar um helicóptero para evitar que o bicheiro Anísio escondesse ou mesmo destruísse provas que estavam em seu apartamento. A polícia alegou também que usou a aeronave porque na cobertura do contraventor as portas são blindadas e havia a suspeita de que o local tinha seguranças armados. No triplex, foram encontrados os filhos e a mulher do bicheiro. Eles disseram não saber onde Anísio estava e que é comum ele sair sem avisar. No local, os agentes apreenderam quatro carros Mercedes-Benz, todos blindados. O apartamento do bicheiro tem salão de beleza, jardim japonês, lago artificial, academia de ginástica e uma piscina com a imagem de um beija-flor gravada no fundo.

Apreensão de oito carros de luxo incluiu um Cadillac

A operação visava a cumprir 60 mandados de prisão e 125 de busca e apreensão. Foram apreendidos nas casas dos bicheiros computadores, joias, obras de arte, oito carros de luxo — entre eles um Cadillac — e cerca de R$ 517 mil em dinheiro (R$ 115 mil no barracão da Beija-Flor).

Mesmo sem a prisão dos principais bicheiros, o delegado Glaudiston disse que não houve vazamento da operação. Ele afirmou que nem sempre um contraventor está em casa e que a movimentação policial nas primeiras horas da manhã pode ter alertado os acusados.

Além dos bicheiros, foram denunciados os PMs Luiz Cláudio Laudino, do 22º BPM (Maré), e Marco Antônio Coelho Anchieta (conhecido como Marquinho do Gás), também do 22º BPM; o policial civil Eduardo Murilo Dantas Sampaio (conhecido como comissário Dudu), da 64º DP (Vilar dos Teles); o guarda municipal Aramis Lafere Mesquita, que estava cedido à 59ª DP (Duque de Caxias); e o ex-PM Almir José dos Reis.