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Importância de ‘Lost’ é tema de debate em evento no Rio

Jack Bender, diretor e produtor executivo da série, participa do Rio Content Market, dedicado à discussão da produção audiovisual atual

Jack Bender, diretor e produtor executivo de ‘Lost’ em palestra no Rio Content Market
Foto: Tatiana Contreiras
Jack Bender, diretor e produtor executivo de ‘Lost’ em palestra no Rio Content Market Foto: Tatiana Contreiras

RIO - Produtor executivo e diretor de séries de sucesso como "Alias" e a recente "Alcatraz" (no ar no Warner Channel) Jack Bender abriu nesta quarta-feira a segunda edição do Rio Content Market, evento dedicado à discussão da produção audiovisual atual, no Rio de Janeiro, falando sobre o que todos os telespectadores queriam ouvir: a importância de "Lost" para a TV mundial e os bastidores da atração, da qual foi showrunner por seis anos. Antes de um breve discurso, um trailer com cenas de todas as temporadas de "Lost" foi exibido.

- Foi emocionante para mim ver isso tudo agora, porque foi parte da minha vida por seis anos - disse Jack, que se define como um “contador de histórias”. - Cresci em los Angeles, que era o centro da TV e da indústria do cinema. Eram tempos inocentes, você podia andar de bicicleta pela cidade inteira, mas eu sempre ia a becos. Isso sempre me interessou mais do que o que estava à vista da janela. Queria ver o que estava por trás das coisas - explica.

Segundo o diretor, que também se dedica ao desenho e à pintura, os meios de se contar uma história mudaram. No entanto, a perfeição não é obrigatória.

- Se você tem uma boa história para contar, não importam as dificuldades, essa verdade vai aparecer. O Brasil é a terra do storytelling , pelo que vi nestes dias no Rio - diz Jack, citando o carnaval carioca. - Mas temos que ter cuidado para não tentar fazer de forma perfeita. As falhas são necessárias.

Depois de ver Jack pintar no palco, em uma grande tela branca, a roteirista e diretora Anna Muylaert (de filmes como "Durval discos", entre outros, e séries de TV) assumiu o comando do que se transformou numa entrevista coletiva.

- Uma das grandes liçōes de "Lost" foi aprender a confiar na mesma equipe por seis anos. Aprendi a deixar a coisa viver por si. Eu costumava planejar tudo, até o que poderia dar errado - admite um bem-humorado Jack.

O sucesso de "Lost", capitaneada pelo todo-poderoso J.J. Abrams, ele diz, não era esperado nem pelos executivos da ABC, canal que exibiu a série nos Estados Unidos:

- Ninguém na ABC gostou da ideia original, que veio de um dos chefes da emissora, e o roteiro do piloto era muito ruim. Ligaram para o J.J., que era contratado ainda por conta de "Alias", ele disse que poderia fazer, mas queria outra equipe. Os pilotos de TV nos EUA são escritos, reescritos, e aí ganham um diretor e são feitos. Com "Lost" foi diferente: não havia tempo, então a série foi sendo escrita conforme era sendo feita, e o processo de escalação dos atores foi muito orgânico. O casal coreano, por exemplo, nao existia. Jorge Garcia foi visto em "Curb your enthusiasm" e pensamos "nossa, vamos trazê-lo!".

Showrunner de "Lost" por seis anos, Jack ficava baseado no Havaí, onde a atração era gravada. Os roteiristas Damon Lindelof e Carlton Cuse escreviam de Los Angeles:

- Dirigi cerca de 40 episódios. Eu era sempre o cara no telefone, falando com o pessoal em Los Angeles. O roteiro é uma música, e você é o maestro que lida com os músicos - compara, lembrando que são poucos os que podem escolher em que investir: - A maioria das pessoas tem que ir ao trabalho todos os dias. Mas quando você conta histórias, pode selecionar o que mais o toca e polir esse trabalho. É como criar uma joia.

A ideia, acredita Jack, é fundamental antes de qualquer coisa. Rodada em película, "Lost" é, basicamente, uma série "sobre pessoas", segundo ele.

- Conheci o criador de "In treatment", que era um jovem filmmaker que não tinha dinheiro, mas tinha uma câmera, e pensou "que historia posso contar?". E foi um sucesso. "Lost" é sobre a imtimidade daquelas pessoas. No fim das contas, acho que a TV é sobre gente, não importa o que seja. "In treatment", por exemplo, é um drama sobre duas pessoas sentadas em suas cadeiras.

O final de "Lost", que teria desapontado boa parte do público, é justamente fiel a essa premissa, afirma Jack.

- O piloto foi o mais caro de todos os tempos na TV. Não tínhamos orçamento fixo, e foi fantástico. Fiquei intimidado: se eu tivesse que fazer aquilo toda semana não conseguiria. O que me atraiu foram os atores. Queria trabalhar com eles. Foi o melhor cast multirracial e internacional que já vi. Era um programa sobre pessoas que lutaram para serem melhores e viverem por seis anos, e no final as vimos morrer, através da morte de Jack (Matthew Fox), o que propiciou o reencontro deles. E acho que isso foi um dos motivos do sucesso.

A preferência por trabalhos na TV tem motivo: para Jack, a vida própria que cada projeto ganha é o que move a atração, depois de um determinado tempo.

- Em “Lost”, cada temporada era um livro, e cada episódio era um capítulo. A cada ano sabíamos como seria o primeiro e o último episódio, mas não sabíamos como chegaríamos lá. Mudávamos muitas coisas, descobríamos coisas com os atores. Damon Lindelof dizia que não sabia se estava escrevendo “Lost”, ou se “Lost” o estava escrevendo. Escrever para TV é algo vivo, e criativo - conta.

Ele confirma a desconfiança de muitos telespectadores de que parte da trama da série surgiu no improviso:

- Michael Emerson é um exemplo. Seu personagem, Ben Linus, só apareceria em três episódios. Quando disse sua fala vimos que ele era bom. Os famosos numeros (4, 8, 15, 16, 23 e 42) vieram de um momento de desespero, não sabiamos o que fazer. E se Hurley (Jorge Garcia) ganhasse na loteria com eles? E ai foi um estouro. Mas às vezes você comete erros. O monstro de fumaça não é um de nossos melhores personagens, o mostramos demais. Você faz escolhas porque o ritmo é muito rápido, você tem que trabalhar de forma veloz e fazer o melhor que pode em pouco tempo.

A influência da internet e das redes sociais na produção atual de TV também é lembrada por Jack: segundo ele, são mecanismos como Twitter, Facebook e blogs que aceleraram a transformação dos 15 minutos de fama imortalizados por Andy Warhol em apenas 15 segundos.

- “Lost” foi o primeiro programa de TV que foi hit na internet. Sem ela, “Lost” nao seria “Lost”. Era o programa certo na hora certa. Todas as boas histórias são boas histórias, independentemente do meio em que são exibidas. Vivemos num mundo onde ditadores caem porque pessoas estão se comunicando por seus telefones, como na Siria. Nossas histórias serão contadas dessa forma. Não temos mais controle sobre isso. As mídias sociais vão mudar não só como recebemos as histórias, mas também como as produzimos.

Sobre “Alcatraz”, Jack reconhece na série as influências do parceiro J.J., mas admite que a atracão, protagonizada por Jorge Garcia, ainda precisa entrar nos eixos:

- “Alcatraz” é uma série interessante. Mas não fui eu que criei. O que aconteceu foi que dois jovens escritores tiveram a ideia e levaram ao escritorio de J.J, que amou a ideia. Ele idolatra “Além da Imaginação”, e tudo que seja mágico e misterioso o atrai. Não levo o crédito por criar, mas por achar um jeito de contar a história e unir passado e presente. Mas ainda temos ajustes a serem feitos.