Especialistas divergem da decisão de Moro de liberar áudio de Dilma e Lula

Um dos telefonemas foi gravado quando juiz já havia mandado parar a interceptação

por Juliana Castro

RIO - Professores de Direito ouvidos pelo GLOBO tiraram dúvidas sobre a decisão do juiz Sérgio Moro de liberar no processo as gravações dos telefonemas entre o ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff . O magistrado mandou suspender a escuta antes da última conversa entre os dois, em que Dilma diz ao ex-presidente que está encaminhando o termo de posse na Casa Civil. ( OUÇA OS ÁUDIOS DO GRAMPO DA PF )

O uso das escutas como prova

A Justiça pode usar como prova as conversas entre Lula e Dilma, mesmo as que foram gravadas após o Moro decidir pela interrupção dos grampos?

Alamiro Velludo Salvador Netto - professor de Direito Penal da USP:

"Essa prova (a gravação feita depois do fim da autorização judicial para a interceptação) é ilícita. A interceptação é algo proibido, mas existem determinadas situações em que o Judiciário pode autorizar essa interceptação. Quando ele (Sérgio Moro) determinou que ela fosse interrompida, há de se pensar que, daquele momento em diante, não existe mais autorização. Se a gravação foi posterior, quando ele já tinha interrompido a autorização, deveria ter excluído. Não posso justificar a posteriori (a entrada dessa prova no processo) em favor do conteúdo, pelo fato de, no momento da captura, não ter autorização. Tem que o olhar o momento em que foi colhido e, por isso, deveria ter sido excluído dos autos".


Desembargador Guilherme Nucci - Professor da PUC-SP e desembargador:

"Para que a provas sejam lícitas, é preciso autorização. Se o juiz retirou essa autorização, passa a ser ilícita. O que ele autorizou antes e divulgou é prova lícita porque a Constituição autoriza a divulgação de interceptação em nome do interesse público. Pode abrir uma discussão em torno disso. Enquanto o juiz autorizou, está certo, a divulgação é válida em caso de interesse. A Constituição prevalece sobre a lei. A única parte que acho que estaria em desordem é a parte da gravação sem autorização sem judicial. Deveria ser jogada no lixo, mas agora todo mundo já ouviu. Quando a autorização para a interceptação terminar, terminou. Eu receberia todo o material, depois o que viesse, jogava fora ou manteria fora do processo. Ele deve ter interpretado: eu sou juiz, então, quando a companhia parou de fazer escuta e me mandou, eu vi que o material é importante para colocar no processo. É uma interpretação mais elástica, mas viável. É algo polêmico, que vai ter que se discutir".

Jerson Carneiro - Professor de Direito do Ibmec/RJ e sócio do escritório Fortes & Carneiro Advogados Associados:

"A Constituição Federal proíbe a prova ilícita. A meu ver, como o juiz Sérgio Moro já tinha mandado parar a interceptação, a prova é ilícita. A parte das ligações que foram interceptadas durante a autorização judicial foram lícitas. O que é posterior é ilegal".

Gisela França - professora de Direito Penal do Ibmec/RJ:

"A doutrina vai considerar que é prova ilícita depois que a interceptação cessou. Não poderia ser usada por causa da intimidade e privacidade, protegidas pela Constituição Federal. A Constituição Federal veda. Os advogados vão alegar isso".

O sigilo das escutas


O sigilo das escutas poderia ser retirado pelo juiz Moro, de 1ª instância, considerando que nos grampos havia diálogos de autoridades com foro privilegiado?

Alamiro Velludo Salvador Netto - professor de Direito Penal da USP:

"Não poderia ter divulgação alguma. Em relação à interceptação lícita, existe uma dúvida de senso de entendimento. Eu tendo a interpretar que o sigilo deve permanecer sempre. Essas gravações servem ao processo e não à opinião pública, ela é uma invasão. Quando você quebra o sigilo bancário, os extratos vêm para os autos, mas não se levanta o sigilo. Mas isso é discutível, porque existe o argumento mais pautado no princípio da publicidade. Ele (Sérgio Moro) não faz referência à norma da interceptação, mas às normas constitucionais. Pode ser sustente essa postura".

Desembargador Guilherme Nucci - Professor da PUC-SP e desembargador:

"Nesse caso sim. Podia ligar o Papa para ele (Lula), mas eles estão investigando o Lula e ele não tinha foro privilegiado quando ligavam. Como você vai fazer prova sem ter o diálogo? É natural. Ele (Sérgio Moro) não vai usar o diálogo para incriminar a presidente porque ele autorizou a interceptação do Lula. O STF poderia usar o áudio porque ele foi feito legalmente".

Jerson Carneiro - Professor de Direito Administrativo e Gestão do Ibmec/RJ e sócio do escritório Fortes & Carneiro Advogados Associados:

"Entendo que não, mas a jurisprudência tem a favor e contra. Há uma discussão sobre isso. Ele teria que pedir ao Supremo para divulgar, não poderia ter feito isso, não há competência para fazer isso. Ele (Sérgio Moro) é competente para fazer isso com relação às pessoas sem prerrogativa. Ele não poderia divulgar, deveria encaminhar ao STF e a Corte decidiria se divulgaria ou não porque o conteúdo divulgado não tem mais volta".

Gisela França - professora de Direito Penal do Ibmec/RJ:

"Não precisaria da autorização do Supremo Tribunal Federal, porque é uma interpretação de interesse nacional fazer essa divulgação. Mas, os defensores do princípio da privacidade vão alegar ele deveria manter o sigilo".