Saúde

Projeto reduz de 80% para 72% o número de cesáreas

Índice foi baixado em 42 hospitais voluntários em sete meses, após resolução da ANS
Partos normais passaram a ser recomendados, tanto para os médicos obstetras quanto para as grávidas Foto: Marcia Foletto / Agência O Globo
Partos normais passaram a ser recomendados, tanto para os médicos obstetras quanto para as grávidas Foto: Marcia Foletto / Agência O Globo

RIO — Nos últimos sete meses, menos mulheres têm enfrentado o bisturi desnecessariamente. É o que mostra o resultado parcial, divulgado ontem, do programa Parto Adequado, posto em prática desde março como um projeto piloto em 42 hospitais espalhados pelo Brasil. Antes do programa, a média anual de cesáreas nessas maternidades alcançava 80,2% dos partos. Logo no primeiro mês de implantação do projeto, o índice caiu para 76,7%. Mês passado, chegou a 72,8%. A taxa ainda está muito distante da recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que prevê apenas 15% de cesarianas em cada país. Mas o avanço em tão pouco tempo é comemorado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), pelo Hospital Albert Einstein e pelo Instituto para Melhoramento da Saúde (IHI, na sigla em inglês), que conduzem a iniciativa.

— Esta é uma conquista muito grande, porque, há pelo menos dez anos, tentávamos no mínimo estabilizar o índice de cesáreas, mas eles só aumentavam, a cada ano que passava — afirma Martha Oliveira, diretora de Desenvolvimento Setorial da ANS. — Estamos resgatando o uso dos protocolos de cesáreas, que dão aos médicos as indicações precisas sobre quando elas devem ser feitas. Nunca deveríamos ter deixado esses protocolos de lado, porque a cesariana é uma cirurgia como qualquer outra. Ninguém sai por aí fazendo cirurgia de apêndice sem necessidade, por exemplo.

Os centros de saúde que participam do programa puderam escolher entre três novos modelos de assistência para as grávidas. No primeiro, o parto é realizado pelo plantonista do hospital, profissional que, por conta do elevado número de cesáreas agendadas, estava quase extinto; no segundo, ele é realizado por um médico pré-natalista com suporte da equipe multidisciplinar de plantão, que faz o acompanhamento inicial da gestante até a chegada de seu médico; e, no terceiro modelo, o parto é assistido por um membro de uma equipe composta por três ou mais obstetras. Nos dois últimos casos, a grávida se vincula à equipe, que terá sempre um médico e uma enfermeira obstetra de sobreaviso para fazer o parto.

Para isso, houve o treinamento de 280 profissionais, e as salas de parto se afastaram da estética de centro cirúrgico: banheiras e poltronas foram incluídas para que as gestantes possam dar à luz em diferentes posições.

— Como o parto normal se tornou exceção para as equipes médicas, muitas delas não tinham segurança em fazê-lo. Hoje, eles sentem que estão mais hábeis — conta Martha. — Embora não tenhamos traçado uma meta a ser batida com esse projeto, esperamos, num futuro próximo, diminuir o índice de cesáreas no país para cerca de 35%, que é o mesmo de nações como Canadá e Estados Unidos.

O projeto Parto Adequado tem a previsão de durar 18 meses, depois dos quais ele será expandido para outros centros de saúde. No estado do Rio, já participam os hospitais Pasteur, Daniel Lipp, Casa de Saúde São José e Complexo Hospitalar de Niterói. Há também unidades em cidades como Salvador, Fortaleza, Curitiba e Belém. Embora a ANS regule apenas a rede de saúde privada, cinco das 42 maternidades que participam da iniciativa integram o Sistema Único de Saúde (SUS). Todas entraram de forma voluntária.

Segundo a agência, de janeiro a setembro deste ano o Brasil registrou 85,5% de partos por cesariana, se contabilizados todos os hospitais particulares do país. Houve um salto de dez pontos percentuais desde 2006, quando a taxa era de 75,5%. A escalada, chamada pelo Ministério da Saúde e por médicos especialistas de “epidemia de cesáreas”, ajudou o Brasil a ocupar o topo do ranking das nações que mais fazem cirurgias de parto desnecessárias. Somando-se saúde privada e pública, o país registra atualmente 56% de cesarianas, mas continua na liderança, dividindo o posto com a República Dominicana.

ACORDO ASSINADO HÁ UM ANO

Para começar a reverter esse cenário, a ANS e o Ministério da Saúde assinaram um acordo de cooperação em outubro do ano passado, com o objetivo de fazer consultas públicas e determinar novos modelos de atendimento às gestantes. Em julho, como fruto desse acordo, entraram em vigor em todo o país novas normas para as maternidades particulares. Uma delas foi a utilização do partograma — documento gráfico em que são feitos registros de tudo o que acontece durante o trabalho de parto.

Foi a partir de julho também que as gestantes passaram a assinar um termo de consentimento sobre os perigos da cirurgia para que o plano de saúde cubra seus custos. Por sua vez, seguradoras se tornaram obrigadas a informar a taxa de cesáreas e de partos normais dos médicos e dos hospitais, quando solicitadas pelo cliente.

Cerca de 30 operadoras de planos de saúde se ofereceram para participar do projeto Parto Adequado, e, segundo a diretora da ANS, estão sendo criadas novas formas de financiamento para melhorar a viabilidade econômica do aumento do número de partos normais.

— Sempre que fazemos uma reorganização de modelo assistencial, precisamos reorganizar também as formas de financiamento. Se isso não for feito, as mudanças não duram muito. Estamos estudando várias formas e esperamos que, ao final dos 18 meses do projeto, algumas possam entrar em vigor — adianta Martha.

A médica Maria do Carmo Leal, coordenadora da pesquisa “Nascer no Brasil”, de 2013, e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), se mostra esperançosa ao ver os números alcançados pelo programa.

— Esse resultado mostra que, com um esforço conjunto, o Brasil pode reverter seu quadro — acredita ela. — As cesáreas em excesso acabam por levar muitos bebês à UTI, e nenhum médico se sente confortável com isso.

A cesariana, quando não tem indicação, ocasiona riscos desnecessários à saúde da mulher e do bebê: aumenta em 120 vezes a ocorrência de problemas respiratórios para o recém-nascido e triplica o risco de morte da mãe. Cerca de 25% das mortes neonatais e 16% das infantis no Brasil estão relacionadas à prematuridade.