Rio

Criminosos atacam quatro UPPs e ferem chefe da base de Manguinhos

Ações começaram em Manguinhos, onde bandidos atiraram contra PMs, incluindo o comandante, e incendiaram cinco bases
Caveirão da PM patrulha a Avenida Leopoldo Bulhões, em Manguinhos, que está às escuras Foto: Marcelo Theobald / Agência O Globo
Caveirão da PM patrulha a Avenida Leopoldo Bulhões, em Manguinhos, que está às escuras Foto: Marcelo Theobald / Agência O Globo

RIO - Em mais um ataque de traficantes a uma Unidade de Polícia Pacificadora, dois PMs foram feridos a tiros na noite desta quinta-feira em Manguinhos, incluindo o comandante da UPP da favela, o capitão Gabriel de Toledo, atingido na virilha. Além disso, dois carros e cinco bases de apoio da unidade da Mandela foram incendiadas O clima de pânico tomou conta da comunidade porque várias ruas ficaram às escuras, depois que tiros atingiram transformadores da Light. O conflito teve início no fim da tarde, após PMs terem sido atacados por moradores que reagiram à remoção de um grupo que invadira um prédio. No final da noite, houve ataques a tiros também contra as UPPs do Parque Arará (em Benfica), do Camarista Méier, onde um ônibus foi incendidado, e do Complexo do Alemão.  O confronto no Alemão terminou com um suspeito ferido. Ninguém foi preso.

Em entrevista à GloboNews, o coordenador-geral das UPPs, coronel Frederico Caldas, disse, no final da noite, que a situação estava sob controle, porque houve uma grande mobilização das polícias Militar e Civil para evitar novos ataques nas demais UPPs. Segundo ele, as forças de segurança estão em regime de alerta total:

— Todas as bases tiveram reforço no policiamento, para evitar que novos episódios aconteçam. Há uma mobilização muito grande da área de inteligência, mas a situação está sob controle. A resposta da PM e da Polícia Civil foi imediata. A população pode ficar tranquila, porque não haverá recuo no processo de pacificação.

Na noite desta quinta, o oficial Toledo foi submetido a uma cirurgia no Hospital Federal de Bonsucesso. Durante os confrontos em Manguinhos, um soldado, ainda não identificado, também foi ferido na cabeça por uma pedrada. Como o entorno da favela tinha trechos sem iluminação, a Polícia Militar interrompeu, por volta das 18h50m, o tráfego na Avenida Leopoldo Bulhões. A via só foi liberada por volta de 0h35m desta sexta-feira. Antes do início do processo de pacificação, a região era conhecida como “Faixa de Gaza carioca”, devido aos constantes tiroteios. A SuperVia paralisou por pouco mais de duas horas a circulação de trens no ramal Saracuruna, que atravessa a comunidade.

O pavor de passageiros dentro dos trens

Antes da interrupção do serviço, passageiros que seguiam nos trens relataram nas redes sociais momentos de tensão quando passaram por Manguinhos. Muitos se atiraram no chão dos vagões, com medo de balas perdidas: “Muitos tiros em Manguinhos. Dentro do trem, muita gente se deitou no chão”, contou um passageiro no Twitter.

Para apoiar os policiais da UPP, o comando da PM enviou reforço do Bope, do Batalhão de Choque, do 22º BPM (Maré) e de outras unidades próximas. Apesar do reforço, tiros continuaram sendo ouvidos no interior da comunidade, e técnicos da Light não puderam entrar para restabelecer a energia elétrica.

Barreiras foram montadas pela PM nos principais acessos à região, e todos os veículos que deixavam Manguinhos passaram a ser revistados. Muitos moradores que retornavam do trabalho não puderam entrar na favela, por causa dos tiros. Pela internet, eles falavam da preocupação com a falta de comunicação com parentes que estavam na favela. Uma mulher disse ter ligado para a filha mais velha, que estaria tomando conta dos irmãos.

— Meus filhos estão sozinhos e não posso entrar para protegê-los — disse.

A UPP de Manguinhos foi inaugurada em janeiro de 2013 e conta com 588 PMs, atendendo uma população de 35 mil pessoas, de acordo com dados do Instituto Pereira Passos (IPP). O Complexo de Manguinhos abrange uma área que vai do lado esquerdo da Avenida Brasil, sentido Santa Cruz, até a Avenida dos Democráticos. O complexo é formado por favelas que totalizam uma área de 300 mil metros quadrados.

Também à noite, o Bope fez uma operação no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, apesar de não ter ocorrido ataques no local. Um helicóptero da Polícia Civil sobrevoava a região, para dar apoio aos PMs.

Nos locais onde aconteceram confrontos, a polícia pedia à população que evitasse sair de casa.

Governador diz que não vai retroceder

O governador Sérgio Cabral e o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, se reuniram no fim da noite com o chefe da Polícia Civil, delegado Fernando Veloso, o comandante-geral da PM, coronel Luiz Castro Menezes e outros integrantes da cúpula da área de segurança no Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), na Cidade Nova. O objetivo da reunião é avaliar os ataques contra UPPs e definir as providências que serão tomadas para evitar novas ações de criminosos.

Em nota, Cabral disse que essa é mais uma tentativa da marginalidade de enfraquecer a política vitoriosa da pacificação, que retomou territórios historicamente ocupados por bandidos. Ele afirmou ainda que mantém o firme compromisso assumido com as populações das comunidades e de todo o estado de não sair, em hipótese alguma, desses locais ocupados e manter a política da pacificação.

Ao saber de mais um ataque do tráfico, o antropólogo Paulo Storani, professor da Universidade Candido Mendes e ex-capitão do Bope, disse que, no seu entender, a política de pacificação está com problemas:

— É um sistema em crise. Os PMs estão sendo caçados. Então é hora de parar e repensar a estratégia. Em outras palavras: o crescimento da pacificação tem que ser de forma sustentável. No momento, a Polícia Militar não tem infraestrutura para sair ocupando favelas e garantir a segurança dos seus homens. Então, estrategicamente, temos que parar.

Já o ex-comandante da PM Erir Ribeiro, em seu blog, classificou as ações do tráfico como “terrorismo” contra as UPPs, feito de forma orquestrada por integrantes da principal facção criminosa em atividade no Rio. Todas as quatro UPPs atacadas nesta quinta estão em regiões sob a influência da mesma quadrilha.

As ações orquestradas pelo tráfico contra as UPPs se intensificaram em fevereiro deste ano, quando foi morta a soldado Alda Rafael Castilho, atingida por um tiro de fuzil em frente à unidade do Parque Proletário, na Penha. No mesmo mês, o soldado Wagner Vieira da Costa morreu em decorrência de um tiro no rosto, enquanto fazia patrulhamento na Vila Cruzeiro, também na Penha. No início de março, o soldado Rodrigo de Souza Paes Leme morreu após ser baleado no Chuveirinho, na Nova Brasília, Complexo do Alemão. Dias depois, o subcomandante da UPP da Vila Cruzeiro, o tenente Leidson Acácio Alves, de 27 anos, foi morto com um tiro na cabeça em confronto com criminosos. Na ocasião, traficantes fizeram quatro ataques simultâneos a PMs em pontos diferentes da região. Os informes sobre ataques orquestrados estão sendo recebidos desde o início do mês passado pelos setores de inteligência da polícia do Rio. Desde 2012, somente em áreas de UPP, 11 PMs já foram mortos.