Política

Desde 2008, Brasil teve 244 jornalistas vítimas de violência

Relatório eleva para 11 o número de profissionais assassinados em 2013

O fotógrafo Sérgio Silva foi atingido por um tiro de uma bala de borracha durante os protestos de junho de 2013
O fotógrafo Sérgio Silva foi atingido por um tiro de uma bala de borracha durante os protestos de junho de 2013

SÃO PAULO — Nos últimos seis anos, três casos de violência contra profissionais de imprensa foram registrados por mês, em média, no Brasil. De 2008 até hoje, 244 trabalhadores (jornalistas, radialistas, fotógrafos e cinegrafistas) foram vítimas de crimes como homicídio, tentativa de homicídio, ameaça de morte, agressão física ou prisão arbitrária. A constatação é de um relatório inédito da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) que será apresentado nos próximos dias ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.

O documento, obtido com exclusividade pelo GLOBO, mostra que o cenário de violência contra jornalistas decorrente do exercício da profissão é mais grave do que vinha sendo divulgado por entidades internacionais. O relatório do governo vai mostrar que foram 11 os assassinatos de 2013 para cá - e não 8, como se tinha notícia. No período investigado para a elaboração do relatório (de março de 2008 a fevereiro de 2014) foram 34 homicídios em todo o país. A maioria deles segue sem esclarecimento ou punição.

O levantamento levou um ano para ser concluído por um grupo de trabalho do qual participaram integrantes do governo e de entidades da imprensa. Além do retrato sobre as violações de direitos, o levantamento traz recomendações sobre como governo, entidades e a polícia devem agir para frear o crescimento da violência contra profissionais de comunicação.

O Brasil tem assistido a uma piora da sua situação em relação aos demais países nos últimos anos. Segundo levantamento do Committee to Protect Journalists (Comitê de Proteção aos Jornalistas), o país ficou, em 2013, na 10ª posição no ranking de países mais perigosos para o trabalho de jornalistas. Em 2012, ele era o 11º. Na América, só estamos atrás do México e da Colômbia.

De longe, 2013 foi o ano em que mais profissionais da imprensa foram assassinados no país desde que o Centro de Informações das Nações Unidas (UNIC) começou a monitorar os números. Somente este ano já foram registrados dois assassinatos, ambos no estado do Rio de Janeiro. O primeiro foi o do cinegrafista da TV Bandeirantes Santiago Ilídio Andrade, morto após ser atingido por um rojão na cabeça durante manifestação na capital. No município de Miguel Pereira, o dono do jornal Panorama Regional, Pedro Palma, foi assassinado a tiros na rua em decorrência de denúncias publicadas contra prefeituras.

Observatório para monitorar investigações está em análise

A criação de um observatório nacional para monitorar crimes contra jornalistas é a principal recomendação do relatório da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. O órgão ficaria sob responsabilidade da pasta e teria como função acompanhar as investigações envolvendo violação de direitos de profissionais de comunicação em todo o país. O objetivo é impedir que os crimes fiquem impunes.

— Nesse um ano de diagnóstico confirmamos que a maioria dos casos de violência acontece em pequenas localidades, onde, em geral, os mandantes exercem forte influência sobre a Justiça e a polícia. Isso quando não tem gente da própria polícia envolvida. Esse quadro leva muitas vezes à impunidade — disse o coordenador do grupo de trabalho, Tarcísio Dal Maso.

Outro objetivo do observatório é elaborar pela primeira vez estatísticas oficiais. Os dados das entidades internacionais variam muito pela falta de padronização de metodologia. A ONU, por exemplo, contabiliza seis mortes de jornalistas em 2013.

Diretor do Centro de Informações da ONU, Giancarlo Summa, diz que o principal valor desse relatório é o reconhecimento do problema pelo governo brasileiro.

— Esse documento tem dupla importância. Primeiro, será uma afirmação oficial do governo de que a questão é grave. Segundo, é a primeira vez que um documento desse tipo é produzido por todos os atores de peso.

O relatório também toca num tema em discussão pelo Ministério da Justiça: a federalização dos crimes contra jornalistas.

— A ideia é que o observatório, ao constatar que alguma investigação está sendo dificultada, acione o Ministério da Justiça para a Polícia Federal intervir — explicou Dal Maso.

O presidente da Federação de Jornalistas da América Latina e Caribe, Celso Schroder, analisa:

— O relatório é bem-vindo, mas ele apenas faz sugestões. Precisamos que o governo disponibilize recursos para as ações saírem do papel.