Rio

Quase dois anos após anúncio, retirada de 520 famílias do Jardim Botânico está emperrada

Prazo estabelecido para a reintegração total do espaço pelo instituto era de quatro anos. Apenas um clube foi despejado

Sequência de casas da Rua Pacheco Leão, no Horto, que serão incorporadas à área do Jardim Botânico: desocupação dos imóveis vem sofrendo constantes adiamentos
Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo
Sequência de casas da Rua Pacheco Leão, no Horto, que serão incorporadas à área do Jardim Botânico: desocupação dos imóveis vem sofrendo constantes adiamentos Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo

RIO — Uma antiga servidora do Jardim Botânico devolveu ao parque, em 7 de julho deste ano, a casa em que morava com a mãe na Rua Pacheco Leão, numa das comunidades do chamado Horto. Mas o órgão ainda não conseguiu implantar lá um vestiário para seus funcionários como pretendia. O imóvel acabou invadido, durante 48 horas, por um grupo, que só concordou em sair depois de fechar acordo com um representante do governo federal para que o local permanecesse fechado até o fim de dezembro. E assim está.

A casa é uma das 520 que estão dentro dos limites do parque e devem ser desocupadas. Um ano e sete meses se passaram desde que a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, anunciou, ao lado dos responsáveis pela Advocacia geral da União (AGU) e pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU, vinculada ao Ministério do Planejamento), a decisão conjunta de formalizar a cessão ao Jardim Botânico de 130 hectares (1,3 milhão de metros quadrados), incluindo a área onde estão as 520 residências. Na ocasião, o prazo estabelecido para a reintegração total do espaço pelo instituto era de quatro anos. Desde então, no entanto, apenas um clube — o Caxinguelê — foi despejado, em meio a uma manifestação de invasores, que teve até bombas de efeito moral e provocou o fechamento da Rua Jardim Botânico.

A deliberação, tornada pública em 7 de maio de 2013, atendia a um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU). Mas o cumprimento, a conta-gotas, das determinações do TCU tem preocupado moradores do Jardim Botânico e ambientalistas. O caldo engrossa porque a ocupação tem seu viés político. Do lado dos invasores, estão parlamentares como os deputados petistas Edson Santos (irmão da presidente da Associação de Moradores das Comunidades do Horto), Gilberto Palmares e Zaqueu Teixeira (só o último reeleito para a Alerj). Na queda de braço, em defesa do Jardim Botânico estão, por exemplo, Jorge Bittar (PT), Aspásia Camargo (PV) e Carlos Minc (PT), apenas o último reeleito. Até o fim do ano, o parque deverá bater recorde de visitação, com um milhão de pessoas.

— A SPU é uma das grandes proprietárias de terras no Rio e não está colaborando. Cabe a ela alocar terrenos para construir casas e fazer o reassentamento das famílias. Tem que haver uma solução em bloco. Senão, cada caso de desocupação vira um drama. É preciso inverter a ordem das coisas, construindo residências e reassentando famílias, sendo dada prioridade àquelas que estão em situação mais precária — observa a ambientalista e deputada estadual Aspásia Camargo.

SPU NÃO DÁ PRAZO NEM NÚMEROS

Por e-mail, a SPU é genérica e não fala em prazo ou números. Limita-se a dizer que “os terrenos de propriedade da União para produção habitacional já estão definidos”. Afirma ainda que “a liberação da área ocorrerá à medida que houver solução habitacional para as famílias que preenchem os requisitos do Programa Minha Casa Minha Vida ou da Medida Provisória nº 2.220/2001”.

A presidente do Jardim Botânico, Samyra Crespo, prefere não falar sobre a desocupação. Já o presidente do movimento SOS Jardim Botânico, Alfredo Piragibe, não esconde sua insatisfação:

— As decisões judiciais e do TCU têm de ser cumpridas, independentemente de quem esteja no governo. Há 310 ações judiciais transitadas em julgado e, ao longo de anos e anos, houve apenas seis remoções da área do Jardim Botânico (incluindo o clube e duas casas no Grotão, em abril de 2013). O que me deixa mais tranquilo é que o TCU abarcou o caso. É bom lembrar também que o Supremo Tribunal Federal arquivou mandado de segurança impetrado pela associação contra a decisão do TCU.

Além da casa que foi entregue espontaneamente pela servidora do Jardim Botânico, nos últimos 19 meses houve uma tentativa de retomada de outro imóvel na Pacheco Leão. Neste caso, também com a interveniência do governo federal, o despejo foi sustado até o fim de dezembro. Enquanto a situação não se resolve, moradores do Horto chegaram a invadir, no início de agosto, a sede administrativa do instituto de pesquisas. O ato durou quase sete horas. A polícia foi acionada, e a presidente e outros dirigentes do instituto tiveram de deixar o prédio.

Diretora de Meio Ambiente da Associação de Moradores do Jardim Botânico, Vera Maurity se diz estarrecida com a lerdeza do processo de desocupação.

— O que está acontecendo é uma agressão ao Judiciário. A prefeitura também não tem uma ação efetiva nesse caso (o prefeito Eduardo Paes chegou tornar de utilidade publica o terreno do Toalheiro Brasil, em setembro de 2013, na Rua Marquês de Sabará, mas não concretizou a desapropriação). Ele está empurrando o assunto com a barriga — disse ela. — Enquanto as famílias que ocupam as casas não são retiradas, já recebemos a denúncia de que outros invasores estão construindo no Horto.

Uma solução para o impasse ainda parece distante. Diretor do departamento de Diálogos Sociais da Secretaria-Geral da Presidência da República, Fernando Matos afirma que decisões efetivas só serão tomadas após a posse dos novos ministros, em janeiro.

— Os moradores entregaram um documento à presidente Dilma pedindo que ela revisse a decisão a favor da retirada. Nós montamos uma mesa de diálogo, junto com representantes do Jardim Botânico e da SPU, que vem discutindo questões como a área de reassentamento. Jamais entramos no mérito das decisões judiciais ou tratamos de possível mudança de posicionamento oficial do governo — diz Matos.

DECISÃO PARA O PRÓXIMO GOVERNO

Ainda de acordo com o diretor da Secretaria-Geral da Presidência, o governo federal “sempre deixou claro" que defende que a retirada das pessoas seja precedida de diálogo e entendimento.

— Ninguém será retirado à força. O grupo de diálogo está tentando identificar terrenos para construção de moradias. Uma das possibilidades é o programa Minha Casa Minha Vida. Não tem sido fácil. Queremos sim resolver a questão, mas as pessoas devem sair com as chaves do novo imóvel — argumentou. — Os novos membros do governo Dilma vão decidir ou não pela continuidade da mesa de diálogo.

Na avaliação do deputado estadual Carlos Minc (PT), não houve mudança de postura do governo federal, que continua favorável à realocação das pessoas:

— Durante a Copa do Mundo houve uma sinalização de diálogo, mas a posição do governo nunca mudou, É razoável e justo que haja uma alternativa às pessoas. O ritmo é lento não só pelos trâmites federais. O município deve ser parte do entendimento.

O deputado federal Edson Santos (PT), favorável à permanência dos moradores, espera por uma solução negociada:

— A comunidade do Horto recebeu da presidenta Dilma um aceno de vontade de rever a decisão tomada. Tenho esperança de que o Jardim Botânico tenha condição de se desenvolver plenamente com as pessoas que ali estão.

BATALHA QUE SE ARRASTA POR TRÊS DÉCADAS

Cedidas no passado a antigos funcionários, terras do Jardim Botânico viraram objeto de uma longa batalha judicial, que vem sendo travada há cerca de três décadas. Com o correr do tempo, os imóveis das comunidades do Horto passaram de pais para filhos, e muitos deles acabaram alugados e até mesmo vendidos.

Diante da situação, centenas de ações de reintegração de posse foram movidas pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF). Acionado, o Tribunal de Contas da União (TCU) também estabeleceu medidas e prazos, visando à incorporação da área ao Jardim Botânico.

Dentro dos limites do parque há 520 imóveis. Outros 101, da comunidade Vila Castorina — onde mora a presidente da Associação de Moradores das Comunidades do Horto, Emília de Souza — não serão desocupados, pois foram excluídos da área do parque. Para as famílias de baixa renda que terão de desocupar os imóveis, estão sendo estudadas soluções para incluí-las em programas de moradia da União (Minha Casa Minha Vida e Compra Assistida).

A delimitação de sua área — uma questão pendente desde que o Jardim Botânico foi criado por dom João VI, em 1808 — foi resolvida apenas em maio de 2013, quando a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, anunciou qual seria o perímetro do parque (uma das determinações impostas pelo TCU).

Outra exigência do tribunal foi atendida em 6 de março passado, quando a SPU oficializou a cessão da área do parque. O Jardim Botânico iniciou uma nova etapa desse longo imbróglio: incluir os 130 hectares no Registro Geral de Imóveis. Com pedido de prorrogação aprovado pelo TCU, o prazo para o registro passou para março de 2015. Apenas com a conclusão dessa fase é que começarão a contar os prazos para a desocupação, que também podem ser prorrogados.