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01/11/07 - 07h17 - Atualizado em 01/11/07 - 09h15

Delegado diz que operações em favelas não atingem os donos do tráfico

No livro 'Acionistas do nada', Orlando Zaccone critica modelo de repressão às drogas em comunidades. Para ele, traficantes da Zona Sul se protegem em ambientes privados.

Aluizio Freire Do G1, no Rio

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A morte de quatro jovens na favela do Borel, na Tijuca, Zona Norte do Rio, em 2003, durante uma operação da Polícia Militar, foi um divisor de águas para o delegado Orlando Zaccone. Na época do Caso Borel, como ficou conhecida a tragédia, ele era o titular da 19ª DP (Tijuca) e responsável pelo inquérito que indiciou cinco PMs. A partir de um exaustivo trabalho de pesquisa aliado à sua experiência no ‘front’ escreveu o livro "Acionistas do nada: quem são os traficantes de drogas", uma contundente crítica aos modelos das operações policiais nas favelas.

 

 

Foto: Aluízio Freire/G1
Aluízio Freire/G1
Para Zaccone, a maioria dos presos faz parte do grupo de "acionistas do nada" (Foto:Aluizio Freire)

Zaccone, que já esteve à frente de pelo menos sete delegacias, chama de “seletividade punitiva” as ações de combate às drogas. “Ocupando a ponta final do comércio de drogas proibidas, ´esticas’, ‘mulas’ e ‘aviões’, como são chamadas as pessoas usadas para transportar ou vender drogas no asfalto, ficam tão-somente com uma parcela ínfima dos lucros auferidos no negócio”, diz, numa referência ao criminólogo norueguês Nils Christie que os chama de “acionistas do nada”.

 

Por isso, em seu trabalho, o delegado defende penas diferenciadas, de acordo com a participação dos envolvidos no tráfico, já que os chefões do crime, que movimentam as altas cifras do negócio criminoso, representam um pequeno número na população dos presídios.

 

O alto índice de prisões de traficantes seria um falso combate à violência. “Toda a atual política de repressão ao comércio de drogas ilícitas está voltada a combater este ‘inimigo’ da sociedade que, já no final dos anos 90, representava em torno de 60% da população carcerária no estado do Rio de Janeiro”, afirma o ex-jornalista, mestre em direito penal e criminologia e atual delegado titular da 52º DP, em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense.

 

  Registros de flagrantes não refletem a realidade

Para o delegado, o estigma de criminoso para moradores de favelas pode ser demonstrado na concentração dos registros de ocorrência da venda de drogas nas áreas pobres da cidade, onde a maioria dos presos é qualificado como traficante, mesmo quando detido com pequena quantidade de drogas e desarmados.
 

“A estigmatização dos traficantes, a partir do estereótipo de criminoso - pobre, preto, favelado-, é um passe livre para ações policiais genocidas”, alerta. Para Zaccone, o modelo adotado pelas polícias não surgiu hoje, mas tem sido eternizado, sem que haja grandes mobilizações por uma estratégia mais inteligente.

 

“O objetivo (do livro) é discutir algo mais do que apenas fazer crítica a este ou aquele governo. A doutrina de segurança nacional tem levado à militarização da segurança pública. É uma ideologia do tempo da Guerra Fria que permitia o jogo sujo, sem regras, o vale tudo, até a execução e a tortura”, afirma.

 

Segundo ele, em 2005, a polícia registrou 63 flagrantes de tráfico de drogas nos bairros da Zona Sul e Barra da Tijuca, na Zona Oeste, número comparável às ocorrências da delegacia de São Cristóvão, na Zona Norte. Já em Bangu, bairro onde estão localizados os presídios, foram 186 flagrantes. "É claro que a repressão é feita de forma desigual", acrescenta.

“Esses dados estatísticos não refletem a realidade. Não é possível a gente acreditar nos três flagrantes, registrados nesse mesmo período, na Barra, quando sabemos que o tráfico rola solto em condomínios fechados onde a polícia não entra, se não tiver mandado de busca e apreensão”, conclui.

 

O chefe de Polícia Civil do Rio, Gilberto Ribeiro, foi procurado, através de sua assessoria, para comentar a tese defendida por Zaccone, mas ninguém retornou as ligações.

 

  Relembre o Caso Borel

Carlos Magno Oliveira Nascimento, 18 anos, estudava na Suíça, mas estava de férias no Brasil para visitar a avó, na favela do Borel, na Tijuca, Zona Norte do Rio. Durante uma operação policial na comunidade, ele e um amigo de infância foram fuzilados quando saíam de uma barbearia. Outros dois homens foram alvejados e mortos: todos trabalhadores e sem antecedentes criminais.

A tragédia, que passou a ser conhecida como Caso Borel, ocorreu num fim de tarde do dia 17 de abril de 2003, e comoveu o país. A ação foi realizada por 16 policiais do 6º BPM (Tijuca). Na época, delegado titular da 19ª DP (Tijuca) e responsável pelo inquérito, Orlando Zaccone indiciou cinco PMs por homicídio qualificado. 

Embora a versão oficial da polícia tenha sido a de que os jovens estariam trocando tiros com os policiais, nenhum dos quatro tinha antecedentes criminais, três deles trabalhavam e um era estudante.

Carlos Magno (morreu com seis tiros, dentre os quais três pelas costas - atingindo cabeça e braço direito -, e três pela frente - ombro esquerdo, bacia e clavícula, conforme laudo cadavérico 26258/2003 do Instituto Médico Legal) tinha 18 anos e residia na Suíça, onde estudava. No final da tarde do dia 17 dirigiu-se a uma barbearia, onde foi cortar o cabelo com o amigo de infância Tiago da Costa Correia, 19, técnico em manutenção de máquinas.

Tiago foi atingido por cinco tiros, quatro pela frente e um pelas costas (região dorsal direita). De acordo com o laudo cadavérico 2659/2003, ele levou uma "alta energia cinética" na saída dos projéteis, o que demonstra que alguns dos disparos foram efetuados à "queima roupa".

Os policiais militares que fizeram os disparos contra os dois rapazes – que sequer tiveram tempo para entender o que acontecia - estavam em cima de uma casa. Magno morreu na hora. Tiago ficou agonizando, no chão, aos gritos, tentando chamar a atenção de que era trabalhador e necessitava de atendimento médico. Segundo testemunhas, os policiais ficaram alheios às súplicas até que ele morresse.

 

  Os outros dois mortos

Carlos Alberto da Silva Ferreira (morto com 12 tiros, sete deles pelas costas, além de fratura no antebraço e no fêmur – cinco disparos atingiram seu braço direito e mãos direita e esquerda, demonstrando que a vítima tentava se defender dos tiros, atesta o laudo 2657/2003), 21, tinha três empregos: era pintor, pedreiro e, em épocas de carnaval, fazia armação de carros alegóricos. Uma bala de fuzil acertou sua cabeça.

Everson Gonçalves Silote (levou cinco tiros, um pelas costas, quatro pela frente -dois em regiões vitais: cabeça e coração, segundo o laudo 2660/2003), 26, era taxista e havia passado todo o dia nas unidades do Detran para regularizar a documentação de seu carro. Voltava para casa a pé, com documentos pessoais e do carro em um envelope, quando, ao chegar à Rua Independência, foi rendido pelos policiais. Ele teria sido agredido com um golpe que quebrou seu braço direito. Desesperado, gritava que era trabalhador e quando tentou retirar os documentos do envelope para se identificar foi executado.

A primeira versão oficial era de que os mortos eram perigosos traficantes envolvidos em troca de tiros com a polícia. Depois da divulgação dos laudos do IML – em que se constata que os disparos foram realizados à queima roupa – , os policiais militares envolvidos nas mortes afirmaram, em depoimento na 19ª DP, "não ter certeza" se os quatro mortos eram ou não traficantes.

As contradições provocaram uma grande mobilização dos moradores e familiares das vítimas, além de autoridades de direitos humanos de Brasília. O Governo federal determinou a presença da Polícia Federal no local para a realização de uma nova perícia, que constatou que os quatro moradores haviam sido mortos em uma emboscada.

O resultado das investigações levou o delegado Orlando Zaccone, responsável pelo caso, a indiciar cinco PMs por homicídio qualificado: o segundo-tenente Rodrigo Lavandeira, que chefiava a operação, o soldado Paulo Marco Rodrigues Emílio, o cabo Marcos Duarte Ramalho e os sargentos Sidnei Pereira Barreto e Washington Luís de Oliveira Avelino.

De acordo com o Tribunal de Justiça do Rio, dos cinco indiciados, o cabo Marcos Duarte Ramalho foi condenado e o sargento Sidnei Pereira Barreto inocentado. O Ministério Público recorreu da última decisão. Os processos referentes aos outros réus estão arquivados.

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