Blog da Amélia Gonzalez

Por Amelia Gonzalez, G1


Uma tarde cinzenta, fria e chuvosa não combina com o Rio de Janeiro, não agrada nada aos cariocas. Talvez por isso aquele senhor, que se sentou ao meu lado no Metrô, estivesse assim, entre nostálgico e apocalíptico. Puxou conversa do nada, olhando para a frente, para o entorno, como se tivesse falando para si próprio.

"A senhora já reparou? Nesses últimos tempos, de crise econômica, o Metrô está cada vez mais lotado. São pessoas que antes andavam de carro, com motorista particular, e hoje estão preferindo o transporte público, tenho certeza".

Também olhei em volta, me senti mais convidada a refletir do que a responder. Pensei que talvez o homem, possivelmente com algumas sete décadas de vida, não tenha levado em conta que a população do Rio também deu um salto. Não é nada, não é nada, mas do início deste século para cá existem mais de 700 mil pessoas andando pelas ruas da cidade, pegando ônibus, Metrô. Sim, a crise pode ter empurrado algumas muitas delas para o convívio dos menos abastados também. Concordei com o senhor.

Mas transcendi o pensamento. Gosto da provocação de alguns estudiosos que fazem questão de lembrar sempre que as cidades foram pensadas justamente para unir pessoas e, a partir daí, criar soluções. Barbara Duden, membro do Instituto para Estudos Culturais na Alemanha, escreve no artigo "Population", do excelente livro "The Development Dictionary" (Ed. Zed Books, sem tradução) vai além, e lembra que só nos anos 50 o termo "superpopulação" começou a ser uma ameaça. Afinal, conclui ela, o problema não é ter muita gente, mas é ter muita gente pobre.

Amplio as reflexões de meu vizinho no Metrô para os temas que me provocam ainda mais e que estão interligados ao aumento populacional, sim! Passamos, então, a falar sobre a poluição – que também aumentou – sobre o carbono, as mudanças climáticas. Ainda com o olhar meio à deriva, e sem demonstrar ceticismo, mas algo próximo a "esta-você-não-vai-saber-me-responder", o senhor disparou:

"Olha, toda vez que ouço notícias sobre secas e tempestades, dizendo que são resultado das mudanças climáticas, eu fico na dúvida. Será mesmo?"

Como não sou cientista, recorri aos estudos que leio para desencorajar as suspeitas de meu interlocutor, que por sorte não engrossará as fileiras dos “céticos do clima”. Chegando em casa, por coincidência, li um artigo na revista "Nature" que responde quase didaticamente à dúvida do homem nostálgico do Metrô. Uma dúvida que deve ser também de muita gente: "como saber, afinal, que as mudanças climáticas são mesmo as responsáveis por tantos desastres ambientais?"

Um grupo de cientistas alemães se debruçou durante três dias num trabalho insano para tentar responder a esta pergunta. E mais: conseguiram criar um dispositivo que vai fazer com que a agência meteorológica nacional da Alemanha seja a primeira do mundo a oferecer avaliações rápidas da conexão do aquecimento global com eventos meteorológicos específicos.

Assim mesmo, críticos podem ainda questionar sobre a capacidade de os cientistas rastrearem as flutuações climáticas. E, segundo o próprio artigo da “Nature”, pode haver ainda uma variação do clima que não seja totalmente visível num registro curto de observações.

"Em uma reunião em Oxford em 2012, alguns críticos questionaram se os cientistas do clima poderiam confiar nas conclusões dos estudos de atribuição, dada a falta de dados observacionais pontos fracos nos modelos climáticos da época. Mas, desde então, as dúvidas foram em grande parte reprimidas. Os pesquisadores agora conduzem os estudos usando vários modelos climáticos independentes, o que reduz a incerteza porque eles podem procurar por resultados que coincidam", diz o texto.

Não dá, pelo menos não ainda, para analisar pequenas tempestades de granizo ou tornados à luz das mudanças climáticas. Mas os estudos científicos podem ser cada vez mais usados para pressionar novas abordagens e políticas públicas em gestões de água, por exemplo, no caso da África do Sul, que esteve a ponto de ver todas as suas torneiras secas em junho.

Os estudos dos cientistas podem servir também para pensarmos além. Podem se tornar um serviço valioso, por exemplo, para tribunais poderem dar seu veredicto sobre acusações contra empresas de petróleo. Se, como já se descobriu, desde meados do século passado elas já sabiam dos efeitos nocivos sobre o clima que o uso abusivo dos combustíveis fósseis provocou, por que não recuaram na extração do recurso? Neste sentido, outro artigo, publicado ontem no "The Guardian" traz possibilidade de reflexões que podem nos deixar um pouco mais nostálgicos do que o senhor que me acompanhou no Metrô.

Phil McDuff, o autor do texto, diz que nem mesmo as empresas de petróleo conseguirão se beneficiar, agora, com a negação dos efeitos nocivos sobre as mudanças climáticas. Não vai mais dar tempo.

"Talvez estejamos destinados a ser o equivalente da nossa civilização ao Sr. Creosote, do Monty Python, um homem que se empanturrou até, literalmente, explodir", escreve ele.

Todos os custos aumentarão devido à mudança climática, alerta o articulista. Um estudo do grupo de trabalho da Economia das Adaptações Climáticas (ECA) descobriu que as perdas devido às mudanças climáticas podem chegar a 19% do PIB em algumas partes do mundo até 2030.

"A indústria de combustíveis fósseis nos disse que poderíamos fazer uma hipoteca apenas com juros contra o futuro do planeta e que os preços sempre subiriam, as taxas de juros sempre cairiam. Mas agora estamos diante de reembolsos na escala de trilhões de dólares. Isso nem cobre os custos humanos que essas figuras frias obscurecem: as vidas perdidas, as casas inundadas, as fazendas desperdiçadas pela seca".

Não são bons augúrios, muito menos se encaixam no perfil do pensamento que o carioca, tido como um povo simpático e brincalhão, gostaria de compartilhar. Mas o que senti, ali naquela tarde chuvosa e fria, enquanto caminhava pelas ruas apinhadas de pessoas e seus guarda-chuvas, foi que talvez esteja realmente na hora de abandonarmos essa imagem para assumirmos outra, mais madura e ciente do problemão que temos e ainda teremos pela frente. Sim, as mudanças climáticas já entraram em nossas rotinas, e talvez não tenha muito mais o que fazer, senão buscar alternativas de vida, ainda com qualidade.

Acho que a nostalgia do meu vizinho de Metrô grudou em mim. E esta chuva que não para...

Amélia Gonzalez — Foto: Arte/G1

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