• 16/09/2019
  • Por Maria Clara Vieira | Fotos Andrea Ferrari (Studiopepe), Belén Imaz (Casa Josephine) e Helenio Barbetta/Living Inside (DimoreStudio)
Atualizado em
Cor é terapia: como elas influenciam o seu bem-estar (e da sua casa) (Foto: Belén Imaz)

O escritório espanhol Casa Josephine, famoso pela utilização certeira de variados matizes em seus projetos de interiores, assina este espaço de trabalho multiuso com muito amarelo – acredita-se que o tom estimule o pensamento e a concentração

Cor é estética, é mensagem, é estilo. E, agora, também é recurso terapêutico reconhecido pelo Ministério da Saúde. Desde o ano passado, a cromoterapia entrou na lista das práticas integrativas e complementares do SUS – isso significa que a aplicação de luzes coloridas como um tipo de apoio aos tratamentos médicos convencionais começa, aos poucos, a ser disponibilizada em alguns municípios brasileiros no sistema de atenção básica. “A prática terapêutica consiste em utilizar cores do espectro solar (vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta) para restaurar o equilíbrio físico e energético do corpo”, informa o Ministério em comunicado à Casa Vogue. Trata-se de um recurso que pode ser trabalhado de diferentes formas: por contato, visualização, com auxílio de instrumentos ou cabine de luz, por exemplo.

Cor é terapia: como elas influenciam o seu bem-estar (e da sua casa) (Foto: Helenio Barbetta/Living Inside)

Os sócios do escritório italiano DimoreStudio, mestres do uso de cores em projetos cheios de personalidade, reconhecem o poder delas: escolheram o verde-suave para as paredes de sua casa em Milão, com o objetivo de transmitir sensação de calma e relaxamento no lar

Segundo o órgão, a terapia é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde e a decisão de incluí-la no SUS foi sustentada por estudos científicos que demonstram sua segurança e eficácia como auxiliar em diferentes tratamentos – desde lesões na pele até doenças respiratórias agudas. Ainda assim, não há unanimidade sobre o assunto: o Conselho Federal de Medicina emitiu nota pública crítica à inclusão da cromoterapia e similares no Sistema Único de Saúde. Segundo a entidade, “a aplicação de verbas nessa área onera o sistema, é um desperdício e agrava ainda mais o quadro do SUS com carências e faltas”. Em mensagem enviada à Casa Vogue, o CFM “recomenda que a população utilize como métodos terapêuticos apenas procedimentos e medicamentos que tenham comprovação científica sobre sua eficácia e segurança”.

Cor é terapia: como elas influenciam o seu bem-estar (e da sua casa) (Foto: Andrea Ferrari )

Nos ambientes assinados pelo Studiopepe, como esta sala da mostra Les Arcanistes, realizada durante o FuoriSalone deste ano, em Milão, cada tom tem razão de ser: “As cores agregam valor emocional, não apenas estético”, dizem as sócias do escritório italiano

A polêmica, assim como o tema, não é exatamente uma novidade: artigos científicos citam que as antigas civilizações egípcia, chinesa, grega e indiana já investigavam os poderes da luz do sol e das cores sobre a saúde. Em um salto para o presente, nos anos 1970, o naturopata e acupunturista alemão Peter Mandel buscava maneiras de aprimorar os tratamentos alternativos que oferecia, quando se deparou com pesquisas que o inspiraram a desenvolver uma técnica batizada como cromopuntura. Trata-se de um mix entre a cromoterapia e a acupuntura, mas sem agulhas, que aplica pequenos focos de luz de 16 cores e raios infravermelho e ultravioleta, com frequência e intensidade específicas, em pontos do corpo. A técnica depende de um equipamento eletrônico desenhado por ele, que se parece com uma pequena lanterna com ponta de cristal, por onde são emitidas as luzes coloridas. “A cromopuntura é harmonizadora. Ela não estimula nem inibe nada – e, sim, coloca o corpo em equilíbrio”, explica a terapeuta Helga Rayol, brasileira certificada pelo método de Mandel e que atende no Rio de Janeiro. Segundo ela, em seus mais de 15 anos trabalhando com cromopuntura, ao longo de uma série de sessões, já viu pacientes se curarem de dores crônicas, lesões graves de diabetes e sequelas de AVC.

"A cor não é uma camada extra de decoração que vem depois da construção do espaço: a cor cria o espaço. Também consideramos seu poder de transmitir sentimentos, humores ou emoções""

Pablo López Navarro, sócio do Casa Josephine

Apesar da aparência algo mística, a terapia temraízes em estudos sérios. Cientificamente, tudo começou com o médico russo Alexander Gurwitsch, que, em 1923, descobriu que as células de organismos vivos emitem radiação (luz) ultrafraca, invisível aos olhos humanos. Na década de 1970, o biofísico alemão Fritz Albert-Popp confirmou o achado, batizou as luzes de biofótons e entendeu que elas surgem a partir de reações químicas e funcionam como um meio de comunicação entre as células. “A cromopuntura fornece um padrão harmonioso e saudável ao corpo que está em desequilíbrio. A cor é uma informação para as células e as ‘lembram’ de como devem funcionar. Assim acontece a recuperação. A luz é a linguagem do corpo”, diz Helga.

+ BIG cria luminária que ajuda plantas a viverem mais 

COR E SENSAÇÃO
Se no campo da saúde o uso de cores requer mais pesquisas para ser melhor aceito, no universo da arquitetura e da decoração é inegável o poder e a força que elas têm sobre o bem-estar das pessoas. A psicóloga e socióloga alemã Eva Heller (1948-2008), autora do livro Psicologia das Cores (Ed. Gustavo Gili, 311 págs.), escreveu: “Quem trabalha com cores, como os artistas, os cromoterapeutas, os designers gráficos ou de produtos industriais, os arquitetos de interiores, os conselheiros de moda, precisam saber de que forma as cores afetam as pessoas. Embora cada um atue com suas cores individualmente, os efeitos devem ser universais.” Eva realizou uma pesquisa com 2 mil mulheres e homens entre 14 e 97 anos, de diferentes profissões, e os questionou sobre seus tons prediletos e quais associavam a diferentes sentimentos. As favoritas foram o azul (41%) – indicada pela maioria como cor da simpatia e da harmonia – e o verde (15%), apontada como cor da fertilidade e da esperança. Já branco, marrom, dourado e rosa são as menos apreciadas no geral. O rosa, porém, talvez mereça uma reavaliação.

A suíça Daniela Späth, professora e especialista em design de cores para arquitetura, descobriu que certo tom – que ela batizou como Cool Down Pink –, tem a propriedade de baixar a pressão sanguínea humana em até cinco minutos quando aplicado aos interiores. Sua pesquisa foi apoiada por um hospital e uma fabricante de tintas. O resultado “calmante” do rosa despertou o interesse de penitenciárias suíças, que usam o tom até hoje em algumas celas como tentativa de reduzir a agressividade dos detentos. Daniela conta que a cor também já foi adotada em ambientes hospitalares e escolas, para tranquilizar os frequentadores. “Deve ter muitos outros locais que utilizam a cor e fogem ao meu conhecimento, porque o interesse internacional no Cool Down Pink não cessa desde 2007”, diz.

+ Feng Shui no quarto: como aplicar e quais as dicas mais importantes

FAZ DIFERENÇA
Por tocar o emocional das pessoas, a escolha da paleta dos interiores desperta não só o interesse dos próprios moradores, mas, obviamente, também o de profissionais da área, da indústria e de cientistas. Prova disso é o recente estudo da fabricante de tintas Taubmans, conduzido com o The Florey Institute of Neuroscience and Mental Health, na Austrália. Foram analisados os impactos de 40 cores, aplicadas às paredes de ambientes, sobre as emoções de 745 participantes, com auxílio de óculos de realidade virtual – o primeiro levantamento do tipo no mundo. Ao ser exposto a uma cor, o voluntário classificava a sensação despertada dentre oito opções, de animação a irritação. “As cores certas podem fazer com que as pessoas se sintam relaxadas e calmas, ou alegres e animadas”, diz a especialista em cores Rachel Lacy, gerente na PPG ANZ, empresa detentora da marca de tintas. Segundo ela, houve predomínio da classificação de tons de amarelos para alegria; acinzentados suaves para relaxamento; brancos e beges para calma; cinza neutro para tédio; azul-profundo e cinza-escuro para tristeza e certos tons de azul-claro (associados a hospitais) foram os que geraram maior tensão. Curiosamente, rosa-vivo e laranja tiveram resultados tanto para animação como para irritação, a depender da pessoa – daí a dica de usá-los com moderação. “Para projetos residenciais, os designers podem convidar a família a um exercício simples de avaliação das preferências individuais e respostas de humor às cores. Isso ajuda a definir com quais tons eles querem conviver diariamente”, sugere a professora Julie Bernhardt, pesquisadora do The Florey Institute.

TOQUE DE MESTRE
Quando o assunto é coloração de interiores, é inevitável pensar em nomes como os dos italianos DimoreStudio e Studiopepe, ou dos espanhóis Casa Josephine, referências em criação de ambientes onde cada tom é certeiro. “Para nós, a cor não é uma camada extra de decoração que vem depois da construção do espaço: a cor cria o espaço”, opina Pablo López Navarro, sócio do estúdio Casa Josephine. “Também consideramos seu poder de transmitir sentimentos, humores ou emoções. Contrastes ousados e brilhantes na parede certamente trarão um clima violento ou irrequieto”, ensina ele.

Arianna LelliMami e Chiara Di Pinto, as sócias do Studiopepe, seguem a mesma linha de raciocínio e dizem que muito de seu tempo é empregado no teste de novas combinações. “Adoramos investigar as sensações e experiências subjetivas e objetivas ligadas às cores. Elas agregam valor emocional, não apenas estético”, pontuam. Já Emiliano Salci e Britt Moran, do DimoreStudio, reforçam a importância de ser extremamente preciso em relação às nuances selecionadas. “A escolha final não afetará apenas a percepção geral de um ambiente, mas também as sensações e os sentimentos produzidos como reação”, anunciam eles. “Como exemplo, para nossa casa em Milão, trabalhamos muito como verde-suave, que transmite calma e relaxamento”.

A autora do livro Comunicação com Cores (Ed. Senai-SP, 176 págs.), Paula Csillag, instrui que existe, obviamente, uma questão subjetiva e ampla na percepção cromática, mas defende que há também fatores objetivos. “Enquanto eu escrevia o livro, perguntei a vários arquitetos e decoradores quais eram os critérios deles para usar cores. Muitos respondiam que era intuição ou gosto – e isso me incomodava. Se o profissional faz um projeto de decoração, mas não conhece a gramática das cores, vai cometer erros”, diz ela, que é professora da ESPM, consultora de cores e presidente da Associação ProCor. “Alguns tons ampliam, outros diminuem o ambiente. Há cores calmantes, outras energéticas. Isso é a gramática das cores." Ao mesmo tempo em que é preciso muito estudo e cautela na escolha da paleta, Pablo López Navarro sentencia que não se deve ter medo: “A chave está no equilíbrio certo. As cores não operam no espaço individualmente, mas como uma melodia”. Que suas cores estejam afinadas – tanto na residência como na chamada casa-corpo.

*Esta reportagem foi originalmente publicada na edição de agosto da Casa Vogue

Acompanha tudo de Casa Vogue? Agora você pode ler as edições e matérias exclusivas no Globo Mais, o app com conteúdo para todos os momentos do seu dia. Baixe agora!