Por G1 MG — Belo Horizonte


João Bosco publicou nota de repúdio contra alusão de música dele e de Aldir Blanc em operação da PF. — Foto: Facebook/Reprodução

O músico mineiro João Bosco publicou em sua página no Facebook uma nota de repúdio contra o nome da operação “Esperança Equilibrista”, realizada pela Polícia Federal e Controladoria Geral da União (CGU), que faz alusão a um trecho da música “O Bêbado e a Equilibrista”, composta por ele e Aldir Blanc, considerada o “hino dos anistiados”.

A ação conduziu coercitivamente o reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Jaime Arturo Ramirez, a vice-reitora, Sandra Regina Goulart Almeida, e o presidente da Fundação de Desenvolvimento e Pesquisa (Fundep), Alfredo Gontijo de Oliveira. A operação apura um suposto desvio de cerca de R$ 4 milhões em recursos públicos na construção do Memorial da Anistia Política do Brasil.

“Essa canção foi e permanece sendo, na memória coletiva do país, um hino à liberdade e à luta pela retomada do processo democrático. Não autorizo, politicamente, o uso dessa canção por quem trai seu desejo fundamental”, disse o músico em publicação. (leia ao fim da reportagem a nota na íntegra).

Professores protestam em frente à sede da Polícia Federal. — Foto: Raquel Freitas/G1

Bosco ainda escreveu que a ação é um ataque à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“Fica aqui portanto também a minha defesa veemente da universidade pública, espaço fundamental para a promoção de igualdades na sociedade brasileira. É essa a esperança equilibrista que tem que continuar”.

A Polícia Federal ainda não se pronunciou sobre a nota de repúdio.

Ministério Público Federal

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal, disse, também em nota, que “considera ser infeliz a denominação dada à operação policial, a qual se apropria de passagem de música de Aldir Blanc e João Bosco, imortalizada na voz de Elis Regina, e que se tornou hino da luta por liberdades e direitos no país”.

A PFDC disse também que a implementação do Memorial da Anistia Política “é indispensável para a preservação da memória sobre as graves violações aos direitos humanos perpetradas durante a ditadura militar no Brasil”.

Ainda segundo a nota, “Qualquer iniciativa de investigação de desvios de recursos na implementação do Memorial não pode ser usada para depreciar a importância jurídica e histórica da preservação da memória sobre o legado de violações aos direitos humanos no regime militar autoritário”. A PFDS também questionou “o eventual uso exagerado de medidas coercitivas, especialmente no ambiente da academia”.

Comissão da Verdade

Em nota, integrantes da Comissão da Verdade em Minas Gerais (Covemg) se disseram surpresos e indignados com a operação da Polícia Federal.

“Há um evidente ataque de setores conservadores e autoritários contra a Universidade brasileira e tudo o que essas instituições representam para o Brasil”, disse a entidade.

Ainda segundo a Covemg, a “construção do Memorial da Anistia em Belo Horizonte é um complexo projeto arquitetônico e de engenharia que envolve a reforma de prédios antigos e a construção de novos equipamentos em terreno com problemas estruturais. Portanto, o devido acompanhamento dessa obra, paralisada a fórceps pelo atual governo federal, não deveria ser objeto de ação policial e sim, de adequações financeiras, técnicas e administrativas”.

Nota de João Bosco na íntegra

"Recebi com indignação a notícia de que a Polícia Federal conduziu coercitivamente o reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, Jaime Ramirez, entre outros professores dessa universidade. A ação faz parte da investigação da construção do Memorial da Anistia. Como vem se tornando regra no Brasil, além da coerção desnecessária (ao que consta, não houve pedido prévio, cuja desobediência justificasse a medida), consta ainda que os acusados e seus advogados foram impedidos de ter acesso ao próprio processo, e alguns deles nem sequer sabiam se eram levados como testemunha ou suspeitos. O conjunto dessas medidas fere os princípios elementares do devido processo legal. É uma violência à cidadania.

Isso seria motivo suficiente para minha indignação. Mas a operação da PF me toca de modo mais direto, pois foi batizada de “Esperança equilibrista”, em alusão à canção que Aldir Blanc e eu fizemos em honra a todos os que lutaram contra a ditadura brasileira. Essa canção foi e permanece sendo, na memória coletiva do país, um hino à liberdade e à luta pela retomada do processo democrático. Não autorizo, politicamente, o uso dessa canção por quem trai seu desejo fundamental.

Resta ainda um ponto. Há indícios que me levam a ver nessas medidas violentas um ato de ataque à universidade pública. Isso, num momento em que a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, estado onde moro, definha por conta de crimes cometidos por gestores públicos, e o ensino superior gratuito sofre ataques de grandes instituições (alinhadas a uma visão mais plutocrata do que democrática). Fica aqui portanto também a minha defesa veemente da universidade pública, espaço fundamental para a promoção de igualdades na sociedade brasileira. É essa a esperança equilibrista que tem que continuar".

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