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Recuperação econômica impulsiona socialistas na eleição em Portugal

Apostando na combinação de medidas de alívio com disciplina fiscal, o premier António Costa é favorito à reeleição; ministro das Finanças virou estrela da campanha
Favorito para mais um mandato, premier António Costa participa de evento de campanha em Lisboa. Estratégia de governo combinando ajuste fiscal e estímulos à economia são base de sua popularidade Foto: RAFAEL MARCHANTE / REUTERS
Favorito para mais um mandato, premier António Costa participa de evento de campanha em Lisboa. Estratégia de governo combinando ajuste fiscal e estímulos à economia são base de sua popularidade Foto: RAFAEL MARCHANTE / REUTERS

LISBOA — Os portugueses irão às urnas no domingo para eleições gerais nas quais, impulsionado pelo bom desempenho da economia nos últimos quatro anos, o premier António Costa , do Partido Socialista (PS), de centro-esquerda, é favorito à reeleição, segundo as pesquisas. Na reta final da campanha, o PS tem 8,9 pontos de vantagem sobre o Partido Social-Democrata (PSD), de centro-direita, cujo candidato a primeiro-ministro é Rui Rio , ex-deputado e ex-prefeito do Porto.

Os portugueses apoiam a preferência pelos socialistas em números da retomada econômica — que combinou medidas de alívio da austeridade imposta após a crise financeira de 2008 com uma alta carga de impostos (35,4% do PIB) e uma disciplina fiscal que levou Portugal a ter o menor déficit orçamentário em 45 anos. O aperto, por sua vez, sofre críticas de sindicatos e dos aliados à esquerda de Costa.

— O governo foi capaz de acertar as contas e melhorar a qualidade de vida. Não me parece possível Costa perder — disse Isabel David, cientista política e professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

Ânimo com emprego

Portugal começou a ressurgir em 2015 dos estragos de 2008, quando teve que pedir ajuda financeira à troika formada por FMI , Banco Central Europeu e Comissão Europeia . Em 2016, o governo de Costa reverteu alguns dos cortes nas aposentadorias e salários impostos no auge da crise, adotando medidas de incentivo ao consumo, aos investimentos e ao turismo. O salário mínimo, que era de € 505 há quatro anos, está em € 600, mas ainda é um dos mais baixos da Europa.

Em agosto, a taxa de desemprego foi de 6,2%, a mais baixa dos últimos 17 anos. Há pouco mais de 300 mil desempregados — em uma população de 10,3 milhões —, a menor quantidade em 28 anos e cerca de 40 mil a menos que no mesmo período de 2018. Na Espanha, outro dos países mais atingidos em 2008, a taxa é de 13,8%.

Recuperação econômica favoreceu governo do PS em Portugal
Taxa de crescimento real do PIB
Taxa de desemprego
Valores em (%)
3,51
15,5
2,02
13,9
2,44
1,79
1,74
16,2
11,1
10,8
0,79
0,32
12,7
12,4
7,6
7
9,4
8,9
-0,92
-1,70
6,2
-3,12
-4,06
2008
09
10
11
12
13
14
15
16
17
18
2019
2008
09
10
11
12
13
14
15
16
17
2018
Fontes: Eurostat, Instituto Nacional de Estatística (INE) de Portugal e Pordata
Recuperação econômica favoreceu governo do PS em Portugal
Taxa de crescimento real do PIB
Valores em (%)
3,51
2,02
2,44
1,79
1,74
0,79
0,32
-0,92
-1,70
-3,12
-4,06
2008
09
10
11
12
13
14
15
16
17
2018
Taxa de desemprego
15,5
13,9
16,2
11,1
10,8
12,7
12,4
7,6
7
9,4
8,9
6,2
2008
09
10
11
12
13
14
15
16
17
18
2019
Fontes: Eurostat, Instituto Nacional de Estatística (INE) de Portugal e Pordata

— Fiz um estudo com o professor Francisco Veiga no qual descobrimos que, na esmagadora maioria das eleições em Portugal, se o desemprego diminuía, o governo era reeleito — disse o professor Pedro Goulart , investigador do Centro de Administração e Políticas Públicas da Universidade de Lisboa.

Em meados de setembro, o Instituto Nacional de Estatística (INE) fez uma revisão das taxas de crescimento do PIB. O número de 2017, por exemplo, passou de 2,8% para 3,5%. Foi então que entrou em campo a estrela da campanha e do governo do PS: Mário Centeno , ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo, formado pelos ministros econômicos da zona do euro. Foi ele que anunciou a revisão dos números.

— É uma revolução da qual muitos ainda nem se deram conta — disse Centeno, candidato ao Parlamento por Lisboa.

O premier português António Costa (de costas) dá um abraço no ministro das Financas, Mário Centeno (esq.), durante evento de campanha em Lisboa Foto: RAFAEL MARCHANTE / REUTERS
O premier português António Costa (de costas) dá um abraço no ministro das Financas, Mário Centeno (esq.), durante evento de campanha em Lisboa Foto: RAFAEL MARCHANTE / REUTERS

Paradoxalmente, o governo socialista adotou um apelido que foi dado a Centeno pelo ex-ministro da Economia da Alemanha, o ortodoxo Wolfgang Schäuble. Ele chamou Centeno de “ Ronaldo das finanças ”.

— Ser chamado de Cristiano Ronaldo das Finanças pelo homólogo alemão teve impacto muito positivo para Mário Centeno e para o governo. O povo português teme aventuras econômicas, o PS percebeu e joga com a carta da responsabilidade — explicou David.

Rui Rio buscou equiparar seu possível ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento , ao atual. Sugeriu um debate entre os dois e disse que também tinha um “Mário Centeno” para escalar. Costa rebateu:

— Mas eu não troco o meu pelo seu, fique já descansado. E os portugueses também não.

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Em um comício em Coimbra , o poeta e escritor Manuel Alegre, ex-deputado e dirigente histórico do PS, entrou na disputa:

— Centeno só há um, e é o nosso. Eu sei que há muitos que não gostam, eu próprio às vezes também não gosto, mas não há políticas de esquerda sem rigor nas contas públicas.

Mobilização por salários

Centeno, porém, é alvo de críticas da oposição e até mesmo de aliados, como Jerônimo de Souza, secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP), que forma, ao lado do PS e do Bloco de Esquerda, a chamada Geringonça , coalizão informal de esquerda que sustenta o governo de Costa.

— Não há desculpas para manter os atuais níveis de investimentos em serviços públicos — criticou Jerônimo em um comício.

Cerca de 2,2 milhões de portugueses vivem em risco de pobreza e o Sistema Nacional de Saúde (SNS) tem déficit de médicos e enfermeiros em cidades do interior; 30% dos pacientes esperaram tempo além do recomendado por uma cirurgia.

— Recuperamos aquilo que tinha sido destruído. Na próxima legislatura, vamos fazer o avanço que o SNS precisa — prometeu Costa.

Para estabilizar as contas públicas na era da troika, o governo congelou carreiras e reduziu contratações. Agora, sindicatos de funcionários públicos reivindicam o reajuste, fizeram dezenas de greves nos últimos quatro anos e prometem voltar a parar até serem atendidos.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ( OCDE ) avaliou que a retomada da economia portuguesa está consolidada, mas alertou para a necessidade de fortalecer a resistência diante de previsões de uma nova recessão, como a que poderia ocorrer na Alemanha, grande parceira comercial de Portugal.