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Brasil Conte algo que não sei

Lars Amber, jornalista: "Produção de armas é a vaca sagrada da Suécia"

Escritor sueco veio ao Rio finalizar investigação sobre suposto caso de corrupção envolvendo a negociação de aviões de guerra com o Brasil
"Acho que o mais interessante, para os brasileiros, é ver a hipocrisia que existe em imaginar os países da Escandinávia como acima de suspeita", diz o jornalista Lars Amber Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
"Acho que o mais interessante, para os brasileiros, é ver a hipocrisia que existe em imaginar os países da Escandinávia como acima de suspeita", diz o jornalista Lars Amber Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

"Adotei o pseudônimo Lars Amber para investigar suspeitas de corrupção na compra de caças suecos Gripen pelo Brasil, em 2014. Isso rendeu um romance, 'Que sacode a Suécia nas suas fundações', em que personagens fictícios representam pessoas da vida real. O livro será lançado este mês, em Estocolmo."

Conte algo que não sei.

A produção de armamentos é uma espécie de "vaca sagrada" da Suécia. Lá, a neutralidade armada é uma doutrina sacrossanta. Não faria sentido, financeiramente, vender armas apenas dentro do país. Então, as empresas suecas precisam exportar. Isso faz com que a pequena e neutra Suécia seja um dos maiores exportadores de armas do mundo, rivalizando com Israel.

A imagem da Suécia de "país-modelo" é um mito?

A inocência sueca foi perdida em fevereiro de 1986, quando o primeiro-ministro Olof Palme foi assassinado em plena rua, no centro de Estocolmo. Aquilo trouxe à tona o rastro vermelho da venda de armas na Suécia. Minha tese é de que Palme, depois de descobrir propinas em um contrato de venda de canhões para a Índia, foi eliminado pelo cartel de armas. Acho que ali a Suécia caiu na real.

Há diferenças entre a corrupção de países escandinavos e a do Brasil?

Alguns anos atrás, a vice-primeira-ministra sueca perdeu o cargo porque usou seu cartão corporativo para comprar, entre outras coisas, duas barras de chocolate. Na Suécia, o cidadão comum fica ofendido com esse tipo de pequeno deslize. Por outro lado, os suecos não reagem às suspeitas de propina em contratos bilionários de venda de armas e equipamentos de guerra.

Por quê?

O modelo sueco está baseado em um consenso histórico: é melhor trabalhar junto do que ser antagonista. O problema é que, quando se é tão pragmático, você perde um pouco do foco. Parece um pouco bizarro o diretor de uma empresa de armamentos viajar com um representante sindical, não é? Um sindicato não deve vender armas. Esse pragmatismo foi tão longe que as pessoas envolvidas estão saindo de seus papéis, cruzando fronteiras não escritas.

Que tipo de debate você pretende despertar com seu novo livro?

Quero fazer as pessoas se darem conta de que há corrupção na Suécia também. Hoje, a imagem do Brasil é péssima lá fora, fala-se em "maior corrupção do Ocidente", e talvez seja mesmo. Mas, nesse caso da venda dos caças Gripen, houve corrupção dos dois lados. Acho que o mais interessante, para os brasileiros, é ver a hipocrisia que existe em imaginar os países da Escandinávia como acima de suspeita.

Quais são os outros problemas da Suécia hoje em dia?

Como em qualquer país atualmente, há uma decepção geral com os políticos, que não conseguem dar respostas a situações como a crise dos imigrantes. A Suécia tem um histórico de estar aberta a exilados, mas essa tradição não é mais tão aceita pela população. Há angústias pelo aumento do desemprego e pelo crescimento da extrema-direita.

Trabalhar disfarçado por dois anos deixou algum impacto na sua personalidade?

Quando você assume outra identidade, passa a se questionar. Sei que vou ter que viver como Lars pelo menos por mais um ano. Estou batendo em portas e conversando como Lars. Daqui a pouco eu serei Lars. Pensei em outro pseudônimo e descobri que poderiam, pela internet, chegar a mim através dele. Não sei se estou totalmente blindado, espero que sim.