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Verbas públicas para comunidades do Rio caem 69% entre 2013 e 2018

Levantamento do gabinete da vereadora Teresa Bergher mostra que investimentos para programas de proteção de encostas, Cimento Social, PAC, limpeza e urbanização, entre outros, têm minguado
Regina Calixto, de 61 anos, em sua casa no Morro do Andaraí, condenada pela Defesa Civil municipal desde 2014: doente e com um filho com deficiência, ela briga na Justiça contra a prefeitura para tentar receber aluguel social Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo
Regina Calixto, de 61 anos, em sua casa no Morro do Andaraí, condenada pela Defesa Civil municipal desde 2014: doente e com um filho com deficiência, ela briga na Justiça contra a prefeitura para tentar receber aluguel social Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo

RIO — Há cinco anos, Regina Calixto, de 61 anos, que tem úlcera varicosa em uma das pernas, olha para uma encosta do Morro do Andaraí com o coração apertado. Quando chove forte, chora. Mas não sai dali. Doente, caminha mal, precisa do hospital público e da Clínica da Família do bairro. Ela se resignou a viver numa das casas da favela condenadas pela Defesa Civil desde 2014. É uma das muitas pessoas que moram em áreas de risco no Rio.

LEIA: Na Rocinha, 25 casas estão interditadas por causa da chuva; campanha arrecada donativos para as vítimas

A casa de Regina fica no local conhecido como Parque João Paulo II. A alvenaria, degradada, está escorada por pedaços de madeira. É ali que ela vive junto de um filho com deficiência. Histórias como a dela foram pano de fundo da tragédia que se abateu sobre a cidade com a tempestade da última quarta-feira, que deixou sete mortos. A forte chuva ganhou tons dramáticos em áreas de risco do Vidigal e da Rocinha.

O poder público não tem dado conta do problema que, a considerar os investimentos, não parece prioridade. Levantamento do gabinete da vereadora Teresa Bergher (PSDB) mostra que os gastos da prefeitura em comunidades têm minguado. As verbas para programas de proteção de encostas, Cimento Social, PAC, limpeza e urbanização, entre outros, caíram 69% entre 2013 e 2018: em valores corrigidos, passaram de R$ 598,4 milhões para R$ 184,5 milhões. Uma perda real de R$ 413,9 milhões. Dividido, o montante representou, no ano passado, R$ 181,2 mil por favela, ou R$ 128,60 por morador.

ações orçamentárias
Despesas líquidas* em milhões de reais
Geo-rio
Comlurb
72,5
67
72,2
64,9
41,7
27,7
20,8
20
17,2
16,5
19,5
16,8
2013
14
15
16
17
2018
2013
14
15
16
17
2018
Subsecretaria de Projetos
Domicílios Precários
Secretaria municipal de
Infraestrutura e Habitação
505
322
269,7
170,4
125,8
115,1
5,6
7,0
0
0
0
0,47
2013
14
15
16
17
2018
2013
14
15
16
17
2018
Secretaria municipal de
Desenvolvimento, Emprego
e Inovação
Total geral das ações
598,4
413,9
361,4
204,4
215,4
184,5
Não
existia
0,15
0,09
0
0
0,09
2013
14
15
16
17
2018
2013
14
15
16
17
2018
*Valores atualizados pelo IPCA-E de dez/2018
Fonte: Gabinete da vereadora Teresa Bergher, com base no Fincon
ações orçamentárias
Despesas líquidas*
em milhões de reais
Geo-rio
72,5
67
72,2
64,9
41,7
27,7
2013
14
15
16
17
2018
Secretaria municipal de
Infraestrutura e Habitação
505
322
269,7
170,4
125,8
115,1
2013
14
15
16
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2018
Subsecretaria de Projetos
Domicílios Precários
5,6
7,0
0
0
0
0,47
2013
14
15
16
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Comlurb
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20
17,2
16,5
19,5
16,8
2013
14
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2018
Secretaria municipal de
Desenvolvimento, Emprego
e Inovação
Não
existia
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0,09
0
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0,09
2013
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15
16
17
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Total geral das ações
598,4
413,9
361,4
215,4
204,4
184,5
2013
14
15
16
17
2018
*Valores atualizados pelo IPCA-E de dez/2018
Fonte: Gabinete da vereadora Teresa Bergher, com base no Fincon

Favelização ininterrupta

Também morador do Andaraí, Douglas Fernandes de Souza, de 28 anos, conta que, no dia do temporal em que seis pessoas morreram, repensou a vida mais uma vez e sentiu muito medo:

— Cheguei com tudo inundado. Não consegui dormir pensando se a encosta ia desabar. Quero sossego. Vou para Santa Cruz. Não me importa a distância do trabalho.

Ele se referia a uma oferta para morar num imóvel do Minha Casa Minha Vida, para onde não pôde ir porque sua casa está no nome da mãe, que morreu. O município ainda não o reconheceu como novo dono. Regina recusou mudança semelhante e briga na Justiça pelo aluguel social:

— Preciso ficar perto de quem pode me ajudar — diz Regina, que depende dos amigos para auxiliá-la devido a limitações físicas. — Minha vida é aqui. Posso viver num quarto.

As complicações dessa população desassistida contribuem para adiar a solução do teto seguro. Entre a casa de Regina e a de Douglas, ficava um imóvel que foi abaixo numa enxurrada. O dono sumiu no mundo. Esse entra e sai de moradores, à mercê dos incidentes, sem uma ação efetiva do Estado, contribui para a expansão desordenada das favelas.

Segundo a presidente da Associação de Moradores do Parque João Paulo II, Cláudia Maria da Costa, das 206 famílias cadastradas, 16 não foram reassentadas. Quatro não quiseram sair. E o perigo continua a rondar pela falta de infraestrutura.

— Nossas canaletas estão cheias de mato, e a rede de esgoto é insuficiente. As encostas são uma preocupação — diz ela, acrescentando que técnicos da Geo-Rio fazem vistoria, mas não retornam.

VEJA: Moradora do Vidigal presenciou morte de vizinha enquanto corria para salvar a filha durante o temporal

Último grande programa, o Favela-Bairro foi vencido pela desordem crescente. Mais de 1,3 milhão de moradores de comunidades têm redes de água e esgoto precárias e convivem com lixo, valões fétidos e riscos de deslizamentos. No Complexo da Camarista Méier, o fotógrafo André Luís Bezerra da Silva ainda usa poço artesiano para abastecer a casa.

— Nossa água não tem tratamento, e as crianças adoecem. Parte da canalização foi feita, mas a obra parou — queixa-se André, que já procurou a Cedae, o MP e até o governo estadual, mas ficou sem resposta.

Tentativas, erros e alguns poucos acertos

PAC mais que empacado

Lançado pelo governo federal, o Programa de Aceleração do Crescimento acenava com a promessa de investir R$ 2,1 bilhões em favelas do Rio. Nos últimos 12 anos, contemplou 18 comunidades, como Manguinhos, Rocinha e Alemão. Muitas das obras (executadas pelo município ou pelo estado) estão inacabadas. Há ainda projetos concluídos que, depois, foram abandonados pelo poder público, como a Avenida Leopoldo Bulhões, em Manguinhos.

Morar Carioca sem resposta

Sucessor do Favela-Bairro, o Morar Carioca foi colocado em prática pela prefeitura em 2010, na gestão de Eduardo Paes. Seriam beneficiadas 14 áreas que tinham Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Estimava-se um investimento de R$ 900 milhões. Na lista de comunidades, estavam, entre outras, Providência, Babilônia e Chapéu Mangueira. Os projetos previstos pelo programa incluíam ações como pavimentação e reflorestamento.

Favela-Bairro foi modelo

Programa de urbanização da prefeitura, foi criado em 1995 e seguiu até 2007. É considerado um modelo na área de políticas públicas pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Na primeira e na segunda fase do projeto, foram investidos, pelo BID e pela prefeitura, cerca de US$ 600 milhões, para urbanizar 102 favelas e 24 loteamentos irregulares. As inciativas também contemplavam outra questão importante: a concessão de títulos de propriedade.