Opinião

Coragem nas eleições de 2018

Cumpre aos candidatos a coragem de buscar, pelo debate, a compreensão dos eleitores de que o Estado sequestrado não os beneficia, mas sim à minoria que dele se apoderou

É impossível iniciar 2018 sem refletir sobre o que as eleições de outubro reservarão ao país. A nosso ver, isto depende menos de quem serão os candidatos e mais da sua coragem em discutir, com honestidade e clareza, os assuntos urgentes para o Brasil. Porque a situação do país é grave, e somente quem tiver jogado limpo na eleição terá legitimidade para fazer o que é preciso depois da posse. Os demagogos não chegarão ao final dos mandatos ou, pior, nos levarão direto ao fundo do poço.

Entre os assuntos mais delicados, mas que precisam ser enfrentados com coragem, está a reforma do Estado brasileiro. Se o Estado sucumbir, dominado pelas minorias que o agigantaram e o sequestraram, a democracia também pode fraquejar, cedendo lugar a falsas soluções, milagrosas e radicais.

Neste e em outros temas, a alternativa que se apresenta em 2018 é muito melhor. Trata-se de, democraticamente e sem ruptura, livrar o Estado brasileiro dos interesses daqueles poucos que dele se apropriaram, redimensionando-o para os serviços e os destinatários a que realmente precisa dedicar-se, que são a maioria de nossa população.

Haverá, é claro, resistência dos interesses atingidos. Entidades que representam empresários favorecidos com subsídios, empréstimos a taxas módicas, benefícios tributários e relações por vezes promíscuas com empresas estatais e outros entes governamentais, vão reagir. Lideranças sindicais de funcionários públicos que se acostumaram com aposentadorias precoces, salários iniciais superiores aos de mercado, jornadas de trabalho reduzidas e produtividade e eficiência muito abaixo das desejadas também se agarrarão a suas vantagens.

Não há nada de errado em que os interessados defendam seus pontos de vista, desde que o façam às claras e por métodos legítimos. Mas cumpre aos candidatos ter a coragem de buscar, pelo debate, o convencimento dos eleitores, e a compreensão, por estes, de que o Estado sequestrado não os beneficia, mas sim à minoria que dele se apoderou. A demagogia corporativista ou será derrotada pelo voto ou pela falência do Estado. O melhor, para todos, inclusive os que se beneficiam do estado atual de coisas, é que a mudança venha pelo voto.

Este é um dos assuntos em que não pode haver meias palavras na boca de candidatos, porque será preciso agir após a posse, e não vale a pena ganhar e depois fraquejar, pagando o alto preço da omissão. É preciso enfrentar o tema em todas as suas frentes. Às questões mais presentes no debate público — como a reforma da Previdência e a privatização de estatais — devem somar-se outras, como a extinção de subsídios, a adequada regulação dos serviços públicos concedidos e a prestação de serviços de saúde e educação de qualidade, geridos modernamente, oferecidos gratuitamente a quem não possa por eles pagar e mediante cobrança justa a quem possa.

O funcionalismo público é um caso à parte, e de extrema relevância na demonstração de coragem dos candidatos. É fundamental realizar uma radical alteração de paradigma, reduzindo-se ao mínimo os cargos de confiança, vinculando parte relevante da remuneração a resultados mensuráveis e estabelecendo planos de carreira em que os salários cresçam à medida em que aumente a eficiência e a satisfação de quem usa os serviços públicos — inclusive no campo vital da segurança. Um modelo em que a carreira pública volte a ser um plano de vida e de realização dos mais elevados valores da cidadania, e não um objetivo egoísta tido por alcançado com a mera aprovação no concurso.

Haverá muitos custos na transição de um Estado sequestrado para um Estado eficiente, e isto também precisa ser discutido às claras. Propostas que impliquem ruptura não são palatáveis na prática democrática. Os candidatos precisam ser criativos e conceber períodos de transição, de adesão voluntária incentivada aos novos regimes e outros mecanismos que viabilizem as reformas.

Refundar o Estado brasileiro, em todas as suas dimensões, é tarefa árdua, como tantas outras que desafiam o país. Mas se este e outros temas relevantes forem debatidos com coragem nas campanhas de 2018, os compromissos dos eleitos, sejam quem forem, serão irreversíveis, e o Brasil reafirmará a sua vocação democrática.

Bernardo Rocha de Rezende (Bernardinho) é economista, empresário e treinador bicampeão olímpico de vôlei. Marcelo Trindade é advogado e professor no Departamento de Direito da PUC-Rio.