Por Fernando Oliveira, G1 Ribeirão Preto e Franca


A pequena Maria Helena com os pais Ana Flávia e Samuel ao completar seu primeiro ano em Rifaina, SP — Foto: Divulgação/Arquivo Família

Há quatro meses, Maria Helena se apoiou na mesa de centro da sala e, pela primeira vez, ficou de pé. Foi um dos momentos mais marcantes da família Costa, em Rifaina (SP), e o início de uma nova etapa da vida da menina de um ano e seis meses de idade.

Mas, aos poucos, a alegria deu lugar à dúvida e, consequentemente, à preocupação. Há um mês, Maria Helena foi diagnosticada com síndrome de depleção do DNA mitocondrial 9, uma doença degenerativa rara e suas únicas informações sobre tratamento ainda estão em estudos.

“É algo desesperador. O apelo que fazemos é para encontrar algum tratamento urgente”, diz a mãe, Ana Flávia Mateus Costa. “Nós estamos em oração. Na situação em que nós encontramos, somente com orações para salvá-la”, revela o pai, Samuel Costa.

Ao tomar conhecimento de um estudo feito nos EUA para tratar a doença, com ajuda de um médico, o casal enviou uma carta à universidade, pedindo que Maria Helena seja aceita entre os voluntários da pesquisa. A família, no entanto, ainda não teve resposta.

Corrida contra o tempo

A busca para reduzir os efeitos da doença é um sonho cada dia maior na família. Diariamente, eles travam uma luta para saber o que fazer para evitar a perda da força muscular da criança e a dificuldade de movimento. Maria Helena, não se levanta mais.

“Atualmente, a Maria Helena não senta, não engatinha, custa controlar a cabecinha dela, está muito molinha e a gente vê que hoje ela não segura mais nada. A cada dia ela está piorando”, relata a mãe.

Ana Flávia conta que até um ano e dois meses de idade, a menina não apresentava nenhum sintoma da doença. “Ela começou a engatinhar e até ficar de pé. Logo em seguida, ela começava a cair, não sentava mais. Ficamos preocupados e fomos procurar uma neurologista.”

Os primeiros passos foram exames de ressonância magnética realizados em Ribeirão Preto (SP). Ana Flávia lembra que, neles, foram constatados apenas que a menina era portadora de uma doença degenerativa. “Vimos que tinha algo anormal e que teríamos que pesquisar mais”, lembra.

A família foi encaminhada para São Paulo. Lá, Maria Helena foi submetida a exames de sangue e exoma, que realizou todo o mapeamento genético dela. Quase 30 dias depois, o diagnóstico: síndrome de depleção do DNA mitocondrial 9 – gene SUCLG1.

Maria Helena teve evolução natural até um ano e dois meses até família descobrir a Síndrome em Rifaina, SP — Foto: Divulgação/Arquivo Família

Passaporte pronto

A partir daí, a família passou a buscar informações sobre a doença. Há duas semanas, os pais de Maria Helena foram a Campinas para mais procedimentos médicos e dados que contribuíssem para o progresso dela. Chegaram a providenciar o passaporte da menina para o caso do surgimento inesperado de alguma novidade em tratamento fora do país.

Em setembro, o pai da bebê recebeu uma informação que fez surgir uma nova esperança na família. Estudos sobre a doença existentes na Coréia do Sul podem ser o novo ponto de partida para o tratamento.

“Os médicos daqui têm muitas informações de instituições americanas, que são cheias de restrições. Na Coréia do Sul há menos burocracia e pode ser que esteja mais avançado, embora não haja publicação na literatura científica”, diz Costa.

O pai diz que a doença se agrava em sua totalidade, em média, em dois anos. “Por ser uma doença degenerativa, nós não temos muito tempo. É uma agonia, uma dor muito grande, mas, se Deus quiser, vamos superar”, afirma, emocionado.

Alteração genética

O G1 entrou em contato com três médicos geneticistas para entender a síndrome de depleção do DNA mitocondrial (SDM). Eles explicam que é uma alteração na quantidade de DNA, causando incapacidade de gerar energia ao organismo, sobretudo ao cérebro, o maior consumidor.

O neurogeneticista Fernando Kok foi quem diagnosticou a doença na pequena Maria Helena, em agosto, em um laboratório de investigação genética, em São Paulo.

“O cérebro consome 25% da nossa energia. É a região mais afetada quando existe menor capacidade de gerar energia. Isso acaba levando a alterações que são principalmente neurológicas”, aponta.

Ele diz que a SDM é uma doença genética raríssima, reconhecida há pouco mais de três anos por estudos científicos. “Algumas dessas doenças são ainda mais raras e têm dificuldade de acesso ao diagnóstico”, afirma.

Normalmente manifestada na infância, entre os efeitos está o enfraquecimento muscular progressivo, que causa limitações físicas na criança.

Maria Helena luta por recuperação de doença degenerativa em Rifaina, SP — Foto: Divulgação/Arquivo Família

Fisioterapia e acompanhamento nutricional

Membro da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genoma, a médica Carolina Fischinger Moura de Souza, do Rio Grande do Sul, detalha que para diminuir os efeitos da doença, é recomendável acompanhamento multidisciplinar em algumas especialidades.

A médica elenca a fisioterapia, que ajuda a melhorar as funções motoras e prevenir as contraturas. O acompanhamento alimentar é importante para prevenir a desnutrição. “É necessária fisioterapia respiratória, cuidados com as infecções e, em caso de convulsão, tem que tratar com medicação específica. Os tratamentos são praticamente sintomáticos”, declara.

“Às vezes, é necessário colocar um tubinho no nariz para se alimentar porque os pacientes têm dificuldade para deglutir. Outras vezes precisa da gastrostomia, que é o orifício no estômago, para passar o alimento”, relata.

Hereditariedade

A médica Carolina Fischinger explica também que para o surgimento da doença genética, provavelmente, exista uma alteração genética no pai ou na mãe. Uma vez diagnosticada a SDM, existem 25% de chances da doença se desenvolver em outro filho.

“Normalmente o paciente deve passar por uma consulta de aconselhamento genético e fazer, se possível, o diagnóstico pré-natal para os próximos filhos. Isso é recomendado para famílias que tiveram filhos afetados”, afirma.

Em Ribeirão Preto, o geneticista Charles Marques Lourenço afirma que, em muitos casos, os pais não apresentam nenhum sintoma, mas eles carregam uma mutação que causa a doença.

“É o que chamamos de alelos recessivos. Quando o alelo recessivo do pai encontra o da mãe, você tem a doença, a criança desenvolve a síndrome”, explica.

O médico afirma que os casais podem ter outros filhos saudáveis, porém com alguns procedimentos. “Há diagnóstico genético pré-implantacional, em que é feito o diagnóstico genético antes de implantar o embrião. Deve ser feita uma fertilização in vitro e separar somente os embriões que não são carregadores da mutação da doença”, esclarece.

Mapeamento genético — Foto: Divulgação

Esperança em fase de estudos

A medicina ainda não desenvolveu algum tipo de tratamento que possa ser eficaz para a cura ou para amenizar a evolução da doença. O ideal, para a médica Carolina Fischinger, é que o paciente permaneça sobre cuidados médicos e que haja um planejamento para melhor qualidade de vida.

No entanto, Lourenço informa que existe um protocolo em estudo na Universidade Columbia, em Nova Iorque, onde tentam tratar a timidina quinase com um medicamento novo.

“Não é particularmente a mesma doença. É outra doença cujo mecanismo é muito parecido com a mutação no Sulclg1. Nossa ideia é que se funcionar para uma, servirá para tratar as duas doenças”, comenta.

Lourenço diz que os estudos estão na segunda fase, em que é feita a avaliação da segurança do medicamento. “É a terceira fase que vai mostrar se o remédio funciona ou não. Esperamos que entre dois a três anos tenhamos resposta, quem sabe com o medicamento disponível.”

A esperança da família de Maria Helena é maior, uma vez que a história dela foi relatada à universidade para que a menina de Rifaina faça parte dos estudos. “Eu enviei uma solicitação contando o caso para ver se eles abrem uma exceção para paciente de fora dos EUA. Estou apenas aguardando resposta”, explica o médico.

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