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Rio Casos de Polícia

PM Ronnie Lessa, preso acusado de matar Marielle, é conhecido por ser exímio atirador e por sua frieza

Lessa teria atirado contra o carro em que estava a vereadora; junto dele, estaria o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz, que foi expulso da corporação ao se tornar réu na Operação Guilhotina
Elcio Vieira de Queiroz é acusado de ter dirigido o carro utilizado no crime; Ronnie Lessa teria atirado contra Marielle Franco e Anderson Gomes Foto: Polícia Militar
Elcio Vieira de Queiroz é acusado de ter dirigido o carro utilizado no crime; Ronnie Lessa teria atirado contra Marielle Franco e Anderson Gomes Foto: Polícia Militar

RIO - Ninguém jamais havia investigado Ronnie Lessa, preso nesta terça-feira acusado de ter atirado na vereadora Marielle Franco e no motorista Anderson Gomes, segundo denúncia do Ministério Público. Embora os corredores das delegacias conhecessem a fama do sargento reformado, de 48 anos, associada a crimes de mando pela eficiência no gatilho e pela frieza na ação, Lessa era, até a operação desta quarta-feira, um ficha limpa. Egresso dos quadros do Exército, foi incorporado à Polícia Militar do Rio em 1992, atuando principalmente no 9º BPM (Rocha Miranda), até virar adido da Polícia Civil, trabalhando na extinta Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (DRAE), com a mesma função da atual Desarme, na Delegacia de Repressão a Roubo de Cargas (DRFC) e na extinta Divisão de Capturas da Polinter Sul.

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Já o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz, de 46 anos, também preso hoje , é acusado de ter dirigido o Cobalt prata usado na emboscada. Um dos motivos que levou a polícia a concluir que ele estaria nessa posição foi a atuação anterior dele como piloto de escolta de cargas. Elcio foi expulso da corporação após se tornar réu na chamada Operação Guilhotina, que colocou em xeque a cúpula da Polícia Civil. Ele foi preso, nesta terça, quando estava saindo de sua casa, na Rua Eulina Ribeiro, no Engenho de Dentro, na Zona Norte do Rio.

Carreira mercenária

Experiência como adido da PM na Polícia Civil impulsionou os passos de Lessa

A experiência como adido foi o motor da carreira mercenária de Ronnie Lessa. A prática de cessão de PMs para a Polícia Civil começou no início dos anos 2000, quando o Rio ainda enfrentava uma onda de sequestros irrompida na década anterior. A primeira leva, transferida para a Divisão Anti-Sequestro (DAS), forjou outros nomes que posteriormente fariam fama no mundo criminal, como o do sargento da reserva da PM Geraldo Antônio Pereira, o Pereira; e o sargento Marcos Vieira de Souza, o Falcon, ex-presidente da Portela, ambos assassinados em 2016, em ocasiões diferentes.

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O próprio Orlando de Oliveira Araújo, o Orlando da Curicica, apontado inicialmente como principal suspeito da morte de Marielle, também é oriundo da DAS. No caso dele, como já havia sido expulso da Polícia Militar, atuava como informante da delegacia ou X-9, como era vulgarmente conhecido. O alcaguete andava em viaturas da polícia, além de portar armas, inclusive fuzis.

Arregimentado por contraventor

Coragem e frieza do policial chamaram a atenção de Rogério Andrade
Carro do contraventor Rogério Andrade sofre explosão em 08/04/2010. O filho do bicheiro morreu no ataque Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo
Carro do contraventor Rogério Andrade sofre explosão em 08/04/2010. O filho do bicheiro morreu no ataque Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo

Lessa, como outros adidos, conhecia mais das ruas do que qualquer policial civil. Logo, destacou-se e ganhou respeito pela agilidade e pela coragem na solução dos casos. Essa fama, segundo os bastidores da polícia, chegou aos ouvidos do contraventor Rogério Andrade, na época cada vez mais ocupado em fortalecer o seu exército numa sangrenta disputa territorial com o também contraventor Fernando Iggnácio de Miranda. Em jogo, o legado do bicheiro Castor de Andrade, morto em 1997.

Arregimentado por Andrade, Lessa não demorou a crescer na organização e ocupar o destacado posto de homem de confiança do chefe. Até que, em abril de 2010, a explosão de uma bomba no carro do bicheiro não apenas matou o filho dele, Diogo Andrade, de 17 anos, como fulminou a credibilidade de Lessa junto ao chefe, por não conseguir protegê-lo, assim como sua família. O guarda-costa e exímio atirador foi incapaz de evitar a morte do jovem.

Chama atenção que o método de detonação da bomba usada no atentado que matou o filho do contraventor, segundo peritos da época, foi o mesmo usado no atentado ao sargento da PM, em 2 de outubro de 2009, que perdeu a perna. Um laudo do Esquadrão Antibombas da Polícia Civil revelou que para explodir o Toyota Corolla blindado de Andrade foi usado um dispositivo acionado à distância por meio de um telefone celular.

Com a sua reforma por invalidez, Lessa acabou deixando de ser adido, mas ainda frequentava as delegacias da Polícia Civil, principalmente a antiga Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (DRAE). Até que, em 2011, ciente da migração dos adidos para as fileiras do crime, a Secretaria de Segurança do Estado vetou para sempre a cessão de quadros da PM para a Polícia Civil e acabou com a DRAE. A medida foi resultado da Operação Guilhotina da Polícia Federal, que investigou a corrupção policial envolvendo policiais civis e os adidos, além de integrantes da cúpula da instituição.

Com as portas fechadas na polícia, o ambiente mafioso tornou-se um caminho sem volta para Lessa. A mira certeira, decisiva para a expansão territorial de Rogério Andrade, foi também o passaporte do ex-sargento para a organização criminosa formada por matadores de aluguel, considerada mais temida e eficiente do Rio. Num cenário em que o dinheiro da corrupção garantia a impunidade destes mercenários, Lessa nem sequer se dava ao trabalho de agir às sombras. Para agenciá-lo, bastava dar uma passada no bar onde o ex-adido fazia ponto no Quebra-Mar, na Barra da Tijuca.

Uma opinião unânime assombra os que conheceram Lessa pessoalmente. Há quem diga que ele é capaz de tudo para cumprir as empreitadas criminosas, sem medir as consequências. Hábil no manejo principalmente de fuzis, é conhecido por gostar de atirar sentado, embora uma prótese moderna disfarce bem o problema físico quando em pé. Jamais volta para a base sem ter cumprido o que fora acertado com o contratante.

É esse homem que, agora, a polícia pretende levar para o banco dos réus como o principal acusado da morte de Marielle e Anderson.

Homenagem pelos 'bons serviços prestados'

Lessa recebeu moção do deputado estadual Pedro Fernandes, avô do atual Secretário estadual de Educação
'Militar discreto, mas eficaz', diz moção dada pelo deputado Pedro Fernandes Foto: Editoria de arte
'Militar discreto, mas eficaz', diz moção dada pelo deputado Pedro Fernandes Foto: Editoria de arte

Extremamente operacional, Ronnie Lessa encontrou no 9º BPM (Rocha Miranda) a unidade perfeita para o seu perfil. Afinal, o batalhão,  nos idos de 1992, tinha fama de ser violento, aparecendo com frequência nas manchetes de jornal. Não é à toa que os policiais que davam serviço naquela época eram conhecidos como “Cavalos Corredores”. Foi da unidade de Rocha Miranda que saíram os PM condenados pela chacina de Vigário Geral, em 1993, quando 21 pessoas — oito delas evangélicos de uma mesma família — foram executadas.

Na época, o batalhão tinha praticamente todo o seu efetivo com casos de auto de resistência, situação que ganhou o holofote justamente por causa do massacre. Ronnie Lessa ainda era soldado e se integrava aos colegas. Sua guarnição era uma das campeãs de louvores da corporação pelas operações que incluíam a apreensão de armas e drogas, o estouro de locais de endolação de drogas e prisões. O chefe do grupo era um capitão que inclusive ainda é lembrado nos dias de hoje como um dos três oficiais mais operacionais que passaram pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope): Cláudio Luiz Silva de Oliveira. Do público em geral, hoje ele é conhecido como o tenente-coronel Cláudio, condenado a 36 anos de prisão como mandante do assassinato da juíza Patrícia Acioli, em 2011.  Ele cumpre pena na Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte.

Suspeito recebia muitos elogios
Ronnie Lessa e sua guarnição, quase sempre formada pelos mesmos integrantes, eram parabenizados duas vezes por mês, em média
Relação com
o caso Patrícia Acioli
O tenente coronel Claudio Oliveira foi condenado a 36 anos de prisão pelo assassinato da juíza em 2011
Suspeito recebia
muitos elogios
Ronnie Lessa e sua guarnição, quase sempre formada pelos mesmos integrantes, eram parabenizados duas vezes por mês, em média
Relação com o caso
Patrícia Acioli
O tenente coronel Claudio Oliveira foi condenado a 36 anos de prisão pelo assassinato da juíza em 2011

Era um louvor por mês, sendo que, em 1997, no mês de março houve duas menções. Mas a PM não havia mais espaço para Lessa que junto com outros colegas da mesma guarnição passaram a dar serviço nas delegacia especializadas do Rio, como as que cuidavam de roubos de cargas _ justamente porque a maioria dos alvos era de favelas da área do quartel de Rocha Miranda, que a guarnição conhecia bem _, de capturas de presos (Polinter) e para coibir os sequestros.

Entre os colegas que seguiram com Lessa estão: Roberto Oliveira Dias, conhecido como Beto Cachorro; e os irmãos Ivan Jorge Evangelista de Araújo e Floriano Jorge Evangelista Araújo.Todos foram investigados na Operação Guilhotina, deflagrada pela Polícia Federal que apurava a corrupção policial na Polícia Civil. Lessa não foi indiciado na época.

discreto mas eficaz
O então deputado estadual Pedro Fernandes (PSD), avô do secretário estadual de educação, de mesmo nome, homenageou Lessa por ser um "brilhante exemplo" para a corporação
discreto mas eficaz
O então deputado estadual Pedro Fernandes (PSD), avô do secretário estadual de educação, de mesmo nome, homenageou Lessa por ser um "brilhante exemplo" para a corporação
“Solicito à Mesa Diretora, nos termos regimentais, MOÇÃO DE CONGRATULAÇÕES, APLAUSOS E DE LOUVOR ao 3º Sargento PM RONNIE LESSA[...]”

Lessa também recebeu moção do deputado estadual Pedro Fernandes (PSD), em 23 de novembro de 1998, avô do atual secretário de Educação Pedro Fernandes. Fernandes destacou na época: “a maneira como vem pautando sua vida profissional como policial-militar do 9º BPM. Sem nenhum constrangimento posso afirmar que o referido militar é digno desta homenagem por honrar, permanentemente, com suas posturas, atitudes e desempenho profissional, a sua condição humana e de militar discreto mas eficaz.

Constituindo-se, deste modo, em brilhante exemplo àqueles com quem convive e com àqueles que passam a conhecê-lo. Por tudo isto, sinto-me orgulhoso e honrado ao propor esta moção de louvor”.

Réu na Operação Guilhotina, Élcio foi expulso da PM

Policial foi denunciado pelo MP pelos crimes de formação de quadrilha armada, peculato, corrupção passiva, comércio ilegal de arma de fogo, extorsão qualificada, entre outros delitos

O ex-PM Élcio Vieira Queiroz, segundo fontes da DH, atuava como piloto de escolta de cargas e teria experiência na função. Esse seria um dos motivos que levou a polícia a apontá-lo como o motorista do Cobalt. Élcio foi expulso da corporação depois de ter sido réu na Operação Guilhotina da Polícia Federal, em 2011. Ele foi um dos 45 denunciados pelo Ministério Público estadual pelos crimes de formação de quadrilha armada, peculato, corrupção passiva, comércio ilegal de arma de fogo, extorsão qualificada, entre outros delitos. Segundo o processo, foram expedidos mandados de prisão contra 11 policiais civis, 21 PMs — incluindo oito que atuavam na Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (Drae), que acabou sendo extiinta; e na Delegacia de Combate a Drogas (DCOD) —,  além de 13  ex-policiais e informantes. Na época, Élcio era segundo sargento do 16º BPM (Olaria), mas atuava cedido à Polícia Civil como adido, função muito comum nos anos 2000.

A Operação Guilhotina teve grande repercussão na imprensa em 2011, pois colocava em xeque a cúpula da Polícia Civil. Agentes da Polícia Federal (PF) chegaram a fazer buscas na casa de um delegado que era ex-subchefe de Polícia Civil e, antes, titular da Drae, onde os adidos como Elcio trabalhavam. Este delegado chegou a ser excluído da corporação, mas foi reitegrado, pois sua defesa conseguiu provar sua inocência.

Na época, os policiais eram acusados de fazer jogo duplo com bandidos, inclusive vendendo armas a eles. Alguns chegaram até a ser flagrados em escutas e e-mails informando aos criminosos ligados ao traficante Antonio Bonfim Lopes, o Nem, preso em presídio federal fora do estado, o local e o dia que a polícia iria realizar operações nas favelas dominadas pelo bando.

Durante as investigações que começaram em 2009, os agentes federais descobriram também que os policiais em vez de prender, costumavam roubar os próprios traficantes. Pelo menos nove policiais civis e militares foram flagrados saqueando bens, dinheiro e pertences de moradores e traficantes dos Complexos da Penha e do Alemão, na época da ocupação para a implantação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).