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Crítica: 'Trama fantasma'

Bonequinho aplaude de pé: Técnica e sensibilidade
Cena do filme 'Trama Fantasma'
Cena do filme 'Trama Fantasma'

Vencedor do Oscar na categoria: Melhor figurino.

Finalmente chega ao circuito o último concorrente ao Oscar de melhor filme deste ano. Mas, apesar de ser o longa mais bem-sucedido em reunir técnica e sensibilidade, “Trama fantasma” só deve causar furor mesmo entre os cinéfilos mais afeitos a trabalhos herméticos. O projeto dirigido e escrito pelo talentoso Paul Thomas Anderson mistura com perfeição a complexidade dos personagens do sueco Ingmar Bergman com a sexualidade distorcida dos tipos criados pelo britânico Alfred Hitchcock, com forte influência, no caso, do filme “Rebecca”.

Anderson deixa a usual ensolarada Califórnia e ambienta a história no glamour da Londres dos anos 1950, onde o renomado costureiro Reynolds Woodcock (o perfeccionista Daniel Day-Lewis, inspirado no espanhol Balenciaga) e sua irmã vestem a realeza e as celebridades. Woodcock é um mimado cheio de manias, com complexo de Édipo mal resolvido e capaz de ser delicado e agressivo ao mesmo tempo. Seu universo controlado com mão de ferro por ele e pela irmã sofre um abalo quando o estilista conhece a inocente Alma (Vicky Krieps). O que parece ser mais uma trama sobre os abusos sofridos pelas mulheres se torna algo maior sobre uma relação de ciúmes, amor doentio e codependência, e Anderson surpreende mais uma vez ao fazer um filme sobre o universo feminino — a ponto de transformar Krieps na protagonista da narrativa.

Apesar das seis indicações ao Oscar, “Trama fantasma” ficou badalado mesmo quando Daniel Day-Lewis anunciou que seria seu último filme. Não causou espanto, até pela vida simples e discreta que já leva, mas os cinéfilos lamentaram nunca mais poder desfrutar de um dos maiores intérpretes do cinema de todos os tempos. Day-Lewis poderia escolher o cineasta que quisesse para a despedida, e optou justamente por Paul Thomas Anderson, com quem já havia trabalhado em “Sangue negro“, que lhe rendeu o Oscar de melhor ator, um de seus três.

Essa escolha não foi por acaso. Segundo o próprio Day-Lewis, Anderson é atualmente o diretor que mais sabe juntar sentimento e linguagem cinematográfica. Da mesma forma que Day-Lewis se entrega de modo obsessivo a seus personagens, Anderson calcula matematicamente cada plano por meio da chamada proporção áurea, aplicada para representar a “perfeição da beleza”. Esse rigor estético, aliado a uma delicadeza que busca extrair o máximo de emoção de cada fotograma, é algo semelhante ao que Stanley Kubrick fazia em seus filmes. Mas, apesar de Anderson compartilhar da mesma obsessão de Kubrick pelo plano perfeito, o cineasta que mais tem relação com seu trabalho é Robert Altman — com personagens com completo controle de seus mundos, até que algo acontece e o caos emocional se inicia. Essa influência vem a serviço de inconvencionais relações familiares, assinatura recorrente na filmografia de Anderson. Toda essa capacidade não deve resultar no Oscar, mas também Kubrick, Altman e Hitchcock nunca ganharam a estatueta de melhor direção. Infelizmente falta repertório aos profissionais em torno do cinema de todas as áreas.