Educação financeira

Por Júlia Lewgoy, Valor Investe — São Paulo

Assim como quase todo mundo, a coordenadora de riscos em uma seguradora Mirian Alves, 42 anos, precisou reorganizar seu orçamento pessoal na pandemia de coronavírus, já que a vida virou de cabeça para baixo. Ela não teve seu contrato de trabalho suspenso, nem seu salário cortado, mas passou a gastar menos com transporte e alimentação fora de casa e, precavida, queria investir o dinheiro que estava sobrando. Mirian teve um empurrão da empresa em que trabalha: fez um curso on-line de educação financeira oferecido pela companhia no início do mês, durante o horário de trabalho.

“Saí comentando com a família inteira, com quem está passando por dificuldade financeira. Em momentos de crise, você precisa repensar seus gastos”, diz. Mirian trabalha na seguradora Tokio Marine, que patrocinou o curso para 86 dos cerca de 2.300 funcionários da empresa. A participação era opcional.

“Entendemos que as pessoas estão se comportando de uma forma diferente na crise, com altos e baixos, e que precisávamos trabalhar a saúde emocional dos colaboradores. Mesmo sem demissões na empresa, pessoas da família tiveram redução salarial e os colaboradores têm preocupações que antes não tinham”, diz Juliana Zan, superintendente de recursos humanos da Tokio Marine.

A demanda de empresas por cursos de educação financeira para seus funcionários disparou durante a crise do coronavírus. As aulas, em tempos de distanciamento social, são on-line. Além de ter mais valor para os trabalhadores em um momento de renda mais escassa, o controle do orçamento pessoal foi mais valorizado por algumas companhias, na tentativa de manter empregados mais focados e dedicados ao trabalho em um momento em que a cabeça voa para os problemas.

As empresas que contrataram os serviços de consultores financeiros são de diferentes setores e tamanhos. Algumas, inclusive, demitiram funcionários ou aderiram à Medida Provisória 936, que autoriza a suspensão dos contratos de trabalho e a redução de jornada e salários. Para algumas dessas companhias em situação financeira difícil, o custo de patrocinar educação financeira para os empregados é relativamente baixo em relação ao benefício.

“Na maioria das empresas que nos contrataram, não houve cortes, mas as companhias sabem que a família do colaborador pode ter perdido receita. A crise acelerou demais a educação financeira dentro das companhias”, diz Liao Chieh, chefe de educação financeira do C6 Bank e professor da Idea9, startup de educação do banco. A empresa recebeu onze demandas sobre o tema este ano, até maio, ante apenas uma no mesmo período do ano passado.

“A educação financeira sempre esteve no nosso hall de treinamentos para companhias, mas tinha pouca demanda, que era maior por cursos de comunicação, liderança e vendas. Os RHs viam a importância, mas nunca priorizavam a verba para isso”, diz Chieh. “Com a pandemia isso mudou. Os benefícios se tornaram mais palpáveis.”

Um dos consultores financeiros mais famosos do país, Gustavo Cerbasi também viu a procura das empresas pelos seus cursos on-line saltar na pandemia. “Vou ter meu melhor ano da história em número de alunos. Desde meados de abril, se multiplicaram as palestras on-line com colaboradores de empresas e meu segundo semestre está sem agenda”, diz.

Cerbasi conta que cortou seus preços na crise — o desconto chega a 80%, dependendo da quantidade de funcionários, já que o preço é cobrado por pessoa — e que dá dois tipos de curso, um de três horas, mais básico, e outro de três meses, mais completo. A maioria das empresas contrata o primeiro, mas as consultas pelo programa mais longo aumentaram. Antes, ele recebia cerca de três consultas por ano pelo curso de três meses, e agora, já recebeu mais de 20.

“As companhias estão preocupadas em dar orientação para duas situações principais: ou para quem tem renda variável e depende de comissão, ou para quem precisa reconfigurar o estilo de vida no home office. E tem aquelas que cortaram salários e querem ensinar a reorganizar o orçamento”, diz.

Na DSOP Educação Financeira, também aumentou a procura de empresas que demitiram funcionários e querem dar orientação de como fazer render o dinheiro da rescisão, além de gestores, em cargos de chefia, atrás da pós-graduação em educação financeira da instituição.

“Mais do que aprender a organizar o seu orçamento, as pessoas que buscam a pós-graduação neste momento querem levar seus conhecimentos para a empresa, se valorizar profissionalmente e ter mais poder para permanecer no emprego, ou estão buscando outros caminhos”, diz Ana Rosa Vilches, diretora de negócios estratégicos da DSOP Educação Financeira.

Resultados para a empresa

A consultoria Mercer, especializada em carreira, saúde, previdência e investimentos para empresas, observou um crescimento de 60% na demanda por programas de educação financeira entre os seus clientes.

Uma pesquisa da companhia realizada com 7 mil adultos e 600 líderes sêniors em 11 países, antes da pandemia, mostrou que 79% dos funcionários confiam nas suas empresas para conselhos bons e independentes sobre planejamento, poupança e investimento, e para negociar taxas.

Além disso, 86% afirmam que depois que o empregador melhorou benefícios como educação financeira, houve um impacto positivo no trabalho, e 45%, que houve mais satisfação com o trabalho. O estudo também apontou que 31% passaram a ter maior comprometimento com a organização e 27%, a gastar menos tempo com preocupações financeiras durante o trabalho.

Segundo a Mercer, no mundo, há uma tendência de empresas orientando cada vez mais sobre bem-estar financeiro, de uma forma mais ampla, em vez de somente sobre previdência privada. No entanto, Bruna Borges, consultora sênior de Previdência da Mercer, diz que as empresas brasileiras ainda não têm essa cultura de dar educação financeira para funcionários e que, no país, as companhias mais avançadas nisso são multinacionais, especialmente do setor de tecnologia.

“Estamos muito atrasados, é assustador”, diz Bruna. “Tivemos uma grata surpresa na pandemia, as empresas brasileiras começaram a ver que isso impacta em produtividade, o que afeta a receita e a lucratividade.” Ela explica que os treinamentos precisam ser adequados a questões como faixa salarial, idade e gênero e que não adianta falar com todos os funcionários da mesma forma.

Além disso, o ideal é contratar consultorias individuais, além de palestras, pois ninguém quer expor a vida financeira na frente dos colegas. No entanto, como essas consultas são mais caras e só são possíveis financeiramente para grandes empresas, a Mercer está estruturando uma plataforma tecnológica no Brasil, que já existe lá fora, que ajudará a reduzir o tempo das consultas e a baratear os treinamentos. “Hoje, como são poucas as empresas que têm isso, eu sinto que os empregados se sentem apoiados”, diz Bruna.

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