Política

Inquérito aberto por Toffoli para apurar ofensas à Corte gera controvérsia

Ministro Marco Aurélio afirma que se manifestaria contra a iniciativa caso assunto fosse discutido em plenário
O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli 22/02/2019 Foto: Jorge William / Agência O Globo
O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli 22/02/2019 Foto: Jorge William / Agência O Globo

BRASÍLIA — O inquérito aberto pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli , para apurar ofensas à Corte gerou controvérsia na comunidade jurídica e não é unanimidade nem entre os ministros da própria Corte. A iniciativa, no entanto, recebeu apoio de entidades como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Em entrevista à GloboNews, o ministro Marco Aurélio disse discordar do procedimento:

— Se ele tivesse submetido a matéria, eu me pronunciaria contra a instalação do inquérito e contra a designação de um relator, o ministro Alexandre de Moraes, porque o inquérito deveria ter ido à distribuição aleatoriamente via computador.

Para Marco Aurélio, o correto seria acionar a PGR:

— Somos Estado julgador e devemos manter a necessária equidistância quanto a alguma coisa que surja em termos de persecução criminal — disse ele.

Outro integrante do Supremo disse ao GLOBO, em caráter reservado, que Toffoli não poderia ter aberto a investigação “de ofício” — ou seja, sem que a Procuradoria-Geral da República (PGR) tivesse feito o pedido antes. Um terceiro ministro afirmou que o inquérito, agora que já está aberto, deveria ser submetido à PGR, para o órgão indicar as diligências a serem feitas.

Na portaria que instaurou o inquérito, Toffoli justificou o ato “considerando a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações (...) que atingem a honorabilidade do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”. Até agora, foram designados um delegado da Polícia Federal e um juiz auxiliar para iniciar as investigações.

O presidente da Corte usou como base o artigo 43 do regimento interno, que estabelece: “Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro”.

De acordo com a GloboNews, no entendimento de Toffoli — e de outros integrantes da Corte — os ministros representam a sede do tribunal porque podem atuar de qualquer lugar do país.

Procurada pela emissora sobre as críticas à abertura do inquérito, a presidência do STF disse “que há precedentes nesse sentido. E que isso é o tipo de coisa no limite, que não precisa ser feito, mas se necessário, é preciso fazer”.

Na sexta-feira, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge,enviou petição ao Supremo solicitando que o ministro Alexandre de Moraes forneça informações sobre o inquérito. Um dos pontos questionados foi o fato de que as apurações não terão a participação da PGR.

Dodge argumentou que a função de investigar não faz parte das competências do Judiciário, e que isso pode comprometer a imparcialidade no processo.

O inquérito foi aberto na quinta-feira e corre em sigilo. Formalmente, serão investigados fatos, e não pessoas. Por exemplo, o vídeo em que o coordenador da Lava-Jato em Curitiba, procurador Deltan Dallagnol, conclama a população a tomar partido do julgamento da semana passada que definiu o foro para investigar crimes conexos ao caixa dois.

Entre os alvos do inquérito também está ação da Receita Federal, que recentemente apurou movimentações financeiras do ministro Gilmar Mendes e da mulher de Toffoli, a advogada Roberta Rangel.

Para o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp, que hoje é advogado, o regimento interno do STF não autoriza a Corte a abrir um inquérito por conta própria, somente instaurar processos para apurar fatos ocorridos nas dependências do tribunal:

— O Supremo deveria, essa é a lógica do nosso sistema penal constitucional, primeiro pedir a instauração de um inquérito perante a Procuradoria-Geral da República, ou perante a Polícia Federal, que são os órgãos de investigação. O Supremo não tem poderes para abrir uma investigação criminal.

Independência

Segundo fontes do STF, o caso só irá ao Ministério Público (MP) se, ao fim das apurações, houver indicação que algum procurador cometeu ilícito. A praxe é a PGR pedir a abertura de investigação ao tribunal contra pessoas com direito ao foro especial.

No entendimento do presidente da AMB, Jayme de Oliveira, o procedimento, no entanto, tem sim amparo no Regimento Interno do STF, e não seria muito utilizado porque poucas vezes se precisou dele.

— O que é inadmissível é que se queira violar a independência do Judiciário, com pressão indevida sobre o órgão julgador, obrigando-o a decidir do jeito que quer a acusação ou a defesa — disse Oliveira.

O Conselho Federal da OAB manifestou apoio à decisão de Toffoli. “Ação semelhante parece ter sido orquestrada contra a advocacia nacional, que nos últimos meses se viu alvo de notícias falsas, denunciações caluniosas e ameaças que buscam atingir a honra das advogadas e dos advogados brasileiros”, disse, em nota.