Brasil Educação

Membro de comissão do Enem coordenou projeto de pesquisa para analisar valores que professores pretendem 'inculcar' nos alunos

Antonio Castanheiras das Neves é representante do Inep no grupo que vai inspecionar a prova
Alunos chegam para fazer a prova do Enem em Brasília Foto: Jorge William / Agência O Globo
Alunos chegam para fazer a prova do Enem em Brasília Foto: Jorge William / Agência O Globo

RIO e BRASÍLIA-  Representante do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) no grupo que vai inspecionar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Antonio Castanheiras das Neves relata em seu currículo ter coordenado projeto de pesquisa no qual uma das intenções era pesquisar sobre valores que os docentes "pretendem inculcar" nos alunos e analisar em que medida as práticas da escola representam "formas de governo" dos estudantes.

Ele é um dos três integrantes da comissão criada oficialmente pelo governo nesta quarta-feira . A formação do grupo foi antecipada pelo GLOBO em fevereiro. A comissão será responsável por analisar as perguntas e retirar questões que teriam um "viés ideológico". Além de Castanheiras, farão o trabalho Marco Antonio Barroso Faria e Gilberto Callado de Oliveira.

No texto publicado na plataforma Lattes, Castanheira informa que coordenou de 2008 a 2013 um projeto de pesquisa ligado a "Cultura escolar, currículo e construção de identidades". A descrição do projeto afirma que ele se propõe a questionar os conteúdos e estratégias escolhidos pelos professores para trabalhar com os alunos e em que medida as práticas educacionais podem "confinar" os alunos.

"Que conhecimentos os docentes escolhem para trabalhar as identidades sociais de seus alunos? Como tais conhecimentos são selecionados e ensinados? Que estratégias pedagógicas escolhem? Em que textos se apóiam? Como os usam? Que visões de raça, classe social, gênero e sexualidade encontram-se nesses saberes e nesses textos? Como ocorrem as interações entre docentes e discentes nas práticas curriculares? Como, nessas interações, se apresentam e/ou se questionam modelos de identidades?", escreveu Castanheira na descrição.

Em seguida, o texto fala em investigar valores que os docentes "pretendem inculcar" nos estudantes, a palavra é sinônimo de "doutrinar", que é recorrentemente usada pelo governo na área da educação.

"Que valores e comportamentos os professores e a direção pretendem inculcar nos alunos? Que normas se estabelecem e que rituais se organizam para essa veiculação? Em que medida os conteúdos e as práticas que a escola organiza representam formas de governo dos alunos, com base nas quais se busca construir suas identidades?"

Castanheira é psicólogo, com mestrado na área de psicologia social e doutorado em Filosofia. O pesquisador tem uma ampla produção acadêmica que passa por textos sobre formação de professores, uso de tecnologias, educação à distância, entre outros. O pesquisador é  titular aposentado do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca do Rio de Janeiro. Atuou na avaliação de cursos do ensino superior pelo MEC e é atualmente diretor de Estudos Educacionais o Inep.

O professor é antigo conhecido de Marco Antonio Barroso Faria,  o indicado pelo Ministério da Educação (MEC) para fazer parte da equipe que vai avaliar os itens. Faria é pupilo do ministro Ricardo Vélez Rodríguez e foi orientado por ele no mestrado e no doutorado. Um dos componentes da banca de doutorado de Faria foi o agora colega de comissão  Castanheira.

O ex-aluno do ministro Vélez ocupa atualmente a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) da pasta. A formação de Barroso Faria é na área de Ciência da Religião, segundo informações da plataforma Lattes, base oficial de currículos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

No mestrado, apresentou o trabalho intitulado "Vida e Criação: A Religião em Bergson". No doutorado, foi "Benjamin Constant de Rebecque: uma teoria crítica para compreensão do sentimento religioso".

O GLOBO entrou em contato com o Inep para falar com o representante do Instituto na comissão, mas a autarquia afirmou que devido ao termo de confidencialidade firmado, Castanheira não dará entrevista. A reportagem também procurou Marco Antonio Barroso Faria, mas ainda não obteve retorno.