Rio

'Eu não tenho o que doar do meu filho', diz mãe de menino morto na Maré em vídeo

Bruna da Silva contou que disparo que matou adolescente atingiu baço, estômago e rins
No IML, Bruna da Silva exibiu blusa que Marcos Vinícius usava no momento em que foi baleado
No IML, Bruna da Silva exibiu blusa que Marcos Vinícius usava no momento em que foi baleado

RIO - 'Meu filho ontem perdeu o baço, ele perdeu os rins, ele tomou pontos no estômago e os estilhaços acabaram com tudo dele. Eu não tenho o que doar do meu filho', contou revoltada Bruna da Silva, mãe do adolescente Marcos Vinícius, de 14 anos, morto após ser atingido por uma bala perdida no caminho da escola, na Maré . Com a camisa do uniforme escolar que o fillho usava no momento em que foi morto, ela mostrou o buraco feito pela bala que atingiu o rapaz, e acusou a polícia pela morte.

“O meu filho ontem perdeu o baço, ele perdeu um rim, ele tomou ponto no estômago e os estilhaços acabaram com tudo dele. Eu não tenho o que doar do meu filho, entendeu, gente? ”

Bruna da Silva, mãe do menino de morto na Maré
Em entrevista à imprensa

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- O estado vai pagar o enterro sim, porque foi essa polícia homicida que dilacerou o coração de outra família - disse Bruna, mostrando a mochila que o menino usava manchada de sangue.

O corpo será velado no Palácio da Cidade, em Botafogo , na Zona Sul, nesta quinta-feira.

“O estado vai pagar o enterro, vai pagar uma assistência sim, eu acho que é obrigação do estado sim porque foi essa polícia homicida que dilacerou o coração de outra família. ”

Bruna da Silva, mãe de estudante de 14 anos morto na Maré
Em entrevista à imprensa

- Foi o que o Estado me propôs. Acho que é o mínimo de dignidade que eu posso dar para o meu filho. Eles vão matar mais quantas crianças de bem com roupa de escola? Quantas mais? A bandidagem não está crescendo não. Eles estão matando povo de bem, povo inocente.

CONFIRA NA ÍNTEGRA A DECLARAÇÃO DE BRUNA DA SILVA:

"Fizemos tudo. Tudo que eu e o pai não tivemos estávamos dando para o nosso filho. Olha, gente, aqui tem um furo queimado, que eu não entendo este furo, porque o tiro pegou no abdômen e atravessou (mostrando a camisa do uniforme escolar). Mas tem um furo que tá queimado, olha.

"O meu filho, ele perdeu, ele operou ontem, ele ia ter que fazer uma segunda cirurgia sexta-feira. A cirurgia que ele fez ontem foi uma cirurgia para manter ele vivo. Para ele ficar bem e aguentar a de sexta-feira.  O meu filho ontem perdeu o baço, ele perdeu um rim, ele tomou ponto no estômago e os estilhaços acabaram com tudo dele. Eu não tenho o que doar do meu filho, entendeu, gente?

“Eles vão matar mais quantas crianças de bem com roupa de escola? Quantas mais? A bandidagem não está crescendo não. Eles estão matando povo de bem, povo inocente”

Bruna da Silva, mãe de menino morto na Maré
Em entrevista à imprensa

"Meu filho estudante, isso aqui eu vou levar (estende a camisa do uniforme no chão) para o Palácio Guanabara (na verdade, o velório será no Palácio da Cidade, sede do governo municipal). Foi o que o estado me propôs. Eu acho que é o mínimo de dignidade que eu posso dar para o meu filho. O estado vai pagar o enterro, vai pagar uma assistência sim, eu acho que é obrigação do estado sim porque foi essa polícia homicida que dilacerou o coração de outra família.

"É essa aqui (bate na camisa estendida no chão), essa é a blusa do meu filho, Marcos Vinícius de 14 anos. E aqui (tira os objetos de dentro da mochila que seria levada para a escola, entre eles, dois cadernos), só não  está o estojo porque eu tirei da mochila dele, questão de prova que ele nunca jogava fora, não tenho mais o que fazer. Eles vão matar mais quantas crianças de bem com roupa de escola? Quantas mais? A bandidagem não está crescendo não. Eles estão matando povo de bem, povo inocente".

PAI TAMBÉM CULPA A POLÍCIA

O pedreiro José Gerson da Silva, de 37 anos, pai de Marcos Vinicius, também responsabilizou o despreparo da polícia pela morte do menino , na manhã desta quarta-feira, na Vila dos Pinheiros, no Complexo da Maré. Ele contou que o menino tentou ir para a escola, mesmo atrasado, mas resolveu voltar para casa ao ouvir os primeiros tiros disparados do helicóptero da polícia. Quando estava quase chegando na residência se deparou com o caveirão, de onde, segundo o pai, partiu o disparo que feriu o garoto na barriga.

— Por que veem um uniforme de escola e atiram? Porque não são policiais. São assassinos. Policiais não agem desse jeito — desabafa.

Bruna da Silva, mãe de Marcos Vinícius, exibe camisa que filho usava no momento em que foi baleado Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo
Bruna da Silva, mãe de Marcos Vinícius, exibe camisa que filho usava no momento em que foi baleado Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo

José Gerson contou que no momento estava trabalhando e foi avisado por uma vizinha do que tinha acontecido ao menino. Marcos gostava de funk e sonhava ser MC. O pai lamentou que o sonho do garoto tenha sido interrompido de forma tão brutal.

— Ele queria ser MC. Gostava de funk e não deu tempo (de realizar o desejo). Ele até cantava algumas músicas, quando estava próximo de dormir, já pensando no outro dia. Às vezes, cantava algumas letras para mim e eu tentava melhorar algumas coisas. Por que isso foi acontecer? É o despreparo total da polícia e o estado não está enxergando isso. Eu acho que não tem nenhum responsável lá dentro para organizar a polícia do estado. Na verdade é isso. Eles não têm capacidade.

Em nota, a Polícia Civil informou que a Delegacia de Homicídios (DH) da Capital abriu inquérito para apurar as circunstâncias da morte de Marcos Vinicius. A perícia de local foi realizada e está prevista uma reconstituição dos fatos para determinar de onde partiu o tiro que atingiu o estudante.

"A PCERJ reitera que a utilização de helicóptero em operações, como ocorridas na quarta-feira, se dá para a garantia da segurança de toda a população. Não há qualquer registro de que alguém tenha sido atingido por tiros da aeronave empregada na operação da Maré", diz a nota.