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Economia

Rodrigo Maia: Bolsonaro precisa da convicção que tenho na reforma

Alvo de críticas de aliados do presidente, deputado diz que agora cabe a Bolsonaro conseguir os votos para a Previdência
Maia: “Quem foi contra a matéria a vida inteira foi Bolsonaro, não fui eu”. Foto: Luis Macedo / Agência O Globo
Maia: “Quem foi contra a matéria a vida inteira foi Bolsonaro, não fui eu”. Foto: Luis Macedo / Agência O Globo

BRASÍLIA - Após se afastar da articulação pela reforma da Previdência , Rodrigo Maia (DEM-RJ) diz que cabe ao presidente Jair Bolsonaro a tarefa de construir a base governista . Em entrevista ao GLOBO, o presidente da Câmara promete comandar a votação, mas reclama dos ataques que vem sofrendo nas redes sociais bolsonaristas.

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Por que o senhor diz que, agora, o governo será responsável pelos votos da reforma da Previdência?

Nas últimas semanas, foi se construindo uma imagem de que o Parlamento estava atrás de cargos, que ia pressionar o governo. Isso é muito ruim para a relação entre Legislativo e Executivo. É importante que as coisas fiquem muito claras: se o governo vai tratar de cargos, que seja direto com os partidos — e cada um vai dizer se esta é sua agenda. A Presidência da Câmara não pode estar envolvida nesse tipo de articulação. O Executivo fica no seu campo, o Legislativo, no seu, e eu comando a votação.

Existe risco para a votação?

A responsabilidade pela relação com a Câmara é do presidente Bolsonaro. Ele não pode delegar a ninguém. Se ele não comandar, não teremos os 308 votos. Se não chamar deputado por deputado, não olhar no olho e não falar da importância da reforma, será difícil. Ou ele patrocina, lidera e passa a ser o garoto-propaganda dela, ou será muito difícil. Vou continuar trabalhando, tenho influência sobre boa parte dos parlamentares, mas não chego aos 308 votos.

Como vê as críticas à “velha política”?

O presidente vem falando há muito tempo que vem sendo pressionado pela “velha política”. Acho que não tem velha nem nova — tem a política, e ela é feita de diálogo. Se o presidente prefere um diálogo mais distante do Parlamento, não vejo problema. A reforma é decisiva para o Brasil. Vamos trabalhar para pautá-la e aprová-la. Mas o presidente precisa compreender que ele foi eleito para comandar sua pauta. O sistema é presidencialista, não é parlamentarista.

As críticas das redes sociais bolsonaristas levaram o senhor a mudar o tom?

Não. Apenas acho que precisamos deixar as coisas claras. O governo trabalhou contra a minha eleição, através do seu ministro da Casa Civil, até dois dias antes da votação. Tentaram primeiro viabilizar o senador Davi Alcolumbre para me inviabilizar. Depois, tentaram fortalecer um candidato no meu campo. No final, tentaram fortalecer o candidato com mais chances que sobrou. Então, não tenho nenhum compromisso com o governo, tenho compromisso com o Brasil e com a pauta que acho decisiva, que é a reforma da Previdência. Estou dialogando e estou convencido de que o relator da reforma precisa ser do PSL. Porque, a partir do partido do presidente, ele vai ter capacidade maior de diálogo.

Não há pressão parlamentar?

Não tem ninguém boicotando votação, nenhum tipo de pressão. Ele (Bolsonaro) está criando uma falsa informação. Mas sem seu protagonismo, nada vai andar. Como é que o presidente não constrói sua base? Isso é impossível dar certo. É importante que ele assuma esse papel para que não fique esse jogo de que o Parlamento está pressionando, ameaçando, fazendo e acontecendo. Queremos votar a Previdência, precisamos que o governo garanta os votos.

O senhor vai ajudar?

Vou ajudar, vou continuar defendendo, não vou sair disso nunca. Aliás, é muito interessante porque ficam dizendo nas redes sociais que estou contra a matéria. Me desculpe. Quem foi contra a matéria a vida inteira foi o Bolsonaro, não fui eu. Sempre estive neste campo: o da reforma do Estado, da reforma da Previdência e da economia de mercado. Estou no mesmo lugar, por isso, não tenho constrangimento de defender a reforma. É o constrangimento do presidente de defendê-la, sempre dizendo que não gostaria de votá-la, que gera insegurança entre os parlamentares.

A estratégia de comunicação feita pelo filho dele atrapalha?

Estamos vivendo um momento em que as redes sociais do Bolsonaro agridem quando um deputado ou jornal critica o governo. Tem algo errado nessa relação. Não é porque critiquei as mudanças no Benefício de Prestação Continuada (pago a idosos de baixa renda) e na aposentadoria rural que estou contra a reforma. E fui atacado por isso. Vivemos numa democracia ou numa ditadura? Quando você não aceita crítica, passa a não viver numa democracia e começa a viver numa ditadura.

Qual peso as falas do ministro Sergio Moro tiveram para a piora na sua relação com o Planalto?

Sempre tive uma relação de muito diálogo com o ministro Moro, sei das boas intenções dele. Agora, quem conhece a Câmara sou eu e sei que ela não tem capacidade de mobilização em dois temas tão relevantes ao mesmo tempo. Para mim, ficou uma sinalização muito clara quando o presidente levou o projeto da Previdência e não levou o projeto do Moro: que a prioridade do governo era a Previdência. Já estou discutindo a melhoria da legislação de enfrentamento ao crime organizado desde o fim de 2017. Esse tema não é novidade. A decisão de como vai tramitar é da Câmara, não do Executivo. Eles têm que tomar cuidado porque essa fronteira leva à ditadura. A gente precisa respeitar os Poderes.

O presidente comparou a situação a uma crise com a namorada. É possível reatar?

Falta compreensão às vezes ao presidente. Ele não precisa conversar comigo, tomar café da manhã, perder tempo comigo. Defendo a reforma com muito mais convicção que ele. O que ele precisa é da mesma convicção que eu e o ministro Paulo Guedes (Economia) temos na defesa da matéria. Quando ele assumir com convicção a defesa da reforma e começar a convidar os deputados, que têm as mesmas dúvidas que ele, para conversar e mostrar a importância do tema, vamos deslanchar.