Economia

Ainda existe escravidão no país, diz Raquel Dodge, em Londres

Procuradoria cria força tarefa para investigar trabalho escravo no sul do Pará. Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por não prevenir a prática de trabalho escravo
Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge Foto: Jorge William / Agência O Globo
Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge Foto: Jorge William / Agência O Globo

BRASÍLIA - A procuradora-geral da República e presidente do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Raquel Dodge , afirmou durante palestra na quarta-feira no King's College, em Londres, que ainda existe escravidão no país. Dodge anunciou a criação de uma força-tarefa para ajudar a reconstituir o processo sobre trabalhadores mantidos em situação análoga à escravidão por mais de uma década na Fazenda Brasil Verde , no sul do Pará . O objetivo é garantir o cumprimento das medidas impostas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH ), que responsabilizou internacionalmente o Brasil por não prevenir a prática de trabalho escravo moderno e de tráfico de pessoas.

O Brasil terá que indenizar 128 vítimas resgatadas na fazenda durante fiscalizações do Ministério Público do Trabalho, nos anos de 1997 e 2000. Somente na Fazenda Brasil Verde, mais de 300 trabalhadores foram resgatados, entre 1989 e 2002.

A força-tarefa será formada por quatro procuradores que vão ouvir testemunhas e coletar provas. Na sentença, de outubro de 2016, a Corte determinou a reabertura das investigações para identificar, processar e punir os responsáveis pelos crimes, além da indenização das vítimas em U$ 5 milhões.

Segundo Dodge, "a escravidão moderna no Brasil é a nódoa mais marcante decorrente daquela escravidão legalizada durante o Império. Não é mais oficial, porque é proibida por lei, que a trata como crime".

Na palestra, a chefe da PGR explicou que a escravidão moderna não é uma atividade acidental, nem ocasional e que ultrapassa fronteiras internacionais em muitas modalidades. Além de serem traficadas, as vítimas são obrigadas a produzir e traficar bens ilícitos.

‑ É um empreendimento complexo, de grande proporção, voltado para a obtenção de lucro, que exige grande investimento e preparação - explicou Raquel Dodge.

Segundo ela, os que praticam a escravidão moderna agem com culpabilidade intensa, dirigida a atingir um resultado muito lucrativo e também muito perverso, absolutamente incompatível com a dignidade humana.

— Quando reúne tais características, a escravidão moderna corresponde ao conceito de crime do colarinho branco, exatamente a modalidade de crime de mais difícil persecução penal – defendeu.

Segundo a PGR, nas 712 inspeções em propriedades rurais, de 1993 a 2004, foram registrados 142 casos de escravidão moderna, com 7.763 vítimas sob a modalidade de servidão por dívida.

A palestra de Raquel Dodge fez parte da programação da missão oficial em Londres, da qual participam, também, a secretária de Direitos Humanos do CNMP, Ivana Farina, a secretária de Cooperação Internacional, Cristina Romanó, e a ministra-conselheira da embaixada brasileira em Londres, Ana Maria de Souza Bierrenbach.