Nos EUA, um dos maiores mercados de startups do mundo, a proporção de novas empresas fundadas por mulheres e que receberam um aporte de investimento do tipo ‘venture capital’ é menor que 3%. No Brasil, os dados disponíveis pela KPMG e pela Abvcap não fazem recorte por gênero, mas este tipo de empreendedorismo, o de oportunidade, ainda é predominantemente masculino.
É crescente, porém, o número de mulheres em carreiras de tecnologia e como fundadoras (ou cofundadoras) de startups e nesta crise, elas estão mostrando que sabem lidar com pressão e são criativas o suficiente para inovar. Este é o caso, por exemplo, de Isabel Braga Teixeira, fundadora da BoBags, e Isabela Teixeira, à frente da Prêt à Louer.
Além do nome semelhante, elas têm outras coincidências, a começar pelo fato de que ambas empreendem em um mercado rodeado por preconcepções, o mundo da moda. A ClosetBoBags funciona como uma plataforma de aluguel e venda de bolsas, roupas e acessórios de luxo já usados, enquanto a Prêt à Louer (do francês “pronto para alugar”) está no mesmo nicho, mas se concentra em peças para eventos mais especiais.
As duas participaram do painel “Empoderamento e empreendedorismo feminino” na Expert, evento promovido pela XP, nesta quinta-feira. Um assunto que logo veio à tona foi a dificuldade de levantar recursos para tirar a ideia do papel se você é mulher, ainda mais em um segmento rodeado por estigmas e sempre associado a superficialidade e ao negócio por hobby.
“Quando precisei levantar 'funding', eu conversei com muitos homens investidores que me apresentavam a suas filhas e esposas porque elas tinham muitas bolsas, mas não queriam investir, preferiam investir na startup do amigo”, conta Isabel.
Ela explica que, em muitas dessas conversas ouviu de homens que estavam sentados à mesa que seu mercado não era grande o suficiente. “Homens continuam sendo as promessas do empreendedorismo e as mulheres têm que mostrar 'track record' [experiência] e histórico relevante para serem levadas a sério”, completa.
Dificilmente alguém poderia duvidar da capacidade de Isabel olhando seu currículo. Ela trabalhou quatro anos na marca de moda praia Salinas, onde foi diretora de Marketing; de 2007 a 2012 trabalhou na gerência de empresas de óleo e gás; foi para o Vale do Silício em 2013, onde ficou dois anos se preparando para se tornar empreendedora e fundou em 2015 sua startup, primeiro só com aluguel e venda de bolsas e depois com outros produtos de marcas consagrados como Chanel, Gucci, Balmain, Hermès, Off-White e Prada, entre outras.
Mas nesses mais de cinco anos de empresa ela esbarrou em inúmeros momentos com a dificuldade para provar sua vocação para o empreendedorismo, o potencial de seu negócio e do mercado – economia circular e economia compartilhada, onde a ClosetBoBags se insere – ainda é algo novo no Brasil, e também para demonstrar que, como mulher, consegue gerir uma empresa bem-sucedida.
“Eu não sou herdeira, sempre trabalhei para comprar o que eu tenho e até por isso eu sei o quanto valiam as coisas no meu armário. Sabia também que eu tinha um desafio de tornar meu negócio escalável e grande e precisava de investimento para aguentar a jornada”, reitera Isabel.
Se geralmente as oportunidades não são iguais para homens e mulheres na hora de levantar investimento, quando se soma a isso as preconcepções de que quem empreende na moda é só herdeira, mulher de família rica e que está montando aquele negócio para passar o tempo, a missão fica ainda mais difícil.
“O mercado da moda também precisa ter mais mulheres que tenham sua vida dedicada a esse foco e não por hobby para que a gente entre em reunião sem ser, de imediato, rotulada como um negócio bobo. Se tem algo que a crise mostrou é que não haverá espaço para negócios que não param de pé”, explica a empreendedora que, vencendo muitas batalhas, conseguiu levantar quatro rodadas de investimentos para sua startup e faz parte do programa de mentoria da Endeavor.
Para ela a resiliência e o propósito são as principais armas para a empreendedora hoje se sair bem. Se não tiver a segunda, será difícil enfrentar os momentos de volatilidade e incerteza. Ser resiliente, já que empreender não é um negócio de retorno financeiro imediato.
E foram essas duas características que Isabela Teixeira precisou se agarrar para passar pela crise. Como seu segmento é mais voltado para vestuário e acessórios para grandes eventos, como formaturas, casamentos e bailes, seu negócio foi altamente impactado pela crise do coronavírus.
“Passei três meses com o ateliê fechado. O meu ainda é muito físico porque a mulher tem dificuldade de alugar roupa para um evento importante pela internet. A Prêt à Louer tem tentado mostrar a elas que podem se vestir à distância, o que tem crescido, mas ainda não é a maioria. Diante da loucura toda eu precisei me reinventar”, diz Isabela.
Segundo Isabela foram mais de 90 dias de luta diária para pensar na estrutura do negócio e continuar girando os pratinhos. Ela atuou em duas novas frentes: começou a vender vouchers, pacotes de uso, para clientes poderem utilizar daqui um a dois anos, quando as coisas se normalizarem, garantindo dessa forma alguma entrada de dinheiro, e também lançou um serviço de consertos de roupas, que deve manter depois que a pandemia passar.
“Apesar da situação muito ruim, precisei me reinventar e o negócio hoje é muito voltado à conexão com os clientes”, diz a empreendedora, que é formada e pós-graduada em Direito pela FGV, mas estudou sobre finanças e empreendedorismo para se preparar para a empreitada no mundo dos negócios.
A ClosetBoBags também precisou se mexer e alguns planos, inclusive, foram acelerados. A vantagem é que o negócio já era 100% digital, uma necessidade que despontou na crise. Primeiro a empresa deu a seus clientes do programa de assinatura benefícios para renovarem seus planos. Depois desenvolveu a aplicação de realidade aumentada para melhorar a experiência do serviço e fechou novas parcerias com marcas de roupas.
Também antecipou, para o meio da pandemia, o lançamento de um projeto de ótica on-line que visa ajudar o segmento, ainda muito analógico, a ir para o e-commerce e abriu a plataforma para pequenas marcas que não estavam vendendo pela internet ainda, como uma empreendedora de Belém que fabrica pijamas e uma loja de decoração.
Para as empreendedoras, a capacidade de realização tem, em última instância, muita relação com autoconfiança que todas as mulheres de negócios precisam ter.
“Autoconhecimento e autoconfiança é uma constante evolução, uma batalha diária. Algo que aprendi com o tempo é que ninguém conhece melhor o meu mercado do que eu. Precisamos nos posicionar quando somos questionadas sobre algo, quebrar a barreira de falar, mesmo que seja para dizer que não sabe algo e vai pesquisar para trazer a resposta depois. Autoconhecimento é isso: falar, errar, pesquisar, ler e estudar”, resume Isabel.