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Política

Proposta de Witzel de ‘abate’ de criminosos não tem respaldo na legislação vigente

Desafio do governador elito será colocar em prática suas proposições
O que esperar do governo de Wilson Witzel na segurança Foto: Editoria de Arte
O que esperar do governo de Wilson Witzel na segurança Foto: Editoria de Arte

RIO — Desde o início da campanha, em agosto deste ano, quando ainda contava com 1% das intenções de voto, Wilson Witzel (PSC) priorizou as propostas sobre Segurança Pública para conquistar seu eleitorado. O ex-juiz federal utilizava sempre a experiência em varas criminais para corroborar sua aptidão para combater o crime organizado no estado. Já no fim da corrida eleitoral, Witzel buscou associar sua imagem com a do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), ratificando ainda mais seu foco no tema da segurança.

O desafio para o ex-magistrado, a partir de 1º de janeiro, será colocar em prática suas proposições, algumas bem recebidas pela classe policial, e outras consideradas polêmicas. Exemplo disso é uma das primeiras propostas defendidas por Witzel publicamente, e que também está presente em seu plano de governo: a autorização do “abate” de criminosos armados em operações policiais. O futuro governador alega que a proposta possui respaldo no Código Penal, configurando-se em legítima defesa, o que é contestado por especialistas ouvidos pelo GLOBO.

— Não há no Código Penal autorização para matar uma pessoa, armada ou desarmada. A autorização é apenas no caso de uma injusta agressão, que se configura legítima defesa. A autoridade policial pode matar alguém na hipótese de repelir injusta agressão, e o meio para se defender precisa ser proporcional à agressão — afirma o professor de Direito Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) Daniel Raizman. — O simples fato de estar com uma arma não é uma hipótese. É preciso que ele (criminoso) inicie a agressão para que se justifique a legítima defesa. Isso é o que diz o Código Penal. Não há como ter interpretação diferente. Para mudar essa interpretação, só alterando o Código Penal.

A mudança no código, no entanto, não é atribuição do governador do estado. Em sua primeira entrevista ao GLOBO, em 29 de agosto deste ano, questionado sobre a possibilidade de o policial acabar respondendo criminalmente pelo “abate”, Witzel afirmou que preferia dar assistência jurídica ao policial do que ir a seu funeral.

Extinção da secretaria

Outra proposta bastante frisada pelo ex-magistrado na campanha é a intenção de extinguir a Secretaria de Segurança do estado. Witzel pretende dar status de secretaria para as polícias Civil e Militar e, ele próprio, dar a palavra final sobre as questões da área. De acordo com o delegado Rafael Bárcia, diretor do Sindicato dos Delegados de Polícia do Rio, a proposta foi bem recebida, já que a redução da estrutura da secretaria é uma antiga reivindicação da classe policial.

O delegado alerta, no entanto, que Witzel pode encontrar impedimentos de cunho administrativo para promover essa extinção, uma vez que há destinação de recursos federais que são feitos para a pasta.

— A Secretaria de Segurança se tornou um monstro, com orçamento maior do que da Polícia Civil, por exemplo. Se não for possível terminar com ela, por questões administrativas, que pelo menos sua estrutura diminua — defende Rafael Bárcia. — A secretaria foi criada para fazer a gestão da integração das duas polícias e, aos poucos, a estrutura foi ficando extremamente inchada. É preciso reformulá-la para sobrar recurso para investir nas polícias.

Já Fernando Bandeira, presidente do Sindicato dos Funcionários da Polícia Civil, demonstra preocupação com a ideia de as polícias responderem diretamente ao governador. Caso opte por acabar com a secretaria de Segurança Pública, Witzel precisará definir o destino de órgãos vinculados a ela, como a Subsecretaria de Inteligência, a Corregedoria Geral Unificada e o Instituto de Segurança Pública.

— Ele é um ex-juiz que nunca foi policial. Não sei se tem competência para ficar nessa função — ponderou Bandeira, que enviará hoje um ofício para solicitar um encontro com o futuro governador.

O ex-magistrado tem, ainda, outro projeto que promete desagradar aos agentes da Segurança Pública. Witzel quer criar os chamados distritos policiais, com “comando integrado e alternado" entre oficiais da Polícia Militar e delegados da Polícia Civil. Também em sua primeira entrevista ao GLOBO, o então candidato explicou que, na prática, as duas polícias funcionarão juntas.

— Isso é uma coisa quase que impossível de acontecer. A PM, por ser uma instituição militar, possui um certo rigor hierárquico. Já a Polícia Civil é um pouco diferente. Embora o delegado seja superior, há independência dos investigadores, por exemplo, para trabalharem com autonomia. — argumenta Fernando Bandeira. — São tipos de carreiras diferentes. É impensável haver um comando conjunto. O que defendemos é uma integração maior entre as polícias, mas um comando único é impensável — afirma Bandeira.