• Fernanda Meneguetti
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Alex Atala (Foto: Ricardo Dangelo/Fruto)

Alex Atala, chef, empreendedor e inovador. Ele afirma que jovens chefs poderão ser ícones para a indústria da alimentação, assim como jogadores de futebol são para marcas de equipamento esportivo (Foto: Ricardo Dangelo/Fruto)

Às vésperas de completar 50 anos e quase duas décadas após inaugurar seu restaurante de alta gastronomia D.O.M, Alex Atala se mantém polêmico e inquieto. Atualmente, responde pelos cardápios de Dalva e Dito, Açougue Central e Bio (até o final de 2021, será inaugurada a versão hotel de alto luxo do D.O.M., no bairro dos Jardins. O investimento deve somar R$ 160 milhões e ser compartilhado com a butique de investimentos TAG Advisors e a empresa de desenvolvimento imobiliário Inovalli). Mas o chef quis sair da trajetória normal de sua profissão.

Revelou ímpeto inovador ao reorganizar o Mercado de Pinheiros, fundar o Instituto Atá (que visa “aproximar o saber do comer, o comer do cozinhar, o cozinhar do produzir, o produzir da natureza”) e planejar o seminário Fruto – diálogos do alimento, que reuniu chefs, ativistas e especialistas em alimentação e sustentabilidade para discutir o futuro da comida, em janeiro deste ano. Por isso, consumidores e empresários do setor de alimentos ouvem o que o Atala tem a dizer (o chef e muitos outros especialistas contribuíram com a edição de abril de Época NEGÓCIOS, que avalia os desafios da indústria da alimentação).

Edição de abril de 2018 de Época NEGÓCIOS - menor (Foto: Época NEGÓCIOS)

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Como consumidores, estamos no caminho da alimentação mais responsável?
O jovem, de maneira geral, tem um tremendo engajamento na questão alimentação versus sustentabilidade. Mas muitas vezes você vê discursos emotivos pouco embasados. Tem que dar conteúdo para esses caras. Esses são os caras do futuro, existe um crescimento de vegetarianismo e veganismo gigante entre eles, mas eles estão (nisso) muito mais pelo lado cool.

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É mais pena do animal do que preocupação com sustentabilidade?
Um esbarra no outro. Vejo pouca gente questionando como a comida foi produzida. Ser vegetariano ou ser vegano por compaixão eu entendo, mas e as nossas áreas degradadas? E a nossa biodiversidade? E a preocupação com a emissão de agroquímicos no sul da Amazônia, que cobre todo o nosso Cerrado, que entra no sul-sudoeste da Argentina e vai para outros países? Existe uma forma de agricultura hoje que não mata animais, mas esteriliza ecossistemas, o que é muito mais grave. Por que o discurso só apaixonado pelos animais? Vamos discutir: como aquela soja foi produzida? Como aquela comida vegana foi produzida? E se todo mundo virar vegetariano? O que vai acontecer com o planeta? Tem condição?

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No agronegócio, que tipo de iniciativa existente parece promissora?
O Patrick Assumpção, da Fazenda Coruputuba (em Pindamonhangaba – SP), está fazendo um trabalho muito legal e pode ser mais uma grande mudança no Vale do Paraíba (o produtor cultiva 300 variedades diferentes em sua propriedade, muitas delas quase esquecidas, como cará-moela e araruta).

Que não nos falte modéstia, mas o que a gente está fazendo no território kalunga (comunidade quilombola em Goiás), com a baunilha do cerrado, pode ser transformador para o bioma, para a biodiversidade, para a região e para a população tradicional. A gente conseguiu fazer o funding com a Fundação Banco do Brasil e estamos com as estufas, criando mudas, aprendendo a domesticar essa baunilha. Parece que está dando certo. A primeira coisa a fazer é evitar uma corrida à extração da baunilha selvagem e à predação de uma espécie que custa US$ 15 o quilo.

A segunda coisa é estruturar a cadeia: pegar a população tradicional e, sem mudar as rotinas culturais dela, fazer com que essas mulheres kalungas tenham mais uma plantinha na sua casa, que vai dar algumas baunilhas durante o ano e que ela vai cortar no momento certo. Aquela comunidade vai beneficiar e soltar no mercado. É emocionante. Existe uma diferença entre pobreza e miséria e eles estão na linha do meio. Não tem luz, não tem escola, vivem da subsistência.

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Pere Castells Esqué, químico que trabalhou com Ferrán Adrià, diz que é questão de tempo para os insetos serem introduzidos na nossa dieta. Você concorda?
Sirvo formiga no D.O.M. por deliciosa que é. É quase uma montanha russa: a pessoa vê uma formiga na frente dela, tem problemas, tem um lado emocional que funciona ali. Um mais corajoso põe na boca, faz uma cara boa e no final quase todo mundo come. Além de deliciosa, a formiga cria um momento inesquecível no jantar. Por outro lado, a gente começou um trabalho lá atrás.

Fui a primeira pessoa a falar de formiga (como alimento), no primeiro Mad (simpósio criado em 2011 pelo chef René Redzepi, então considerado o melhor chef do mundo). O René Redzepi se emocionou muito, encontrou formigas comestíveis e colocou no (restaurante dinamarquês) Noma. Tudo aquilo foi parar na FAO (Organização para Alimentos e Agricultura das Nações Unidas), um trabalho de colaboração em que a gente fala “insect as feed, not as food” (inseto como complemento alimentar, não como comida).

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Qual é a ideia desse trabalho?
Na alimentação dos animais não existe preconceito em incluir insetos, mas para os humanos ainda há um tremendo bloqueio cultural. Posso te servir insetos como sirvo no D.O.M.: você recebe uma formiga para colocar na sua boca. Mas você pode transformá-la em pó e colocar como suplemento em qualquer outro alimento. Existe uma possibilidade real de os insetos serem suplementação de proteína para a humanidade.

Já temos no Brasil fazendas produtoras de insetos. Eu poderia usar insetos nos meus restaurantes. Venho pensando e uma série de pessoas vêm estudando isso. É um caminho que não deve ser abandonado. Existe uma demanda por proteína mundial e que nós vamos ter que suprir. Não dá para pensar no mundo sem proteína.

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Nem sem carne?
Até as alas mais conservadoras da alimentação, dos dois lados – as carnívoras e as veganistas – entendem que o melhor caminho vai ser o do meio, que é o maior consumo de vegetais, comer menos carne e comer todo o animal. Fazer maior uso. Esses dias, numa discussão, alguém disse: mas os pobres querem filé-mignon, os pobres querem picanha. É natural! É delicioso e não tem nada de errado com isso. E nós, ricos, temos de promover isso! Desculpe, nós ricos temos de comer diversidade. A gente é o exemplo, no fim das contas dividimos o mesmo planeta. É função de cada um de nós: um sete bilhões de avos é problema seu, é meu. Não é demonizando ingredientes que a gente vai achar a solução, é comendo um pouco de tudo.

Comer bem é isso?
Gosto muito da definição do Carlo Petrini (sociólogo italiano que fundou o movimento internacional Slow Food): bom, bonito e justo. Se (o prato) é bom, se é lindo, se é sustentável, se é justo no sentido do comércio equitativo, isso já é comer bem.

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Que passos pode dar, nessa direção, um profissional com o dia a dia corrido de hoje?
Um tempo atrás botei um post no Instagram falando que plantar sua própria comida era como imprimir seu próprio dinheiro. As pessoas levam as coisas (ao pé da letra)... ‘imagina, imprimir dinheiro é ilegal! E como é que faz quem mora em apartamento?’ A primeira coisa pra você plantar é estar vivo, é ter inteligência. As hortas urbanas são uma realidade, com a Paola Carosella liderando um movimento lindo [a chef foi uma das primeiras a usar os orgânicos produzidos no bairro de Parelheiros em seus restaurantes].

Tira o seu filho do videogame, sai você do jogo de futebol, da cerveja, pega a sua mulher e faça atividades que sejam agregadoras para a família. Quando a gente age, planta, produz, cozinha, esses atos são agregadores da família. Se juntar para comer é uma delícia. Então, puxa, eu tenho só 15 minutos. Quantas pessoas têm só 15 minutos para almoçar? Um monte. Naqueles minutos, se cada um levar uma coisa, vai ter um puta banquete. As pessoas precisam pensar em ações colaborativas. As pessoas conseguem criar coworkings, por que não criar espaços coletivos para a alimentação? Tem de vir um chef ganhando dinheiro para montar?

A geração de chefs mais jovens têm talento para cozinhar? Ou para administrar?
(Essa geração) Vai ser talentosa, mas o que é esse “talentoso”? Um Jamie Oliver na televisão? É um talento. Talvez não seja na cozinha. Acho que vão existir, nos próximos anos, chefs jovens milionários, ainda mais se a profissão continuar indo bem. Por que a Nike tem salário vitalício para o Ronaldo? Porque precisa dele pro resto da vida. A indústria da alimentação vai precisar de ícones. Vai precisar de gente e, se essa nova geração souber usar, tem chance de ganhar muito dinheiro com comida ainda.

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