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Política

Aplicativo que multiplica conteúdo cria risco de ‘guerra suja’ nas eleições

Avaliação é de estudiosos, que veem recurso usado por MBL como novo tipo de robô
MBL usa aplicativo irregular para compartilhar dados no Facebook Foto: Reprodução internet
MBL usa aplicativo irregular para compartilhar dados no Facebook Foto: Reprodução internet

RIO —  O risco de um precedente capaz de estimular “guerra suja” na campanha eleitoral de 2018. É essa a preocupação demonstrada por especialistas em tecnologia e redes sociais diante da informação, divulgada pelo GLOBO na sexta-feira, de que o Movimento Brasil Livre ( MBL ) utilizou um aplicativo, o Voxer, para replicar seus conteúdos nos perfis de centenas de usuários do Facebook . Após contato da equipe de reportagem, o Facebook decidiu excluir o Voxer.

Pablo Ortellado, professor de Gestão de Políticas Públicas da USP, questiona o fato de apenas os criadores do aplicativo terem sido punidos. Segundo ele, o mesmo tipo de medida deveria ser aplicada aos usuários e páginas que utilizaram o recurso.

— O que houve é uma flagrante desobediência das regras da rede social. A questão é: quem violou isso foi só o operador do app ou também quem utilizou? Se o Facebook for negligente, essa eleição vai ser muito mais suja — adverte.

Na mesma linha, Fabrício Benevenuto, professor de Ciência da Computação da UFMG, crê que esse tipo de aplicativo — flagrado pela primeira vez na política brasileira — representa uma sofisticação maior em relação a outras estratégias usadas para veicular conteúdo político, inclusive fake news .

— Esse aplicativo traz um diferencial bastante preocupante. Até então a gente via muito o uso de bots (robôs) . Esse aplicativo escraviza usuários do Facebook e os usa para fazer postagens para eles.

Ainda segundo ele, o recurso se torna mais perigoso se não houver nenhum tipo de consentimento explícito dos usuários. Benevenuto diz que é viável, do ponto de vista técnico, usar testes e jogos para obter esse tipo de acesso aos perfis de usuários.

—É possível, porque o usuário muitas vezes aceita um aplicativo sem ler o que está sendo permitido. Já há muitos que recebem autorização para postar em nosso nome. Por exemplo, para divulgar em nossos perfis os resultados desses testes — explica.

Marcelo Alves, diretor da startup Vértice Inteligência e doutorando em Comunicação pela UFF, destaca o fato desse tipo de expediente dificultar a detecção por parte de acadêmicos e autoridades. Para ele, embora as regras eleitorais permitam punir esse tipo de prática, será difícil comprovar que candidatos ou partidos estão envolvidos.

— Eu acho que isso é um sinal claro de como as táticas de guerrilha estão ficando cada vez mais avançadas e complicadas de serem identificadas. As regras eleitorais dizem que a campanha nas redes sociais deve estar vinculada a candidatos e partidos. Mas não foram desenvolvidas técnicas para identificar e culpabilizar os responsáveis — alerta.

Em nota, o MBL afirmou que vem sendo alvo de uma perseguição “implacável” por parte de “veículos viciados da grande imprensa como o Globo, Veja e Exame”.

DIFICULDADES PARA SE DEFENDER

Tarcízio Silva, diretor de Pesquisa em Comunicação no IBPAD, lembra que candidatos atacados por essa técnica terão ainda mais dificuldade de se defender, por se tratarem de perfis reais.

— A crença no impacto dessas iniciativas na opinião pública é o que faz circular dinheiro. Campanhas de gestão de imagem não terão tempo nem na mídia nem na Justiça de emendar os ataques.

Em nota, o MBL alega ser alvo de “uma perseguição implacável” por veículos da grande imprensa. Afirma ainda que está montando uma “força-tarefa de advogados” para “processar todos os veículos que propagam fake news ” sobre o grupo. A empresa Lets Rocket, responsável pelo aplicativo Voxer, foi procurada, mas não respondeu às solicitações.

Rodrigo Meyer Bornholdt (PDT), candidato a prefeito de Joinville (SC) em 2016, admitiu ao GLOBO ter usado o Voxer. Segundo ele, foram representantes da Lets Rocket que o procuraram para oferecer o serviço. A prestação de contas da campanha mostra que a empresa recebeu R$ 2.690.

— Tive uma preocupação jurídica (com o aplicativo), mas a gente chegou à solução: seria legitimado pelo consentimento (dos usuários). Tínhamos 50 pessoas que compartilhavam o nosso conteúdo. Inclusive passavam a senha do Facebook deles — conta o político que teve 13.436 votos.

Outros cinco candidatos declararam ter contratado a Lets Rocket em 2016. Em seu site, a empresa diz ter prestado serviço para PMDB, PSDB e PSB.

Mensagens amplificadas
Como o MBL passou a compartilhar conteúdo no perfil de seus seguidores
1
O MBL enviou uma mensagem direta a seus seguidores no dia 15 de março:
“O Brasil precisa de você. O Facebook vem diminuindo o alcance de páginas de direita, mas você pode fazer a diferença. Basta clicar neste botão e autorizar a página do MBL a publicar até duas postagens por dia no seu perfil. Clique no botão abaixo e faça a diferença.”
2
Por meio da plataforma Voxer, o grupo começou a compartilhar conteúdos
no dia seguinte. Alguns usuários relataram que não tinham visto as publicações
em suas linhas do tempo até o contato do GLOBO
3
Foram compartilhadas 16 postagens entre os dias 16 e 28 de março.
Seis posts foram disseminados com legendas idênticas.
“AO VIVO Julgamento do HC do Lula”
Nos três exemplos, os posts foram compartilhados
por usuários distintos, mas com a mesma legenda
“Lula na cadeia!!!”
4
Os compartilhamentos são feitos em sequência, ao longo do dia, com variação
de minutos. O GLOBO encontrou o mesmo post compartilhado de forma
automática mais de 24 horas depois da publicação original
Editoria de Arte
Mensagens amplificadas
Como o MBL passou a compartilhar
conteúdo no perfil de seus seguidores
1
O MBL enviou uma mensagem direta
a seus seguidores no dia 15 de março:
“O Brasil precisa de você.
O Facebook vem diminuindo o
alcance de páginas de direita, mas você pode fazer a diferença. Basta clicar neste botão e autorizar a página do MBL a publicar até duas postagens por dia no seu perfil. Clique no botão abaixo e faça a diferença.”
2
Por meio da plataforma Voxer, o grupo
começou a compartilhar conteúdos
no dia seguinte. Alguns usuários
relataram que não tinham visto as
publicações em suas linhas do tempo
até o contato do GLOBO
3
Foram compartilhadas 16 postagens
entre os dias 16 e 28 de março.
Seis posts foram disseminados com
legendas idênticas.
“AO VIVO Julgamento
do HC do Lula”
Nos três exemplos, os posts foram compartilhados
por usuários distintos, mas com a mesma legenda
“Lula na cadeia!!!”
4
Os compartilhamentos são feitos
em sequência, ao longo do dia, com
variação de minutos. O GLOBO
encontrou o mesmo post compartilhado
de forma automática mais de 24 horas
depois da publicação original
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