Exposição de Christian Cravo celebra 70 anos dos Filhos de Gandhy

Na abertura da mostra gratuita, terça-feira (19), será lançado um livro com 100 imagens

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  • Laura Fernades

Publicado em 16 de fevereiro de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Christian Cravo/Divulgação

Quem vê o cortejo dos Filhos de Gandhy no Carnaval não imagina os detalhes escondidos no famoso tapete branco. Mas é só apurar o olhar para enxergar o atleta cadeirante no meio do desfile, assim como o lavador de carros, o ministro, o motorista de caminhão, o peixeiro cego de um olho, o pedagogo, o auxiliar de costura e o policial militar carregando o neto.

Essas e outras singularidades estão registradas na exposição fotográfica Filhos de Gandhy por Christian Cravo, que tem abertura na  terça-feira, às 19h, no Palacete das Artes. Por meio de imagens dos seus associados, a mostra gratuita revela a tradição do afoxé  que completa 70 anos de história e vai muito além da fama de um colar em troca de um beijo.

Além das fotos, o evento  contará com o lançamento do livro homônimo que deu origem à exposição, composto por 100 imagens dos mais de 500 foliões fotografados por Christian Cravo nos três últimos carnavais. Para reproduzir um pouco da atmosfera do bloco, o aroma de alfazema e uma pequena apresentação dos Filhos de Gandhy marcam a estreia da exposição, que é aberta ao público.

“É um trabalho antropológico, não é meramente um registro”, destaca Christian, 44 anos, que decidiu mergulhar nesse projeto por causa da “imensa admiração por um grupo tão espontâneo como os Filhos de Gandhy”. “Como fotógrafo, como artista, como cidadão curioso, eu prezo pelo resgate da memória”, reforça o artista, filho do fotógrafo Mário Cravo Neto (1947-2009) e neto do escultor Mário Cravo Júnior (1923-2018). (Foto: Christian Cravo) Dentro do Gandhy Ao entrar no salão do Palacete das Artes, o visitante terá a sensação de que está andando no meio do Gandhy, afinal vai se deparar com mais de 30 fotos impressas em flâmulas (tipo de toalha translúcida), que vão do teto até o chão. Já no mezanino, o público vai encontrar imagens impressas em papel, mas sem moldura ou qualquer montagem tradicional, presas apenas a uma alça de metal.

Apesar do cunho documental, a exposição tem uma estética distante da rua. Durante três anos, Christian e equipe foram para as reuniões do Gandhy, para a Lavagem do Bonfim e outras festas onde o afoxé estava. Nesse momento era feita a ficha de cada personagem que recebia o convite para ser fotografado no dia do Carnaval, na sede do bloco no Pelourinho, em um espaço feito para isso.

Questionado sobre alguma história marcante, Christian revela que tem dificuldade de eleger uma só. “Ficava arrepiado de ver o quanto a nossa cultura baiana, oriunda da África - continente do coração onde fotografo há 20 anos -, tem um efeito forte. Muitas histórias me marcaram. Ver que o avô leva o neto para pular no Gandhy porque tem orgulho daquilo, ver a tradição de pai para filho, ver que a pessoa pode ser cega, cadeirante...”, cita.

Reunidos em torno da tradição afro-baiana e da mensagem de paz do bloco, os associados desfilam orgulho. Um deles é o cantor Gilberto Gil que, apesar de não estar na exposição, assina o prefácio do livro com um relato afetivo.“Os Filhos de Gandhy me comovem desde a infância”, conta Gil, que sempre desfila com o uniforme do “bloco de afoxé inspirado no exemplo redentor do Mahatma e na dança extasiante do candomblé”.“Eu sou grato à vida por ter me dado um agogô pra tocar com eles. Que Oxalá dê vida longa à tradição iniciada por Mestre Didi e outros rapazes, no tempo em que ganharam das suas mães - de sangue e de santo - licença para levar nanã Borocô às ruas de Salvador, sob o som do ijexá!”, comemora Gil, no texto. Christian Cravo assina exposição e livro sobre o Gandhy (Foto: Divulgação) Guia Afoxé de grande apelo visual, os Filhos de Gandhy ficaram  associados, nos últimos anos,  à troca do colar por um beijo no Carnaval, apesar disso não ser estimulado pela entidade. “Os colares são guias: o branco representa Oxalá e o azul, Ogum”, explica o atual presidente do Gandhy, Gilsoney de Oliveira, 46 anos.

“O Gandhy é um dos blocos mais velhos e com a história de um líder conhecido mundialmente pela paz. A gente quer fortalecer essa marca. Hoje é o empoderamento da mulher, o respeito à mulher, não tem porque colocar nossos valores do culto afro para isso. As pessoas têm que saber separar”, defende Gilsoney sobre o “bloco ecumênico que respeita todas as raças e tradições”.

Por isso, o presidente destaca a importância do trabalho de Christian, que documenta a “plasticidade e a cultura, materializando toda a história que o Gandhy tem”. É ampliando o tapete branco que o artista destaca os detalhes da tradição que atravessa gerações.“Estamos vivendo um momento cada vez mais pasteurizado, sem identidade e o Carnaval não foge da violação dessa identidade”, alerta Christian. “Como fotógrafo, tenho como missão resguardar a imagem do povo e das tradições que nos cercam. É um resguardo de memória”, garante.Filhos de Gandhy em cartaz O quê: Exposição Filhos de Gandhy por Christian Cravo Onde: Palacete das Artes (Rua da Graça, 284 | 3117-6987) Quando: Abertura na terça-feira (19), às 19h. Visitação: de terça a sexta, das 13h às 19h, sábados, domingos e feriados (exceto Carnaval), das 14h às 18h. Até a 31 de março. Entrada gratuita Livro: R$ 50