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Saber Viver

Na política e na arte, uma onda de mulheres com mais de 50 anos rejeita a invisibilidade

Elas enfrentam o preconceito etário, um obstáculo para que continuem no mercado de trabalho
Glenn Close, melhor atriz pelo filme "A esposa" Foto: HANDOUT / REUTERS
Glenn Close, melhor atriz pelo filme "A esposa" Foto: HANDOUT / REUTERS

Quando Susan Zirinsky assumir a CBS News em março, será a primeira mulher a ocupar o cargo. E também será a pessoa mais velha a assumi-lo, aos 66 anos.

Sua nomeação foi anunciada apenas alguns dias depois que Nancy Pelosi, 78 anos, foi reeleita líder da Câmara dos Deputados – tornando-se a parlamentar mais poderosa na história dos EUA –, e a deputada Maxine Waters se tornou a primeira mulher, e afro-americana, a liderar a Comissão de Serviços Financeiros, aos 79 anos.

As notícias da promoção de Zirinsky vieram na mesma noite em que Glenn Close, de 71 anos, derrotou quatro mulheres mais jovens e ganhou o Globo de Ouro de melhor atriz.

Parece que as mulheres mais velhas, por muito tempo invisíveis ou postas de lado, estão vivendo uma sensação desconhecida: o poder.

Há mais mulheres com mais de 50 anos nos Estados Unidos hoje do que em qualquer outro momento da história, de acordo com dados do Departamento do Censo Americano. Elas são mais saudáveis, trabalham há mais tempo e têm uma renda maior do que as gerações anteriores.

Isso está criando um progresso modesto, mas real em sua visibilidade e estatura.

- A idade – não se preocupe com isso – é um estado de espírito - disse Zirinsky quando perguntada sobre como poderia influir em seu novo emprego. - Tenho tanta energia que minha equipe interveio quando tentei tomar um Red Bull.

Os homens, claro, assumiram grandes organizações quando já tinham mais de 70 ou 80 anos, conservando seu poder e destaque. Mas o movimento #MeToo derrubou alguns deles, desde Charlie Rose, de 77 anos, até Les Moonves, de 69, que foi demitido da chefia da CBS após múltiplas alegações de má conduta sexual, criando vagas inesperadas para a promoção das mulheres.

E Susan Douglas, professora de Estudos de Comunicação da Universidade de Michigan, que está escrevendo um livro sobre o poder das mulheres mais velhas, disse que "uma revolução demográfica" estava ocorrendo – tanto no número de mulheres que estão trabalhando aos 60 e 70 anos quanto na percepção de sua capacidade e valor, após o #MeToo.

- As mulheres mais velhas estão dizendo agora: 'Não, ainda estou na batalha, ainda tenho muito a oferecer, e não vou ser condenada à invisibilidade.' Elas estão reinventando o significado de ser uma mulher mais velha.

Em 2016, a expectativa de vida média das mulheres nos Estados Unidos era de 81,1, e a dos homens, de 76,1. Quase um terço das mulheres entre 65 e 69 anos trabalha hoje, bem acima dos 15 por cento no fim da década de 1980, de acordo com análises recentes de Claudia Goldin e Lawrence Katz, economistas de Harvard. Quase 18 por cento das mulheres entre 70 e 74 anos trabalham, 8 por cento a mais.

Curiosamente, trabalhar por mais tempo é mais comum entre as mulheres com ensino superior e poupança, enquanto as que não trabalham têm maior propensão a ter a saúde comprometida e poupança limitada e a ser dependentes da seguridade social.

- Posso garantir que não gostei – na verdade até me deu um calafrio – quando o 'The Times' escreveu sobre minha nova empresa, e lá estava, preto no branco: 'Christiane Amanpour, 60 anos' - disse Amanpour, que substituiu Rose na PBS no ano passado, e recentemente completou 61 anos. - Mas então pensei: 'Não! Isso é legal! – Tenho 60 anos e outro capítulo da minha vida está começando.'

Apesar de tudo, ainda é raro encontrar mulheres com mais de 60 liderando grandes instituições ou assumindo o centro do palco em outras indústrias.

No cinema, por exemplo, um estudo de 2017 da Universidade do Sul da Califórnia descobriu que apenas 2,6 por cento dos papéis com falas em 25 filmes indicados para melhor filme eram de mulheres com mais de 60 – e a probabilidade de terem profissões poderosas nos filmes era muito menor.

- Acho que essa noção de quem pode ter o papel principal e quem não pode está sendo completamente modificada - disse Katie Couric, âncora de jornal de longa data que acabou de comemorar seu 62º aniversário. - Quando vejo alguém como Glenn Close fazendo o discurso mais comovente da noite (no Globo de Ouro), e tendo sua experiência e sabedoria respeitadas, ou quando vejo Susan Zirinsky ser promovida, digo: 'Vamos lá! Quero ver isso mais vezes.'

- Esperava-se que as mulheres mais velhas "desaparecessem na paisagem", como disse a estudiosa Joan C. Williams – pois estavam tão longe de seu auge sexual que acabavam ficando quase invisíveis. (Para que você não ache que essa noção é ultrapassada, basta ver o autor francês Yann Moix, que disse na revista "Marie Claire" que nem percebe as mulheres com mais de 50.)

E, enquanto muitos acreditam que o valor dos homens aumenta com a idade, o das mulheres geralmente diminui. Em seu livro "The Beauty Bias", Deborah Rhode, professora de Direito da Universidade de Stanford, explicou que, enquanto o cabelo branco e a testa marcada dão uma aparência "distinta" aos homens mais velhos, as mulheres se arriscam a ser marginalizadas ou ridicularizadas por tentarem parecer jovens.

Não é nenhuma surpresa, portanto, que, de acordo com uma análise da revista "Time", os atores estão no auge profissional aos 46 anos, enquanto que isso ocorre aos 30 anos para as atrizes. (Como a atriz Helen Mirren recentemente disse em uma entrevista, em relação ao fato de que, aos 37 anos, Maggie Gyllenhaal foi recusada por ser "muito velha" para contracenar com um homem de 55 anos de idade: "Conforme James Bond vai ficando mais velho, suas namoradas ficam mais e mais jovens. É irritante.")

Em outra pesquisa, feita há alguns anos pela revista "Newsweek", 84 por cento dos gerentes de contratação em empresas disseram acreditar que um candidato "qualificado, mas visivelmente mais velho" faria alguns empregadores hesitarem – especialmente se fosse uma mulher.

E, enquanto mais pessoas acima dos 65 anos – quase 20 por cento – ainda trabalham, mais do que em qualquer outro ponto desde a década de 1960, de acordo com o Departamento de Estatísticas do Trabalho dos EUA, mesmo quando a taxa de desemprego no país estava perto do pleno emprego, eram as mulheres com mais de 50 que tinham dificuldade de encontrar trabalho.

- preconceito etário é um dos últimos aceitáveis em nossa cultura, e se conecta poderosamente com o sexismo - disse Douglas.

Mas isso está mudando, assim como a percepção geral em relação a elas. Muitas mulheres mais velhas gostam de trabalhar, dizem os demógrafos, uma realidade que começaram a experimentar décadas atrás, quando as oportunidades começaram a surgir para elas nos anos 1970 e 1980.

- O que o movimento feminista fez foi desenvolver gerações de mulheres fortes - disse a deputada Donna Shalala, democrata da Flórida, que se tornou a caloura mais velha da Câmara, quando assumiu o cargo um pouco mais de um mês antes de seu aniversário de 78 anos. - Tivemos carreiras, fomos empreendedoras em nossos campos, e você está vendo o resultado disso agora. Nós nos sentimos bem com essa situação, não engolimos desaforos, e temos uma irmandade.

* do New York Times