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Política Dia da Mulher

Há 90 anos, uma mulher se alistava para votar pela 1ª vez

Historiadora lança livro que relembra trajetória da luta pelo direito ao voto
Celina Guimarães Viana, de Mossoró, a primeira eleitora do Brasil Foto: Divulgação
Celina Guimarães Viana, de Mossoró, a primeira eleitora do Brasil Foto: Divulgação

RIO — Em abril deste ano completam 90 anos da primeira vez que mulheres conseguiram se inscrever para votar em uma eleição. Celina Guimarães Viana, de Mossoró, no Rio Grande do Norte, e outras vinte mulheres ficaram registradas na História brasileira pela conquista. O Senado, porém, invalidou os votos da eleição na qual elas participaram por não aceitar o voto feminino. A medida representava, no entanto, um caminho sem volta. Em 1932, no início da Era Vargas , o sufrágio feminino foi adotado no Código Eleitoral e, em 1933, as mulheres não só puderam ir às urnas como também puderam disputar vagas nas assembleias legislativas nos estados, na Câmara dos Deputados e no Distrito Federal. No dia 22 de março, a historiadora Teresa Cristina de Novaes Marques, da Universidade de Brasília (UnB) lança o livro “O voto feminino”, que relembra essa trajetória.

Como surgiu o voto das mulheres a partir de 1932?

Os historiadores oscilam entre atribuir a vontade de Getulio Vargas, o ditador/populista, que decide encerrar uma polêmica que se arrastava há várias décadas e coloca no Código Eleitoral de 1932 o direito das mulheres de votar e serem votadas. A outra leitura desse processo é que ele foi uma conquista. Eu me alinho com o segundo grupo que vê isso como uma conquista. É o ponto alto de campanhas de várias gerações. A primeira que a gente levantou foi em torno da constituinte de 1891. Houve emenda defendendo o voto feminino, mas foram derrubadas. Ao longo dos anos 1910 e 1920 outros grupos levantam a bandeira sobre o porquê as mulheres não podem votar. E no final dos anos 1920 essa discussão já é densa e o grupo da médica Bertha Lutz se sobressai junto aos “donos do poder”, mas ele não é o único. Vargas ascende ao poder em 1930 e começa a baixar decretos. No ano seguinte, começa com a discussão sobre a reabertura. Só que aí ficou aquele limbo. É um governo de exceção. A Constituição de 1981 está valendo? Não. Mas em 1931 ele forma uma comissão de juristas para elaborar as regras das eleições e essa comissão se reúne e trabalha, mas diverge. São três juristas, dos quais dois realmente ativos que polarizam. Estava chegando o momento.

Que mulheres lutavam pelo voto?

Esse primeiro grupo que se levanta são jornalistas e professoras, mulheres que escrevem na imprensa e frequentemente são professoras, como Cecília Meirelles, que era originalmente professora de Português. Elas educavam os meninos que podiam votar quando chegavam à vida adulta, mas elas próprias não podiam votar. Muitas também eram advogadas, do grupo da médica Bertha Lutz. Era um movimento heterogêneo de mulheres que se sentem excluídas da participação política. Elas até tinham escolaridade, mas ao não ter direitos políticos, não podem se candidatar a cargos públicos e não têm voz no processo legislativo e as leis que mais aborrecem e causam dano à vida pessoal são as leis civis, que regem o casamento. A falta do direito político expõe as mulheres a diversas injustiças sobre as quais elas não têm mecanismos institucionais para se apresentar contra.

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Como o RN iniciou esse processo?

A Constituição de 1891 é um regime federativo e os estados têm alguma uma autonomia. Ela não autorizou, mas também não proibiu o voto das mulheres. Então era a coisa de interpretação do juiz. Até 1927, o pessoal virava do avesso o artigo lá, o 70, e afinal, a categoria cidadão é universal, se aplica às mulheres, ou só os homens? E o que acontece no RN? O antigo deputado Juvenal Lamartine tinha convivido ainda na Câmara com as feministas. Em 1927, ele deixa o Senado porque foi eleito governador e as elites pensaram em projetar o nome dele no âmbito nacional. O Poder Judiciário local então permite às mulheres se alistar para votar na eleição complementar que elegeu o substituto de Juvenal no Senado. Elas votaram, mas houve uma comissão no Senado para avaliar se o voto se tornaria válido e eles foram cassados.

O que era o Partido Republicano Feminino?

É um antipartido. Digamos que a Leolinda Daltro ela era muito aborrecida de não poder votar e ser excluída. Ela recebe um conselho de um político: por que você não cria um partido? Então ela faz uma entidade civil e registra. Achamos o documento no Arquivo Nacional e chamou a entidade de Partido Republicano Feminino. Embora ela se apresentasse a cena como feminista. Depois, a Leolinda fazia igual o filme “As sufragistas”, ela mandou fazer faixas e pegava as alunas e andava na rua com faixas, com o emblema. Ela chegou a ser candidata a intendente para criar caso, criar confusão em todo lugar, encher o saco mesmo porque era um partido que ninguém podia votar né? Ela adotou essas estratégias.

Antonieta de Barros, a primeira deputada estadual negra do Brasil, se elegeu em 1934 Foto: Terceiro / Agência O Globo
Antonieta de Barros, a primeira deputada estadual negra do Brasil, se elegeu em 1934 Foto: Terceiro / Agência O Globo

As lideranças na eleição de 1934 são mulheres ligadas ao movimento ou representantes das elites?

Não é uma oligarquia que vestes saias. Esse primeiro grupo surgiu por visibilidade político. Há nele mulheres que defenderam o sufrágio. Tinha Maria Estrela, primeira médica formada era sufragista. Depois, vai ter Leolinda Daltro, que defendia a educação profissionalizante das moças, para que elas pudessem ter autonomia. Mas há uma diferença que a gente faz entre as várias gerações de sufragistas e as mulheres que vão exercer mandatos legislativos. As que vão se eleger nesse movimento, a Cartola Pereira de Queirós, por exemplo, não se elegeu na sombra de nenhum homem, fez uma votação estrondosa pela liderança que teve na Revolução Constitucionalista de SP. Na eleição de 1934, você vai ter muitas deputadas estaduais, na minha conta são nove.

Qual o principal entrave para o avanço das mulheres na política?

Quando finalmente surgiu o direito, ficou a dúvida: devemos criar um partido à parte ou nos incorporar às agremiações partidárias? Se ficar separado, não tem força eleitoral, é pequeno. Junto você corre o enorme risco de diluir. Até hoje é assim. Acho que o machismo atrapalha e também tem que ter uma massa mais crítica. Precisamos ter mais mulheres para atuar na coisas públicas de modo que fique constrangedor o governo se organizar sem elas. Tem que ser corriqueiro. Falta quantidade e qualidade. Esse mecanismo de cotas é uma correção, são mecanismos para forçar. Agora, as mulheres precisam querer participar da vida política, querer se candidatar.