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Música e Masturbação

Carta à Flaira Ferro

Flaira Ferro

Flaira, o que dizer à sua avó, ou tio mais velho, aí em Recife, que o Brasil inteiro vê as expressões e uivos de prazer no seu rosto durante uma masturbação? Se não é o caso de explicar, como se sentirão seus filhos, quando nascerem, ao assistir o clipe da música “Coisa Mais Bonita”? Será que há, na história da canção popular, ou dos clipes, uma música como esta, que tem, no seu bordão, o gozo, desta maneira? 

"Não tem coisa mais bonita / Nem coisa mais poderosa / Do que uma mulher que brilha / Do que uma mulher que goza".

Quando o cansaço bater, na hora de dormir, e o sono não vier, valerá a pena? A sua música, Flaira, transita por um ambiente de transgressão comportamental muito íntimo - aliás.. o mais íntimo possível: a masturbação. E como a linguagem a trata? Ato carregado de preconceito,  é chamado de siririca, patusco, estabanado, amalucado, tonto, punheta de mulher, lapidar a safira, rosadinha e, antecedido do verbo bater ou tocar, bolacha, sanfona, companhia, sebastiana e licka. A língua confirma o mito do mulher orgástica. Logo a língua, aparelho do prazer. Como passar ao largo da pergunta, Flaira: “E aí? Como você está lidando com isso? Vale a pena?”

“Não me vem com tarja preta; deixa livre a minha buceta! Maluco ou entorpecido pela falsa ideia de dominação. Você está esquecido, mulher sem libido não tem natureza, vira papelão”. E termina: “homem de verdade enxerga beleza na mulher que é dona do próprio tesão”. Estes são versos de uma música que é uma causa. E uma causa antiga, que levou para a fogueira milhares de mulheres na Idade Média, história tão bem retratada no “Martelo das Feiticeiras (Maleus Maleficarum)”, escrito em 1846 pelos padres dominicanos. Seu conteúdo foi utilizado, incialmente, para perseguir os hereges. Mas valeu mesmo para a famosa “caça às bruxas” - estas entendidas como mulheres que gozam. 

Pois não é que você, Flaira, em 2018, criou um bula nada religiosa que inverte os papéis e pede “não me vem com tarja preta, deixa livre a minha teta”. Tudo isso em um clipe lindo, com um astral altíssimo, com mulheres comuns cantando em pisos, assoalhos, camas - e se masturbando até gozarem - felizes. E muito! Coisa de fazer João Gilberto e sua malemolência em “Coisa Mais Linda” (“Coisa mais bonita é você /  Assim, justinho você / Eu juro, eu não sei porque você”) sair dançando frevo. 

Mas o preço, Flaira, ainda é a fogueira. Não a física, inflamável. Mas a fogueira da repressão, da ausência de libido, da inibição, do medo. Estás dispostas, Flaira, a enfrentar o preconceito, o olhar transversal, as palavras entre dentes e não ditas? Os sorrisos falsos, a comiseração hipócrita. Estás, Flaira? 

Pois esteja. A fila das mulheres infelizes e sodomizadas um dia vai acabar. E esta coisa mais bonita que é você vai passar, olímpica, feliz e orgástica. 

Assista o clipe aqui: http://bit.ly/2GFNKiY

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