• Agência O Globo
Atualizado em
Papai Noel (Foto: Srikanta H. U / Unsplash)

Papai Noel (Foto: Srikanta H. U / Unsplash)

Deixei meu sapatinho na janela do quintal, Papai Noel deixou meu presente de Natal... higienizado com álcool em gel e mantendo o distanciamento. Em meio à pandemia de Covid-19, o Bom Velhinho está com a barba de molho e preocupado, assim como os profissionais que o representam todo fim de ano, que já vivem o medo de não conseguir trabalho nos próximos meses. Sem uma vacina, a idade avançada e os fatores de risco para a doença deixam os personagens impedidos de abraçar, ficar próximos das crianças para fotos ou de ouvir aquele pedido especial bem pertinho do ouvido. Do outro lado, pais também mostram-se preocupados por não terem a magia do Natal em 2020.

— É um problema difícil de ser resolvido sem o surgimento de uma vacina. A nossa realidade está muito instável. Os shoppings até querem ter a nossa presença, mas a principal dúvida é sobre como isso será feito e como o Bom Velhinho vai se portar diante das crianças. Com certeza, neste ano os ganhos serão menores. Tenho fé, nós vamos encontrar uma solução — afirma o aposentado Saymon Claus, de 72 anos, que trabalha como Papai Noel há nove.

Faltando pouco mais de quatro meses para o Natal, os shoppings da cidade já fazem reuniões para pensar num novo formato para a decoração natalina, sem deixar de surpreender e encantar o público. Entre as possibilidades estão colocar uma placa de acrílico entre o Papai Noel e o público; transformar o trono num banco, para que as famílias fiquem numa ponta e o bom velhinho na outra; diminuir o tempo de duração da atração nos centros comerciais, que geralmente é de 45 dias; e suspender os eventos de chegada do personagem, para não criar aglomerações. Para Saymon, as medidas são necessárias neste momento.

— Sou hipertenso, cardiopata e tenho diabetes. É uma nova realidade que precisa ser respeitada como uma forma de proteção para todas as pessoas — afirma Saymon, que já prepara máscaras especiais para a época: — Tenho uma com o rosto do Papai Noel e outra estampada de renas e presentes.

O fundador e diretor da Escola de Papai Noel do Brasil, Limachem Cherem, destaca que quase todos os Papais Noéis do Rio têm mais de 60 anos e comorbidades:

— A pergunta é: como será o Natal? O Papai Noel é um personagem lúdico, que mexe com a imaginação de crianças e adultos. Nossos Bons Velhinhos estão nessa dúvida, desconfiados de que não vão poder assumir o trono. Precisamos pensar nesse “novo” Natal e nas possibilidades que possam existir.

Roberto Carlos da Silva, de 48 anos, lembra que, além dos trabalhos em shoppings e eventos, muitos atores que interpretam o Papai Noel, assim como ele, fazem trabalhos sociais em hospitais, orfanatos e asilos — atividades que também estão ameaçadas. Segundo ele, a indefinição sobre o futuro é o mais preocupante:

— Com a pandemia, fica tudo mais complicado. Essa doença pode ficar até dezembro ou até o ano que vem. Não sabemos se o Papai Noel vai estar com o álcool em gel do lado, de máscara e mantendo distanciamento. Estamos preocupados, pensando em como lidar com o público. Está tudo bem indefinido.

Jorge Santos, de 55 , que também vira Papai Noel todo fim de ano, é sobrinho, irmão e primo de outros atores que interpretam o mesmo personagem. Ele administra um grupo com quase 30 Papais Noéis de todo o estado, que vem, pela internet, conversando e participando de pesquisas sobre as medidas de proteção necessárias. Jorge conta que pegar as crianças no colo está fora de cogitação:

— Nós temos que nos proteger agora. Eu calculo que 99% dos Papais Noéis têm pelo menos hipertensão, mas a maioria também sofre de diabetes.

Pensando nos problemas causados pela pandemia e tentando encontrar novos caminhos, a Escola de Papais Noéis do Brasil criou o primeiro encontro nacional virtual, que acontece nesta terça e na quarta-feira, com videoconferência. O evento terá a participação de profissionais da área médica, de marketing e de mercado, que, durante os dois dias, conversarão sobre a interatividade com o público, as orientações, os cuidados para o trabalho para se proteger do coronavírus e as ações de Natal nos shoppings no “novo normal”. E além de tanta informação, o humorista André Lucas promete divertir os Bons Velhinhos.

— Em 2018, fizemos a primeira edição presencial, com almoço, caminhada pela paz em Copacabana e exercícios teatrais. Para este ano, devemos ter 50 Papais Noéis daqui e outros de Goiás, Brasília, Rio Grande do Sul, Manaus e Salvador. A ideia é trocar ideias sobre o trabalho na pandemia — diz Limachem, que fundou a escola em 1993.

Em 27 anos, o curso já formou cerca de 700 Papais Noéis. Nas aulas, os alunos fazem exercícios teatrais, de música e trabalho de corpo. Também recebem noções de improvisação, dicção, interpretação, postura, maquiagem, figurino e dinâmica de grupo. Tudo para que o Bom Velhinho saiba contornar perguntas embaraçosas dos pequenos. A turma deste ano — as aulas geralmente acontecem em outubro — deve ser virtual, e essa novidade deve ampliar o alcance da escola:

— A tecnologia nunca esteve tão em alta, tão necessária para o nosso dia a dia. De forma virtual, poderemos expandir para outras cidades.

Até 2019, o trabalho como Papai Noel de shopping costumava render entre R$ 5 mil e R$ 15 mil por um período de 40 dias. Já as visitas às casas das crianças não saíam por menos de R$ 200, dependendo da data e do horário. Mas, para 2020, a previsão é de queda de até 40% no faturamento.

— As associações comerciais, que são os nossos principais clientes, enfrentam uma crise muito grande e ainda estão se reerguendo. Com o fechamento de muitas lojas, quem antes pagava R$ 15 mil hoje não consegue mais. Vão querer reduzir pra R$ 9 mil ou R$ 10 mil — preocupa-se Limachem.